Com candidatura de esquerda pelo partido Morena, Sheinbaum deve aprofundar combate às desigualdades iniciado por Obrador
A cientista Claudia Sheinbaum, de 61 anos, será a primeira mulher a se tornar presidenta do México, indica a contagem preliminar oficial dos votos realizada pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE). Com quase 70% das urnas apuradas às 7h (horário de Brasília) desta segunda-feira (3), a candidata governista aparece 30 pontos à frente de sua adversária, Xóchitl Gálvez, senadora e empresária de centro-direita e de raízes indígenas.
Momentos depois da divulgação dos primeiros resultados, Sheinbaum falou a apoiadores reunidos na Cidade do México e destacou o simbolismo de ser a primeira mulher eleita para o Executivo em 200 anos de independência. Enquanto o auditório explodia em aplausos e gritos de “presidenta, presidenta!”, ela acrescentou: "Como já disse em outras ocasiões,não chego sozinha, todos nós chegamos. Com nossas heroínas que nos deram nossa pátria, com nossos ancestrais, nossas mães, nossas filhas e nossas netas”.
A presidenta eleita ainda afirmou que seu governo quer "um México plural, diverso e democrático". "Sabemos que a divergência faz parte da democracia e, embora a maioria das pessoas apoie nosso projeto, nosso dever é e sempre será cuidar de todos os mexicanos, sem distinção. Portanto, mesmo que muitos mexicanos não concordem totalmente com nosso projeto, caminharemos em paz e harmonia".
Além da Presidência, das oito eleições provinciais, o partido governista do atual presidente Andrés Manuel López Obrador conseguiu vencer novamente nas cinco que já governava e em duas que eram governadas pela oposição: Yucatán e Jalisco.
Além disso, embora a contagem final ainda demore dias para ser totalmente concluída, o Morena poderia obter uma maioria qualificada no Legislativo. Dessa forma, o governo de Sheinbaum poderia aprovar reformas constitucionais propostas.
Quem é Cláudia Sheinbaum?
Com 61 anos, a presidenta eleita do México iniciou na sua militância estudantil nos anos 1980, e teve seu primeiro cargo público como secretária do Meio Ambiente da Cidade do México (2000-2006).
Sheinbaum fez um doutorado em engenharia ambiental na Universidade Nacional do México (Unam), para o qual pesquisou durante quatro anos nos Estados Unidos, e fez parte do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU (IPCC) que ganhou um Prêmio Nobel da Paz em 2007.
Suas convicções de esquerda que a tornaram militante do Conselho Estudantil Universitário (CEU), coletivo que freou uma tentativa de privatização da universidade pública e foi terreno fértil para nomes do atual governo de Andrés Manuel López Obrador, seu padrinho político.
"Dra. Claudia Sheinbaum será a primeira mulher presidente não apenas do México, mas dos três países da América do Norte. Esse me parece um dado bastante relevante e algo que me parece muito interessante é que em geral a população a reconhece plenamente por suas habilidades e pelos resultados que obteve como chefe de governo, mas também por uma vida inteira e uma história de congruência e dedicação à causa", disse antes do pleito ao Brasil de Fato Eder Guevara, militante fundador do partido Morena e colaborador do Instituto Nacional de Formação Política (INFP) do partido.
"Os dois vêm de uma luta que construíram juntos e que busca ampliar direitos sociais e das pessoas no nosso país, atender quem historicamente ficou para trás. E um ponto adicional: acabar ou diminuir as desigualdades do nosso país. Essa seria a grande ligação do projeto de ambos", disse ao Brasil de Fato Entrevista Tatiana Clouthier, ex-ministra da Economia do governo Obrador entre 2020 e 2022 e porta-voz da campanha de Sheinbaum.
"É uma mulher que vem lutando desde muito jovem, quando era uma estudante de ensino médio. Buscou que seus companheiros e companheiras tivessem acesso à educação gratuita, como ela teve, porque não havia vagas no sistema educativo e aí ela começa uma luta neste sentido", ressalta Clouthier.
Como prefeita de um distrito da Cidade do México, enfrentou o desmoronamento de um colégio durante o terremoto de 2017 que matou 26 pessoas, incluindo 19 crianças.
Metodicamente, insistiu que as irregularidades encontradas na construção não eram culpa da prefeitura. Também gerenciou com destreza um dos momentos mais difíceis como prefeita da capital (2018-2023): a pandemia e a queda de uma linha do metrô.
O uso de métodos científicos e ferramentas tecnológicas refletiu a marca de Sheibaum na gestão da covid, que, no entanto, deixou uma elevada mortalidade.
Após o colapso de uma linha de metrô que deixou 27 mortos e 80 feridos em 2021, defendeu sua equipe e optou por uma polêmica negociação com a construtora da obra - propriedade do magnata Carlos Slim - para indenizar as vítimas e evitar julgamentos.
Liderança feminina
Durante a campanha, uma câmera a flagrou reclamando com raiva do tratamento injusto do partido enquanto ela disputava a candidatura presidencial com o ex-ministro das Relações Exteriores Marcelo Ebrard, cujos ataques também não conseguiram exasperá-la. Sheinbaum concorreu com cinco homens nas internas do partido Morena e foi escolhida pela militância do partido para suceder López Obrador.
"O ex-chanceler do México ficou em segundo lugar, mas bem atrás da doutora. Também participou Gerardo Fernández Noroña, outro líder de esquerda. Ele estava tão confortável no México que, quando renunciou, era Secretário do Interior, renunciou para assumir essa pré-candidatura. Havia outros dois candidatos de partidos aliados, e perderam por uma margem muito grande para a doutora", aponta Guevara sobre as internas do Morena que chancelaram o nome de Sheibaum para a disputa presidencial.
Chamada de "dama de gelo" por sua principal adversária, Sheibaum nunca olhou ou chamou a centro-direitista Xóchitl Gálvez pelo nome durante três debates nos quais Gálvez a atacou duramente. A campanha também revelou uma Sheinbaum afetuosa e sorridente, formas que ela geralmente reserva para as pessoas mais próximas. Ela distribuiu beijos e abraços entre milhares de apoiadores e colocou graça e humor nos vídeos do TikTok.
Ela é atenciosa com as mulheres de sua equipe de campanha e apoia a liderança horizontal. “Apesar de ser uma cientista, ela é uma lutadora social, o que faz uma combinação muito boa de mente e coração”, diz Clouthier.
Desafios
O México vive uma espiral de violência desde o início de uma ofensiva militar em 2006 contra os cartéis, que obtêm lucros milionários com o tráfico de drogas sintéticas para os Estados Unidos, onde se abastecem com armas. Desde então, o país acumulou mais de 450 mil homicídios e mais de 100 mil desaparecimentos, segundo dados oficiais. A violência de gênero também afeta o país: os números do governo registraram 852 feminicídios no ano passado.
Eder Guevara aponta que o governo Andrés Manuel López Obrador fez grandes progressos na pacificação do país. "Os homicídios intencionais foram reduzidos em 40%, o feminicídio em mais de 45% e os crimes de alto impacto, como extorsão e sequestro, foram reduzidos em mais de 70 a 80%. Portanto, Andrés Manuel fez progressos na pacificação do país, mas ainda há muitas células com muito poder armado com muitas armas dentro das comunidades, que ainda é muito difícil erradicar."
Tatiana Clouhtier aponta que a proposta de governo de Sheinbaum na área da segurança é aprofundar a política inciada por Obrador, dando maior poder de investigação para a polícia.
"Ela modificou a lei estadual e quer ampliar para todo o país. Por outro lado, também coloca a questão de ter uma Polícia Federal, vinculada à Presidência, que atue em estradas, algo que hoje é uma lacuna, não existe da maneira que a doutora propõe. E temos a questão da reforma do Poder Judiciário, da qual o presidente López Obrador já falou. Dentro do Poder Judiciário, haveria um órgão responsável pelo funcionamento interno para que problemas de corrupção sejam identificados e não negligenciados como estão hoje."
*Colaborou Gabriel Vera Lopes, enviado especial à Cidade do México
**Edição: Leandro Melito - Fonte: BrasildeFato
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