24 setembro 2009
Golpe em Honduras (II)
Honduras: o começo do fim?
*Por Atilio A. Boron
Zelaya já está em Tegucigalpa e seu ingresso em Honduras, burlando as ‘medidas de segurança’ tomadas ao longo da fronteira, deveria marcar o começo do fim do regime golpista. São várias as razões que fundamentam esta esperança, que, sucintamente, são expostas a seguir.
Primeiro, porque os ‘gorilas’ hondurenhos, bem como seus instigadores e protetores nos Estados Unidos (principalmente no Comando Sul e no Departamento de Estado), subestimaram a massividade, intensidade e perseverança da resistência popular que, dia após dia, sem trégua, manifestou sua oposição ao golpe de Estado. Na verdade, ninguém esperava tamanha resistência, se nos ativermos à história recente de Honduras. Mas o novo rumo tomado por Zelaya – sua resposta positiva diante das significativas manifestações populares e a reorientação de sua inserção internacional nos marcos da ALBA – teve um efeito pedagógico impressionante, e desencadearam uma reação popular inesperada.
Segundo: o regime golpista demonstrou ser incapaz de romper um isolamento duplo. Internamente, evidenciando que sua base social de sustentação se reduz à oligarquia e alguns grupos subordinados à sua hegemonia, incluindo os meios de comunicação, dominados sem contestação pelo poder do capital.
Ademais, o passar do tempo, ao invés de debilitar a resistência popular, reduziu ainda mais o apoio ao regime. No âmbito internacional, o isolamento de Micheletti e seu bando é quase absoluto. Salvo pouquíssimas exceções, toda a América Latina e o Caribe retiraram seus embaixadores, e o mesmo fizeram diversos países europeus.
A mesma OEA adotou uma linha dura contra o regime e, aos poucos, os Estados Unidos passaram a ser o único apoio externo com que contava o regime. Este, no entanto, seguiu uma trajetória de maneira cada vez mais nítida: começou com a negação de vistos ao corpo diplomático, chegando a medidas cada vez mais severas contra Micheletti e seus colaboradores.
Terceiro, porque as políticas ambíguas do governo dos Estados Unidos – produto das disputas internas à administração – que facilitaram a perpetração do golpe de Estado foram lentamente definindo-se em uma direção contrária aos interesses dos usurpadores.
Se o repúdio ao golpe, inicialmente manifestado por Obama, foi em seguida atenuado por sua antiga (e atual?) rival, a Secretária de Estado Hillary Clinton, o caráter inegavelmente retrógrado de Micheletti e dos que estão à sua volta e a sucessão interminável de insultos dirigidos a Obama toda vez que a Casa Branca expressava alguma crítica a Tegucigalpa, além de sua notória incapacidade de construir uma base social, foram lentamente inclinando o fiel da balança na direção contrária à das posturas patrocinadas pela Secretaria de Estado, criando uma atmosfera cada vez mais contrária em relação aos golpistas.
Quarto e último: o regime instaurado em 28 de junho é uma séria dor de cabeça para Obama. Primeiro porque contradiz de maneira enfática suas promessas de fundar uma nova relação entre os Estados Unidos e os demais países do hemisfério. O apoio inicial ao golpe, demonstrado na resistência obstinada de Washington em caracterizá-lo como "golpe de Estado", a moderação da resposta diplomática e a indiferença frente às gravíssimas acusações de violação dos direitos humanos cometidas por Tegucigalpa produziram sérios danos à imagem que Obama queria estabelecer na América Latina e no Caribe.
A continuidade do regime golpista faria Obama parecer um político irresponsável e demagogo e, pior ainda, como incapaz de controlar o que fazem e dizem seus subordinados no Pentágono, no Comando Sul e o Departamento de Estado. E isto tem a ver com outro assunto, extremamente importante e que supera os marcos da política hemisférica: sua credibilidade no âmbito internacional. Ao demonstrar sua impotência em controlar o que se passa em seu "próprio quintal", governos de outros países – em especial China, Rússia e Índia – têm razões para suspeitar que também não será capaz de controlar os setores mais belicistas e reacionários dos Estados Unidos, para quem suas promessas de estimular o multilateralismo equivalem a uma capitulação incondicional frente a seus odiados inimigos.
Isso é particularmente grave no momento que Obama negocia com a Rússia um novo acordo de redução do arsenal nuclear dos dois países, algo tão ou mais necessário para Washington que para Moscou, por conta da hemorragia econômica produzida pelas guerras no Iraque e no Afeganistão e do incontrolável déficit fiscal norte-americano. O fracasso deste acordo teria um custo enorme sobre o orçamento público, em um momento em que esse dinheiro é necessário para afugentar os riscos de um aprofundamento da crise econômica iniciada em 2008.
Mas para convencer os russos de que seus planos de redução armamentista são viáveis, Obama tem primeiro de demonstrar que tem controle da situação e que seus falcões dentro do Pentágono não o deixarão de mãos atadas. Cada dia que Micheletti permanece no poder equivale a um mês de conversas difíceis com Medvedev e Putin, convencendo-os de que suas promessas resultarão em feitos. Pois, se não consegue controlar seu próprio pessoal em Honduras, será Obama capaz de fazê-lo quando se tratar de uma questão estratégica, vital para a segurança nacional dos Estados Unidos?
*Atilio A. Boron é diretor do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia em Ciências Sociais, Buenos Aires, Argentina. (Traduzido por Rodrigo Mendes, jornalista do Correio da Cidadania, fonte deste artigo).
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Um comentário:
Mujito boa a análise. Só espero que se cumpra. tenho profundos receios do "poder" do dinheiro...
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