06 novembro 2019

Aberração bolsonariana: 1,2 mil pequenos municípios podem ser extintos


O "Brasil que Alimenta o Brasil" acaba de receber uma bofetada na boca do estômago

Paulo Guedes apresentou novo "pacote de maldades" de Bolsonaro / Corbari

Por Frei Sérgio Antônio Görgen*
O governo de Jair Bolsonaro (PSL) propõe extinguir, por meio de Emenda Constitucional encaminhada nessa terça-feira (5), mais de 1,2 mil pequenos municípios com população inferior a 5 mil habitantes. Diz que são a causa da quebradeira da nação.
Isso ocorre ao mesmo tempo em que Bolsonaro está doando US$ 1 trilhão de dólares para as multinacionais estrangeiras do petróleo através dos leilões do pré-sal.
Uns trocados desta infame entrega do petróleo a preço de banana sustentaria a vida desses municípios e muito mais por dezenas de anos.
E o que são esses pequenos municípios?
São compostos de população tipicamente camponesa, rural, com altos valores comunitários, com intensa integração entre as pessoas, preservação de valores culturais importantes, cuidado local com a saúde e com as novas gerações, baixos níveis de criminalidade e de drogadição, preservação de valores familiares (tão exaltados pelo autor desta aberração), alta produção própria de seus meios de existência – de modo especial os alimentos – e forte participação política nas decisões locais.
Esta decisão extingue importante modo de vida e de autonomia política destas comunidades. Vai provocar enorme êxodo para outras cidades, por extinção de equipamentos locais de atendimento da população, de modo especial, na área da saúde e educação.
Já no curto prazo, vai aumentar as despesas do Estado, pois vai jogar mais famílias e mais jovens nas periferias de médias e grandes cidades.
É, acima de tudo, um desprezo por um modo de vida e por valores comunitários importantes para a identidade do povo brasileiro.
Desprezo brutal pelas famílias camponesas que produzem alimentos.
Desprezo pela luta destas comunidades por construírem sua identidade própria e seu próprio caminho para solucionar seus problemas.
É, acima de tudo, uma aberração em todos os sentidos, com alguns agravantes de desconhecimento brutal do interior do país, sua história e sua importância. Conheço um município, Colorado, no Rio Grande do Sul, que está emancipado há mais de 50 anos. Será extinto por Bolsonaro. É só um exemplo do tamanho desta aberração.
O Brasil Interiorano, o Brasil Caboclo, o Brasil Sertanejo, o Brasil dos Sertões, o Brasil Camponês, o Brasil Colono, o Brasil Rural Profundo, o Brasil que Alimenta o Brasil, todos acabam de receber uma bofetada na boca do estômago, partindo do punho sem piedade do governo Bolsonaro.
Este Brasil é muito maior e mais forte do que Bolsonaro imagina. Não ficará sem resposta.
Esta resposta começará pelos que, nestes imensos rincões, votaram nele.
Nesta cultura interiorana, traição é uma ofensa grave, é a maior das aberrações. Os que votaram nele, nestes municípios, estão sentindo neste momento a dor de uma grande traição.
*Sérgio Antônio Görgen é Frei Franciscano, militante do Movimentos dos Pequenos Agricultores e autor do Livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”
Edição: Marcos Corbari - *Via Brasil de Fato

O roubo do século: Brasil perderá R$ 1,6 trilhão com leilão do pré-sal


Petróleo. Foto: AFP/Arquivo

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO MONITOR MERCANTIL*
O leilão de campos do pré-sal da chamada Cessão Onerosa, programado para esta quarta-feira, provocará uma perda de US$ 300 bilhões à União, calculam os ex-diretores da Petrobras Guilherme Estrella e Ildo Sauer.
Em Nota Técnica escrita para o Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, os dois especialistas – Estrella comandou a área de Exploração e Produção no período que culminou com a descoberta do pré-sal – estimam que em uma hipótese mais favorável a quem levar a concessão, e mais danosa à União, as perdas podem ultrapassar os US$ 400 bilhões, mais de R$ 1,6 trilhão em 30 anos.
Os R$ 106 bilhões que o governo espera arrecadar com o megaleilão do pré-sal mal dão para cobrir 25% do pagamento de juros da dívida este ano, ou o déficit nas contas da União provocado pelo baixo crescimento da economia. A única empresa nacional com porte para participar do leilão é a Petrobras.
“Para o cenário mais provável, de volume máximo dos campos (15,2 bilhões de barris) e preço do petróleo de US$ 60 por barril, a perda da União seria da ordem de US$ 300 bilhões ao longo dos 30 anos da operação dos campos, sendo que a maior parte destes recursos são gerados nos anos iniciais do desenvolvimento da produção”, calculam Sauer e Estrella.

A alternativa, melhor financeiramente e economicamente para o país, seria a contratação direta da Petrobras, como permite a lei.

“Nenhum dos países detentores de grandes reservas, com potencial impacto na geopolítica do petróleo, quando os recursos naturais pertencem ao Estado, como no Brasil, promovem leilões deste tipo; ou exploram os recursos mediante empresa 100% estatal, ou outorgam contratos de prestação de serviços, quando necessário, como os propostos aqui em contraposição ao leilão”, explicam no estudo.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e o Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas acrescentam que, diferentemente de outros leilões, essas áreas são ainda mais vantajosas porque as petroleiras não precisarão investir para achar o petróleo, que já foi descoberto pela Petrobras.
“As multinacionais vão receber de graça todo o investimento feito por nós. É só extrair o petróleo. Essa é a grande diferença dos demais leilões do pré-sal. Quem comprar sabe que ali tem petróleo”, denuncia José Maria Rangel, coordenador-geral da FUP.
*Via DCM

05 novembro 2019

Dilma detona Moro por pedido de prisão antes da entrega do pré-sal: abuso de autoridade

A ex-presidente Dilma Rousseff culpou diretamente o ministro Sergio Moro por seu pedido de prisão, negado pelo STF, na véspera do maior assalto já perpetrado no Brasil; segundo estudo da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, a União será lesada em R$ 340 bilhões com a entrega do pré-sal; subordinada a Moro, a PF quis prender Dilma num inquérito em que ela sequer é investigada



247 - A presidente deposta pelo golpe de 2016, Dilma Rousseff, reagiu em nota à notícia de que a Polícia Federal de Sergio Moro e Jair Bolsonaro pediu sua prisão no âmbito da Lava Jato - pedido que foi negado pelo ministo do STF Edson Fachin.
Para ela, a informação é "estarrecedora" e "também revela o esforço inconsequente do ministro da Justiça, Sérgio Moro no afã de perseguir adversários políticos". Leia a íntegra da nota:
NOTA À IMPRENSA
É estarrecedora a notícia de que a Polícia Federal pediu a prisão da ex-presidenta Dilma Rousseff num processo no qual ela não é investigada e nunca foi chamada a prestar qualquer esclarecimento.
A ex-presidenta sempre colaborou com investigações e jamais se negou a prestar testemunho perante a Justiça Federal, nos casos em que foi instada a se manifestar.
Hoje, 5 de novembro, ela foi convidada a prestar esclarecimentos à Justiça, recebendo a notificação das mãos civilizadas e educadas de um delegado federal. No final da tarde, soube pela imprensa do pedido de prisão.
O pedido de prisão é um absurdo diante do fato de não ser ela mesma investigada no inquérito em questão. E autoriza suposições várias, entre elas que se trata de uma oportuna cortina de fumaça. E também revela o esforço inconsequente do ministro da Justiça, Sérgio Moro no afã de perseguir adversários políticos. Sobretudo, torna visível e palpável o abuso de autoridade.
Ainda bem que prevaleceu o bom senso e a responsabilidade do ministro responsável pelo caso no STF, assim como do próprio Ministério Público Federal.
Assessoria de Imprensa

Dilma Rousseff
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04 novembro 2019

Quem foi Marighella e por que ele incomoda tanto o clã Bolsonaro



Comunista que lutou contra as ditaduras brasileiras, Marighella é combatido 50 anos após sua morte

O  filme sobre a vida de Carlos Marighella, militante comunista morto pela ditadura em 1969, tem dificuldades imensas para estrear no Brasil. Dirigido por Wagner Moura, o longa conta a história do homem negro que lutou contra Getúlio Vargas, os militares e acabou se tornando símbolo da luta do proletariado.
O filme, que já foi exibido em alguns festivais internacionais como o de Berlim, chegou a ser aplaudido em pé. O sucesso e a repercussão da história de Marighella irritaram membros da família Bolsonaro e seus seguidores. Em abril deste ano, o presidente postou em suas redes um vídeo chamando o ativista de criminoso, terrorista e que ele seria um apoiador de “ditaduras comunistas”.
Em entrevista coletiva em Berlim, Wagner Moura garantiu que a obra não era direcionada a Bolsonaro, mas que “o filme está em contraste com o grupo que está no poder”, referindo-se ao presidente e aos integrantes de seu governo.
O fato é que o filme agitou o debate em torno de Marighella e as paixões ideológicas, a favor ou contra, mostram que a estreia do filme no Brasil pode até demorar, mas terá impacto. Mas quem de fato foi Carlos Marighella e por que ele, morto há 50 anos, incomoda tanto o clã Bolsonaro?

Baiano que conheceu o ativismo na universidade

Carlos Marighella nasceu em Salvador, em 1911, e tinha outros sete irmãos. Filho de uma mãe negra, descendente de escravos, com um pai imigrante italiano, o baiano conseguiu romper as dificuldades de uma vida simples e ingressou, em 1929, na Escola Politécnica da Bahia para cursar engenharia civil.
Foi na universidade que Marighella conheceu o movimento estudantil. Aos 23 anos, se tornou o líder da luta comunista e conheceu aquilo que o acompanharia para o resto de sua vida: a repressão. 
Foi preso por divulgar um poema em que criticava o interventor da Bahia, Juracy Magalhães, nomeado por Getúlio Vargas.
Logo após ser solto, em 1934, Marighella desistiu do curso de engenharia e se mudou para o Rio de Janeiro para ser um militante profissional do Partido Comunista Brasileiro. Ele era responsável pela imprensa e divulgação do partido. (...)
CLIQUE AQUI para continuar lendo (via Carta Capital).

Flavio Koutzii: “A balança mudou na America Latina e isso não é pouca coisa”




Flavio Koutzii: “Estamos sendo contemporâneos dos primeiros e valiosíssimos sinais de uma nova virada política na América Latina”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Por Marco Weissheimer, no Sul21*
O resultado das recentes eleições na Argentina e na Bolívia e a rebelião popular que explodiu no Chile contra as políticas neoliberais aplicadas no país há algumas décadas fizeram o tabuleiro político e geopolítico da região se mover. Após acumular pesadas derrotas nos últimos anos, especialmente no Brasil e na Argentina, a esquerda da região vê o renascimento de possibilidades que pareciam soterradas pelos escombros deixados pelo avanço do conservadorismo na região, em especial pela eleição de Jair Bolsonaro no Brasil. O movimento tectônico foi acusado pela própria direita. Na semana passada, Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, ameaçou a esquerda brasileira de reeditar políticas como a do Ato Institucional n.5 (AI-5), que marcou o recrudescimento da repressão, da censura e da tortura na ditadura pós-64, caso ela pretenda “seguir o exemplo chileno”.
Acuado por novas denúncias envolvendo o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ), o governo Bolsonaro, seja pela voz do presidente ou de um seus filhos, vem elevando o tom de suas manifestações favoráveis a medidas autoritárias que nem mais buscam algum disfarce. A raiva do discurso da extrema-direita brasileira só cresceu a partir dos recentes acontecimentos na Argentina e no Chile. “O encontro entre os surtos autoritários do governo Bolsonaro e a nova onda política e social na América Latina, representada pelas vitórias eleitorais na Argentina e na Bolívia e pela rebelião popular no Chile, indica que o que está em curso nesta etapa é a disputa por um cenário maior. Estamos sendo contemporâneos dos primeiros e valiosíssimos sinais de uma nova virada política na América Latina”, avalia Flavio Koutzii, ex-deputado estadual, pelo PT, ex-chefe da Casa Civil do Governo Olívio Dutra e ex-preso político na Argentina, onde participou da luta armada contra a ditadura.
Koutzii acompanha há algumas décadas a política brasileira e argentina em especial, seja como militante político, seja como um analista que não costuma deixar suas preferências políticas iludir seus prognósticos. Em entrevista ao Sul21, ele atualiza um balanço sobre a atual conjuntura política, à luz dos mais recentes acontecimentos no Brasil e na América do Sul. E a balança da análise pende para um discreto otimismo: “Eu tenho estado bastante cético a respeito dos cenários de futuro, pois perdemos muito e tivemos uma grande regressão no código de valores. Estamos assistindo, de certa maneira, a uma revalorização da política, a uma volta da política. No centro do desenlace dos processos que vemos hoje em países como a Argentina ou o Chile está a política em seu sentido social e não o perigo do Satanás”.


“Começamos a ver uma reação à grande regressão civilizatória e antidemocrática, aos ataques à cultura e à inteligência”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Sul21: Há um certo consenso já em relação à interpretação de afirmações como essa feita por Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5. Segundo essa leitura, esse tipo de afirmação surge, como uma espécie de manobra diversionista, toda vez que Bolsonaro ou um de seus filhos está envolvido em alguma denúncia ou problema mais grave. Na tua avaliação, essa defesa de uma possível reedição do AI-5 deve ser lida basicamente como uma manobra diversionista ou devemos tomá-la como algo mais grave, indicador de uma potencial escalada autoritária?
Flavio Koutzii: O mais inquietante desse episódio não é o aspecto tático diversionista como muitos de nós temos julgado vários movimentos anteriores dessa dimensão, graves, provocantes e absurdos. Isso existe, mas prefiro prestar atenção em outra coisa neste caso, a hipótese de que estamos frente a uma escalada cada vez mais radicalizada e ameaçadora do ponto de vista dos símbolos que eles escolhem para demarcá-la e publicizá-la.
Uma parte da sociedade brasileira, a parte que está prestando atenção, ficou profundamente inquieta com essa afirmação de Eduardo Bolsonaro, o que é positivo, na medida em que houve uma reação rápida de algumas instituições. Isso parece confirmar também o sinal da escalada que mencionei. A opinião pública ilustrada da direita e a opinião pública de algumas instituições que se degradaram profundamente de vez em quando levantam o braço para dizer “isso não”, como fizeram neste caso.
Eu queria agregar um fato da conjuntura bem recente que me parece caber como uma luva neste tema. Estou entre aqueles que, pouco a pouco, começou a dizer que deveríamos prestar atenção e não ficar nos escandalizando a cada duas semanas com episódios desse tipo, que não era o lado caricatural que deveria nos preocupar, mas sim o lado agudo do conteúdo que hipotnizava um pouco a opinião crítica democrática do campo progressista, desviando a atenção do que era principal. Já se falava isso sobre o modus operandi adotado pelo Trump nos Estados Unidos e as similitudes foram sendo percebidas. Nos preveníamos mutuamente dizendo algo como: “não entra nessa, o importante é isso aqui. O cara está puxando pra ti olhar pra lá, mas ele está entrando por aqui”.
A minha impressão recente é que estamos frente a uma alteração da conjuntura que eu mal pressentira que poderia acontecer. Começamos a ver uma reação à grande regressão civilizatória e antidemocrática, aos ataques à cultura e à inteligência. Houve um período bem recente onde era necessário explicar que o que estávamos vivendo no Brasil não era um fenômeno exclusivamente verde-amarelo, mas fazia parte de um processo que estava acontecendo em escala mundial. Era possível encontrar traços homogêneos entre o que acontecia no Brasil, nos Estados Unidos, na Hungria, na Itália e em outros países. Não havia, propriamente, uma especificidade brasileira. Ao consolidar esse tipo de convicção e entendimento, prestava-se um serviço para afastar uma certa folclorização por termos como presidente uma personalidade aberrante com traços psicóticos, uma espécie de serial killer da democracia, da cultura e de valores básicos que nos são caros. Isso respondia, na verdade, a fenômenos como, por exemplo, a forma como se organiza hoje o capital financeiro e a reestruturação de seu poder em escala mundial.
Clichês rápidos não funcionam para entender essa realidade. Olhares atentos e mentes abertas são uma pré-condição para a compreensão desses processos. Neste momento em que estamos conversando há sinais muito mais positivos e indicadores de uma nova onda. O bolsonarismo está exercendo o comando do país do modo que já conhecemos, com picos de boçalidade impune, no momento em que vemos se erguer uma nova onda na região. Em um de seus últimos livros, Emir Sader fala que tivemos uma década de governos democráticos e populares, de 2000 a 2010, seguida por uma década de reação conservadora que deslocou ou derrubou esses governos. E agora parece que temos uma nova onda.


“O que está acontecendo no Chile é mais magnífico do que parece”. Foto: Reprodução/Youtube

Sul21: Quais seriam exatamente os indicadores dessa nova onda?
Flavio Koutzii: O que está acontecendo no Chile, por exemplo, é mais magnífico do que parece. Se houvesse lá a radioatividade tóxica que a direita conseguiu disseminar no Brasil, não estaria acontecendo o que estamos vendo. Essa nova onda se distingue por manifestações populares em diferentes países, como no Chile, e resultados eleitorais como os que tivemos agora na Argentina, na Bolívia e também no Uruguai, onde há uma disputa em aberto. É uma situação muito diferente daquela de um ano atrás, quando Bolsonaro se elegeu, e também da conjuntura que antecedeu a sua vitória.
Estamos reconstruindo tecidos políticos e tessituras culturais históricas na América Latina. A vitória na Argentina, que me é tão cara, tem uma tessitura peronista. Não é só isso, mas temos aí um pedaço da história argentina que permanece presente. No Brasil, eles querem apagar o Lula da memória do povo brasileiro. O editorial de ontem (31/10) do jornal Zero Hora critica o que chama de “destempero” de Bolsonaro e os ataques contra a Globo e, lá pelas tantas, mais no final, diz que isso faz recordar os governos que o antecederam, numa alusão clara aos governos do PT, especialmente do Lula. Essa frase me parece exemplar. Se eu disser que o editorial é intelectualmente desonesto e historicamente falso, eles vão dizer: ‘Olha aí, o Flavio está confirmando o que estamos dizendo. Ele é quase um Bolsonaro’. Essa postura é de uma canalhice absoluta, porque não é verdade o que está dizendo.
O fato de o campo de esquerda e progressista ter uma percepção analítica crítica sobre o papel da grande imprensa brasileira expressa uma opinião política. Considerando o que Bolsonaro vem fazendo em relação à imprensa, não aconteceu nada parecido em nenhum dos governos do período pós-ditadura. Mas vemos se repetir na imprensa essa analogia totalizante entre Bolsonaro e Lula. Isso mostra que a imprensa, mesmo defendendo valores democráticos, parece estar organizada para seguir sempre batendo em Lula por meio dessa analogia. E isso é falso. Lula pode ter feito algum discurso com veemência, mas jamais perdeu as estribeiras. Suponho que seja possível ainda fazer um discurso com veemência…O que eu quero dizer, para além da minha indignação, é que eles não descuidam. O capital disputa todos os campos, o tempo todo. É o agro que é pop, é a Febraban contratando o Pedro Bial como porta voz e dando conselhos para o cidadão não se endividar demais.
Sul21: A reação contra as declarações de Eduardo Bolsonaro incluiu manifestações de políticos como Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, que integram o campo à direita no espectro político brasileiro. Praticamente todo o campo de centro e centro-direita repudiou as declarações. Isso indica, na tua avaliação, que Bolsonaro não teria base política para dar um passo como o sugerido pelo filho? Que apoio ele poderia ter para fazer algo como uma reedição do AI-5?
Flavio Koutzii: Eu tenho minhas dúvidas. Bolsonaro não é o Guedes, que garantiu o que eles queriam e promete entregar mais alguma coisa ainda para terminar de destruir o Estado. Então, eles têm um integrante do governo que lhes convém. O sistema financeiro não está interessado em esculhambar mais a situação política e social no país porque isso pode prejudicar os negócios, ainda mais agora que estamos em cima do Natal. Eles mexeram em coisas que, no longo prazo, vão diminuir a capacidade da população de consumir, para usar a linguagem deles. Quanto mais instável ficar, pior será, pois não há o mais remoto sinal de recuperação da economia, o que é um dado essencial dessa conjuntura.
Se não há recuperação da economia no horizonte, qual é o negócio? Pelo lado civil eles têm o Guedes e sua agenda. Ele está aí para liquidar o Estado. E eles têm também uma base social. Se o governo sinalizasse hoje que é preciso “salvar o país”, a sua base social escutaria esse comando. Está plenamente confirmado que Bolsonaro tem um pouco menos de um terço do eleitorado e que uma parte desse terço é fundamentalista. Todo mundo tem experiências empíricas para contar sobre isso. As pessoas têm orgulho da sua burrice, estão satisfeitas com sua ignorância. A regressão civilizatória se mede por isso também. Esse é o significado do “sair do armário”. As pessoas não têm mais problema para defender abertamente coisas como a tortura, por exemplo.


“A cúpula das Forças Armadas é uma cúpula de traição ao país”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Há milhares de pessoas, milhões talvez, que passaram a ficar quietas e devem ter algum dilema pessoal sobre o voto que deram. Mas ele segue tendo uma base fiel e poderá contar com ela, até de modo repotencializado, dependendo da dramaticidade dos fatos e da convocatória. Assim como tivemos um longo ciclo lulista, que já faz parte da história brasileira, acho que estamos diante de um pequeno ou médio ciclo bolsonarista. Não se trata meramente de um episódio eleitoral. Se eu não estiver enganado, essas pessoas estão disponíveis para apelos salvacionistas.
E ainda devemos considerar o papel do Exército, cuja cúpula está enterrada até o pescoço neste governo. Os seus reflexos não são apenas os reflexos homogêneos que tínhamos, por exemplo, na época da Lei de Segurança Nacional. Estamos lidando com outra coisa. Não se trata mais de nacionalismo. A cúpula das Forças Armadas é uma cúpula de traição ao país, o que é a pior coisa que pode se dizer a um militar. Pois ele já rifaram o Brasil que virou um mercado de 1,99. Levaram toda a rede de distribuição de petróleo, que é o filé desse negócio. Não é a extração, que é caríssima, mas a distribuição. O pré-sal está indo embora e a lista de alienação do patrimônio brasileiro é enorme. E os militares não dão um pio, sendo, portanto, absolutamente coniventes com isso.
Então, o estado das artes com o Exército e o fato de que ele tem uma base de massas irredutível indicam que o perigo de uma aceleração autoritária existe e é real. Por outro lado, não acho que isso seja interessante para o sistema financeiro. No passado falava-se muito do custo país, um jargão da direita econômico-financeira. Gostaria de saber quando é que eles vão começar a falar do custo Bolsonaro. Só o que ele está fazendo em termos de diplomacia internacional já sinaliza que esse custo existe e não é pequeno. Várias vezes ele teve que voltar atrás porque alguém explicou para ele que o país estava correndo o risco de perder determinados mercados. Os recentes ataques que ele fez a Argentina são um exemplo disso. Cada vez que Bolsonaro aparece em uma cena pública internacional, ou está comendo um Miojo, ou está cometendo uma estupidez do ponto de vista dos interesses econômicos e diplomáticos do Brasil ou está num canto, solitário e desprezado.
Voltando ao ponto principal, penso que o bolsonarismo é uma experiência que ficará arraigada na consciência e na sensibilidade política de um pedaço do povo brasileiro por um tempo que não será breve. Esse pedaço não passa de um terço, mas um terço já é muita gente. Além disso, há outros movimentos em curso, que são mais silenciosos e simpáticos, como a hipótese crescente da candidatura do Luciano Huck, um rapaz simpático que, de vez em quando, distribui uma casa em seu programa de TV. Os valores próprios das ideias políticas, não precisa ser as nossas, estão fora desse tipo de movimento. Luciano Huck é uma metáfora ambulante da destruição do país. Já Moro é a possibilidade de “recambio” mesmo, conforme indicam várias pesquisas consideradas sérias, embora sua imagem já esteja também sofrendo uma certa erosão. Moro é a grande carta que eles têm, muito antes de acelerar um golpe ou algo do tipo.


“A vitória na Argentina é a vitória das vitórias”. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Sul21: Parece haver uma relação entre essa escalada de ameaças autoritárias e os novos ventos políticos que começam a soprar na região. É isso mesmo?
Flavio Koutzii: O encontro entre os surtos autoritários do governo Bolsonaro e a nova onda política e social na América Latina, representada pelas vitórias eleitorais na Argentina e na Bolívia e pela rebelião popular no Chile, indica que o que está em curso nesta etapa é a disputa por um cenário maior. Estamos sendo contemporâneos dos primeiros e valiosíssimos sinais de uma nova virada política na América Latina. Bolsonaro e os seus estão atuando como se tivessem ganho um espaço eterno e sem limites. Mas a minha intuição é que isso está passando do ponto. O Brasil deixou de viver uma democracia porque acabou o estado de direito e a possibilidade de a sociedade escolher livremente seu governante.
Neste sentido, a vitória na Argentina é a vitória das vitórias. Os mecanismos de difusão de fake news, que vimos aqui, foram para lá. A centralidade do tema da corrupção contra os Kirchner também existiu. Mas eles ganharam a eleição no primeiro turno. Estamos assistindo, de certa maneira, a uma revalorização da política, a uma volta da política, o que ficou expresso no movimento genial feito pela Cristina de se colocar como vice e também nas falas milimétricas, prudentes e precisas dela e de Alberto Fernández no domingo à noite, após a confirmação da vitória. Na Bolívia e no Chile também estamos vendo uma revalorização da política. Nada mais político do que o sentido das mobilizações no Chile que começam pelo tema da passagem, mas se ampliam rapidamente para o conjunto das políticas de um governo neoliberal raiz.
No centro do desenlace de todos esses processos está a política em seu sentido social e não o perigo do Satanás levantado por igrejas pentecostais e outras organizações desse tipo. O que temos, portanto, é um quadro muito interessante do ponto de vista do resgate da política e de valores que foram destruídos no Brasil. Há uma nova combinação de circunstâncias e forças. Eu tenho estado bastante cético a respeito dos cenários de futuro, pois perdemos muito e tivemos uma grande regressão no código de valores. Não estou falando de valores da esquerda, mas de valores cristãos mesmo. Há reverberações de valores elementares, como o da solidariedade, que esses recentes episódios latino-americanos estão mostrando. Enquanto eles maximalizam sua boçalidade, emergem no grande espaço latino-americano valores, memórias e vitórias que combatem uma espécie de fatalidade que paira sobre nós. A balança mudou na America Latina e isso não é pouca coisa.
*Via Sul21

QUATRO DE NOVEMBRO


Ao  comandante Carlos Marighella, assassinado em 4 de novembro de 1969.  


Teu nome nos olhos famintos dos filhos
do povo.

Teu nome como a bandeira ferida
dos saqueados.
Teu nome murmurado à mesa
dos oprimidos.
Teu nome exilado dos dicionários
da sombra.
Teu nome sangrando a neutra superfície
do muro.
Teu nome gravado na mão esquerda
de teus filhos.
Teu nome recomposto no fogo martelado
dos fuzis.
                               Pedro Tierra - 1974
*Extraído do livro Poemas do Povo da Noite – Ed. Fundação Perseu Abramo/Publisher Brasil, S. Paulo 2009.

03 novembro 2019

BOLSONARO PODE NÃO TER RELAÇÃO COM A MORTE DE MARIELLE, MAS TEM TUDO A VER COM OS SUSPEITOS

Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro confraternizam com Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro há mais de 30 anos. (Foto: Reprodução)


AS INVESTIGAÇÕES do assassinato de Marielle Franco estão contaminadas desde o início. Polícia Civil e Ministério Público do Rio de Janeiro, que deveriam estar atuando em conjunto, não param de bater cabeça, trazendo mais dúvidas do que respostas. Um ano e meio se passou e ainda não se sabe quem são os mandantes do crime. A única certeza até aqui é a de que há gente envolvida na investigação tentando boicotá-la para proteger assassinos e cúmplices.
Logo após o atentado, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge tentou federalizar a investigação do caso, mas recuou após o MP-RJ questionar formalmente a sua interferência  junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O caso se manteve no Rio cercado por fraudes e falhas inexplicáveis, como o sumiço das imagens que possibilitariam identificar os assassinos. No último dia do seu mandato, Dodge tentou novamente federalizar o caso junto ao Superior Tribunal de Justiça. O El País obteve acesso ao pedido em que a procuradora afirma que há no Rio uma “relação de promiscuidade” entre as polícias e os milicianos, o que impede que se chegue aos mandantes do crime. “Tal contaminação, além de gerar óbvia ineficiência (…) indica que existirão com absoluta certeza atividades deletérias [prejudiciais] feitas por criminosos infiltrados na Polícia”.
Depois que o nome do presidente da República surgiu na investigação, a coisa degringolou de vez. Em depoimento à Polícia Civil, um porteiro do condomínio onde o presidente mora no Rio de Janeiro afirmou que foi Jair Bolsonaro quem autorizou, horas antes do crime, a entrada de Élcio Queiroz, um dos milicianos suspeitos do assassinato de Marielle. Ele se encontraria com Ronnie Lessa, o outro suspeito, que também morava naquele condomínio. A informação foi vazada ilegalmente para o Jornal Nacional, que publicou na terça-feira e fez o bolsonarismo entrar em parafuso.
O JN apontou uma contradição no depoimento do porteiro: Bolsonaro estava em Brasília e não poderia ter autorizado a entrada. O jornalista Luis Nassif, porém, apurou que a comunicação da portaria com os moradores é feita por celular ou telefone fixo. Desse modo, Jair Bolsonaro poderia ter autorizado a entrada de Élcio mesmo estando em Brasília. Essa informação até agora não foi confirmada nem contestada por ninguém. 

Depois da publicação da bomba, o presidente apareceu em uma live alucinada no Facebook negando tudo e dizendo que não irá renovar a concessão da Globo. Confirmou saber do surgimento do seu nome no caso desde o dia 9 de outubro, quando foi informado pelo governador Witzel, que teria cometido um crime ao repassar informação de um processo sigiloso. Aos berros, com palavrões e xingamentos, Bolsonaro se disse perseguido pela Globo. Tentava-se criar a narrativa de que o porteiro foi forçado a mentir para prejudicar o presidente.
No dia seguinte, o Brasil acompanhou pelo Twitter o trabalho do perito Carluxo, que gravou dois vídeos mostrando áudios do sistema de comunicação da portaria que provariam que o porteiro mentiu. Essa seria só mais uma nova bizarrice envolvendo a investigação, mas muitas outras ainda estariam por vir.
Promotoras do MP-RJ, então, correram para confirmar em entrevista coletiva a narrativa bolsonarista que o porteiro mentiu, o que é estranho, já que o próprio MP chegou a consultar a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal sobre o caso devido ao foro privilegiado do presidente. Uma consulta que foi feita sem o juiz do caso saber, o que é nada menos do que escandaloso. Alguém consultaria a corte suprema do país com base apenas em um depoimento suspeito contra o presidente da República? Não faz sentido.
O MP-RJ, depois de meses sem fazer nenhuma perícia no sistema de gravação do condomínio, correu para apresentar uma que confirmou a mentira do porteiro. Acontece que essa perícia no sistema de comunicação   o mesmo que havia sido “periciado” por Carluxo anteriormente  não avaliou se houve adulteração na integridade do arquivo. Pior: os peritos receberam os arquivos, mas não tiveram acesso ao computador em que foram gravados. Neste sábado, 2 de novembro, o presidente confessou ter obstruído a justiça ao afirmar que pegou a gravação das ligações da portaria para que não fossem adulteradas. Ou seja, um dos citados em um inquérito criminal teve acesso a uma prova antes dos peritos, que, depois, não verificaram se houve adulteração. A perícia é uma farsa criada para validar a narrativa bolsonarista.(...)
CLIQUE AQUI para continuar lendo a postagem assinada pelo jornalista João Filho (via site The Intercept Brasil).

02 novembro 2019

Prisão imediata após 2ª instância prejudica os mais pobres, aponta Defensoria de SP

Trânsito em julgado significa o esgotamento de todos os recursos; só nessas condições, a Constituição permite condenar

Prisão em 2ª instância traz consequências danosas para a população pobre brasileira, apontam dados da Defensoria de SP / Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Em 2018, 62% dos habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo tiveram decisões favoráveis nos tribunais superiores. Isso significa que uma quantidade considerável de pessoas presas antes do trânsito em julgado tiveram liberdade decretada ou penas reduzidas após recursos. 
Divulgado na última semana pelo órgão, que é responsável por prestar assistência jurídica gratuitamente a pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social, o dado coloca em xeque o discurso de que, caso seja revista, a execução da prisão em 2ª instância beneficiaria “o colarinho branco” – crimes financeiros e de corrupção executados por empresas e políticos. 
O argumento foi utilizado pelo ministro Roberto Barroso durante votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade da prisão imediata. Com o placar apertado – quatro votos a favor (Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux) e três contra (Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski) –, o julgamento será retomado na próxima semana, dia 6 de novembro. 
Para Mateus Moro, um dos coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária (NESC) da Defensoria Pública de São Paulo, o índice de 62% de decisões favoráveis no Superior Tribunal de Justiça (STJ) evidencia que a prisão antes do trânsito em julgado prejudica a população pobre do país.
“Quando o ministro Barroso coloca que o que está em jogo não são pessoas pobres, isso não é verdade. A grande massa presa em primeira instância é a grande massa presa em segunda instância. São pessoas jovens, em sua maioria negras e em sua maioria sem escolaridade, pobres ou miseráveis. Temos que colocar os 'pingos nos is' porque a população não tem conhecimento sobre o que está sendo colocado”, afirma Moro. 
Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2016, a população prisional brasileira ultrapassa as 726 mil pessoas. Desses, 64% encarcerados são negros e 55% têm de 18 a 29 anos.  
“Em 16 anos, a população carcerária feminina cresceu quase 500%. E quais mulheres são presas? Não são grandes empresárias, senadoras da República. A grande maioria são mulas do tráfico. Pode-se ter discordâncias política e até mesmo morais, mas a questão tem que ser julgada juridicamente, e a Constituição Federal é óbvia. Não é possível trabalhar com dados inverídicos, se não é a manifestação de um voto ilegítimo”, critica o coordenador do NESC.
O defensor público reforça que, por meio dos recursos, há a diminuição de pena e em alguns casos até mesmo a absolvição, o que significa que a pessoa ficou presa ilegalmente ou teve uma sentença abusiva e o direito à ampla defesa negado. “Ninguém vai restituir um, cem ou mil dias que a pessoa ficou presa injustamente. Tem que se aplicar a legislação que está em vigor”.
De acordo com dados do STJ, a Defensoria Pública de SP ocupa a 6ª posição entre maiores litigantes da Corte e o 1º lugar entre as Defensorias. Foram 52,5 mil demandas impetradas pela Defensoria paulista entre outubro de 2014 a setembro de 2019. 
Justiça sem lei
Um estudo realizado em 2015 pela Associação Brasileira de Jurimetria com apoio do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) revelou ainda que as chances de um recurso ser aceito pelo Judiciário paulista aumentam consideravelmente de acordo com a câmara criminal e com os desembargadores que vão julgá-lo. 
A taxa de rejeição de recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) varia de 16% a 81% entre as Câmaras criminais. A discrepância evidencia, portanto, que a decisão sobre o andamento dos processos depende do entendimento de cada juiz. “É o direito como loteria. O juiz decide e não importa o que diz a legislação”, comenta Moro. 
Prisões indevidas, danos irreparáveis
Em tabloide especial sobre a presunção de inocência produzido em agosto do ano passado, o Brasil de Fato levantou dados das defensorias públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro que já apresentavam a insegurança jurídica da prisão imediata após segunda instância.
Em 2017, 44% das decisões recorridas pela Defensoria Pública foram modificadas positivamente, com redução de pena ou absolvição dos acusados pelo STJ. Conforme informações da Defensoria Pública fluminense, 49% dos habeas corpus apresentados às instâncias superiores atenuaram, quantitativa ou qualitativamente, a pena imposta por instâncias inferiores.
Casos disponibilizados pelas Defensorias exemplificam as consequências danosas da aplicação da execução da prisão em 2ª instância. Um deles é o de Marcus Vinicius, condenado em primeira instância no Rio de Janeiro por tráfico de drogas privilegiado (quando o réu não tem antecedentes e não integra uma organização criminosa, o que são causas para diminuição de pena) a um ano e oito meses de prisão, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade. 
Contudo, ao aceitar apelação do Ministério Público, o Tribunal de Justiça cassou em 2ª instância a substituição da pena e a aumentou para quatro anos e dois meses, em regime fechado. Somente com o recurso especial, julgado dois anos depois, o STJ restabeleceu a pena original em regime aberto.
Se a decisão de segunda instância fosse executada de imediato, Marcus Vinicius teria cumprido, indevidamente, a pena em regime fechado, com meses excedentes de privação de liberdade, que nunca lhe seriam restituídos.
Já em São Paulo, em 2010, o jardineiro Felipe Eduardo e o servente de pedreiro Jorge Carlos, ambos negros, foram condenados em segunda instância a oito anos de reclusão, em regime fechado, por tráfico de drogas e associação ao tráfico. Sete anos depois, o STJ os absolveu. Caso a pena fosse cumprida após decisão do TJ-SP, os dois trabalhadores teriam cumprido a pena de maneira ilegal. A pedido das Defensorias Públicas, os sobrenomes dos envolvidos foram suprimidos.
*Por Lu Sudré  Edição: Daniel Giovanaz

01 novembro 2019

Aliança da esquerda com o centro pode cassar Eduardo Bolsonaro

A batalha política pela cassação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) já iniciada com o pedido apresentado pela oposição na quinta-feira (31) depois que o filho do ocupante do Planalto defendeu a volta da ditadura com a edição de um "novo AI-5" porá à prova a força política de uma frente ampla democrática em confronto com o clã Bolsonaro e a extrema-direita que o apoia
Deputados Rodrigo Maia (DEM) e Eduardo Bolsonaro (PSL)
Deputados Rodrigo Maia (DEM) e Eduardo Bolsonaro (PSL) (Foto: Agência Câmara)

247* - A declaração do deputado Eduardo Bolsonaro em favor da edição de um "novo AI-5" como ameaça às forças democráticas e progressistas do país abre a possibilidade de uma luta política direta entre o clã de extrema-direita reunido em torno de Jair Bolsonaro e amplas forças políticas. No centro do embate estará o pedido de cassação do deputado. 
A possibilidade de punição foi levantada pelo próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Reportagem dos jornalistas Danielle Brant, Thiago Resende e Daniel Carvalho na Folha de S.Paulo destaca que o pedido da oposição para que o deputado federal Eduardo Bolsonaro seja cassado na Câmara servirá de teste para a força política do clã e dependerá de apoio dos partidos de centro que fazem parte do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Casa.  
O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) levantou a possibilidade de punição ao deputado logo após suas ameaças de imposição de um "novo AI-5" no país. "A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras", disse Maia em nota.  
A oposição vai em busca de apoio para a cassação, que dependerá inicialmente de apoio de partidos de centro no Conselho de Ética.   
Dos 21 assentos, os partidos que se declaram contrários ao governo ocupam apenas 6 cadeiras. O PSL, legenda de Eduardo, tem 2 membros, indica a reportagem.  
"A questão é política. Vamos ver como é que o centrão vai reagir a isso", afirmou Ivan Valente (PSOL-SP), líder do partido na Câmara.  
Contrariamente ao que disse Eduardo Bolsonaro ao invocar a imunidade parlamentar no vídeo em que tentou consertar o teor da sua declaração, as regras da Câmara permitem abrir uma investigação contra parlamentares por causa de declarações que se enquadrem como quebra de decoro.   
A luta política na Câmara decidirá se o processo avançará ou não, num rito que se afigura complexo até chegar ao plenário, que é a instância decisória.