03 outubro 2020

ENTREVISTA: ‘A LIBELU MOSTRA A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NA LUTA POLÍTICA’, DIZ CINEASTA DIÓGENES MUNIZ

Diretor de documentário sobre movimento Liberdade e Luta, que abrigou expoentes da política, analisa a esquerda ontem e hoje



Por Tatiana Dias, no The Intercept Brasil*

QUANDO O CINEASTA Diógenes Muniz começou a pesquisa para o documentário “Libelu – abaixo a ditadura”, Dilma Rousseff ainda não tinha caído. Lula não havia sido preso. Ainda que polarizados e imersos na crise política incendiada pela Lava Jato, ainda estávamos muito longe do cenário sombrio que viria a eleger Jair Bolsonaro. Enquanto mergulhava em entrevistas com ex-militantes de esquerda e arquivos sobre a resistência à ditadura, Muniz via o caminho contrário acontecer do lado de fora: a meteórica ascensão da extrema direita rapidamente começou a corroer as conquistas democráticas daquela geração que ele estava investigando.

A ideia de documentar a Libelu (como ficou conhecido o movimento trotskista Liberdade e Luta) começou, Muniz conta, por curiosidade. Muitos membros do movimento, surgido dentro da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a ECA, se tornaram jornalistas e professores de jornalismo conhecidos, como Eugênio Bucci, José Arbex Jr e Laura Capriglione. Mas foi quando cruzou com a onda violenta de protestos estudantis de 1977 que ele, atravessado pela experiência de junho de 2013, resolveu pesquisar o assunto.

A Libelu era diferente das outras correntes de esquerda: mais artística, libertária e irreverente. Também era considerada menos séria – o próprio nome veio do tom pejorativo como membros de outras correntes de esquerda se referiam aos “libelus”. Mas o movimento venceu as eleições para o DCE, o Diretório Central de Estudantes da USP, se expandiu pelo interior de São Paulo e pelo país; chegou à capa da IstoÉ, revista relevante na época (que o simbolizou com dois bottons, um de Caetano e outro de Trótski); e foi citado pela poeta Ana Cristina César. Foi até tema de um poema de Paulo Leminski: “Me enterrem com os trotskistas/na cova comum dos idealistas/onde jazem aqueles/que o poder não corrompeu”.

No filme, a história da Libelu é narrada por vários ex-membros, entrecortada por preciosas imagens de arquivos. Uma delas é o curta-metragem “O Apito na Panela de Pressão”, registro dos próprios estudantes dos violentos protestos de 1977. E o outro é uma entrevista de Mino Carta na TV Tupi com dois estudantes da Libelu que o diretor conseguiu na Cinemateca Brasileira, pouco antes do órgão ser desmontado pelo governo Bolsonaro. No programa, em uma cena emblemática do documentário, Carta pergunta aos dois militantes: “vocês se consideram burgueses?”. Eles negam veementemente. (...) 

“Quando pergunto se eles acreditam na revolução ou se sentem que o sistema os engoliu após a experiência na militância, não espero que haja uma resposta certa”, diz o diretor do documentário. Segundo ele, o que mais fascinou a equipe – que fez questão de se mostrar trabalhando nas imagens para evidenciar o choque de gerações – foi como cada um formula a questão política para si mesmo. “São balanços da própria vida e da sua relação com aquele mundo que você gostaria de transformar. Mesmo os que seguem na militância 40 anos depois precisam passar por isso”, diz.

Enquanto o filme ia tomando forma, o regime de extrema direita de Bolsonaro também se consolidava – com direito a marchas pedindo a volta do AI-5. “Cada um segue sua própria elaboração. Há incredulidade, raiva, cansaço, mas também há quem defenda e trabalhe na construção de uma alternativa ao capitalismo”, diz o diretor. Para ele, um dos maiores méritos da Libelu foi ter conseguido retomar a palavra de ordem “abaixo a ditadura”, proferida pelo ex-líder Josimar Melo, hoje crítico gastronômico da Folha. “Eles souberam ler o momento e sintetizar em palavras”, diz Muniz. (...)

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