“A
sociedade não deixou de ser patriarcal depois da Revolução”, diz Mariela Castro
Por Rachel
Duarte*
Em
passagem por Porto Alegre/RS, a deputada cubana Mariela Castro, filha do
presidente Raúl Castro, conversou brevemente com jornalistas antes de palestrar
no 1º Seminário Internacional Relações de Vida – Educação e Saúde Sexual:
Experiências Brasil e Cuba, no Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Psicóloga e pedagoga, com mestrado em sexualidade, Mariela luta pelos direitos
da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) na ilha
de forte herança cultural de colonização espanhola. “Não basta uma revolução
socialista se não nos propusermos ao enfrentamento das diferentes formas de
discriminação arraigadas em nossa cultura, sobretudo àquelas herdadas da sociedade
hispano-machista e homofóbica”, define.
Ela
considera o processo pós–Revolução em Cuba uma transição para o socialismo. É
um processo que consiste numa conquista gradual e que demanda superar várias
discriminações específicas, como a homofobia. “A influência da Igreja Católica
impulsionou todos os dogmas de violência e discriminação na sociedade
colonizada. Com a Revolução, existiram outras formas de discriminação por conta
desta herança que tornou a cultura do patriarcado algo natural”, explica.
Para
romper com a cultura do preconceito de gênero em Cuba, Mariela Castro travou
uma luta pessoal com a família Castro. Enfrentou o regime do tio Fidel Castro,
que entre 1965 e 1968 elaborou as Unidades Militares de Ajuda (Umap), nas quais
os homossexuais eram integrados à força. Ela explica que, na verdade, o método
de recrutamento é que era o problema da época. “Existiam heterossexuais e
homossexuais nestes campos militares. Não eram campos de concentração como a
mídia distorce. A intenção foi aproveitar o serviço militar, que era
obrigatório, para também oferecer ao país trabalho na agricultura. Eles eram
aproveitados para produção de alimentos que o país necessitava para enfrentar a
situação de agressão permanente que sofria do governo dos Estados Unidos. O
mecanismo de recrutar jovens obrigatoriamente é que era inadequado”, conta.
A
obrigatoriedade do serviço militar cubano foi, segundo ela, por conta do medo
de terrorismo financiado pelo estado norte-americano. “As sociedades militarmente
agredidas têm serviço militar obrigatório. É rotineiro. Era uma época difícil.
Quando encerrou este tipo período, proibiram que homossexuais ingressassem por
opção no serviço militar. Foi outra forma de discriminação. A sociedade não
deixou de ser patriarcal depois da Revolução, por isso estamos trabalhando para
acabar com a cultura de homofobia, discriminação e violação aos direitos
humanos”, defende.
Deputada
recém-eleita, Mariela Castro tem como principal plataforma a aprovação de um
novo Código de Família na ilha, que contempla tanto a união de pessoas do mesmo
sexo quanto o direito à reprodução assistida por casais de lésbicas que querem
ter filhos. “Desenvolvemos uma campanha cubana contra a homofobia desde 2007,
com grande visibilidade. Havia muita resistência da população, mas estamos
rompendo a ignorância. Muitas famílias já puderam ver regressar os filhos que
partiram do país por causa da discriminação”, conta.
Na
década de 80, estima-se que 1,7 mil ‘homossexuais incorrigíveis’ de Cuba foram
deportados para os Estados Unidos. No início da crise de Aids, Cuba foi
denunciada internacionalmente pela criação de rigorosas prisões para pessoas
com HIV, em sua maior parte, homossexuais. A filha de Raúl Castro conta que,
apesar da resistência de alguns dentro do governo, programas de educação sexual
são desenvolvidos pelo Ministério da Saúde e da Educação desde 1956. ” O
Ministério da Cultura também desenvolve ações para orientação sobre
sexualidade”, diz.
Mariela
Castro é Diretora do Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex) desde 2001,
local de promoção de estudos e ações para garantia de direitos e políticas de
gênero e sexualidade, criado por sua mãe, Vilma Espín, juntamente com a
Federação de Mulheres Cubanas. Por meio do centro, o sistema de saúde da ilha
voltou a realizar cirurgias de mudança de sexo em 2008, duas décadas após uma
polêmica primeira tentativa. “A nossa política promove a educação sexual como
processo emancipador da pessoa, inspirado na Pedagogia da Libertação de Paulo
Freire e com metodologia participativa que aprendemos com profissionais
brasileiros. Tornamos a sexualidade um pretexto para trabalhar outros elementos
de formação de cidadania com toda a população”, explica.
Ciente
da difícil missão que assumiu, ela se mostra entusiasmada e emocionada ao falar
do avanço que Cuba já alcançou para viver o socialismo de forma plena. “O socialismo
não é da noite para o dia, leva tempo. Eu sei que é difícil mudar a mentalidade
e a cultura das pessoas, mas não é impossível. Estamos determinados a mudar
esta cultura em Cuba”, defendeu.
Certa
de que não faltaria a pergunta sobre
“Como será a Cuba sem Fidel?”, Mariela Castro não se intimidou em falar sobre
política com os jornalistas brasileiros. “Tampouco nós sabíamos como seria Cuba
sem Fidel, mas estamos passando e a revolução segue adiante. O povo cubano está
mostrando sua força e sua capacidade democrática para eleger líderes que são
pessoas muito bem preparadas”, falou.
Este
é um processo de continuidade.Por isso Cuba pode seguir a Revolução sem Fidel,
assim como a Venezuela pode agora estar sem Chávez (Hugo) porque deixou um povo
bem preparado e um governo bem articulado. Cuba está mostrando que é possível
fazer democracia com apenas um partido. Ele é inclusivo, de unidade nacional e
vive em função da soberania nacional, com justiça e igualdade social. Mas só
seguirá assim se não deixar de ser um processo participativo. Se deixar de ser
participativo, deixa de ser revolucionário”, afirma.
Perguntado
sobre as críticas e denúncias sobre o regime feitas pela blogueira cubana Yoani
Sanchez, que também virá a Porto Alegre, Mariela Castro disse que não dedica
seu tempo a falar dela. “Recomendo que faça suas perguntas a ela (Yoani) e tire
suas próprias conclusões. Isso se a direita te deixar entrar no evento, é
claro”, brincou com o repórter.
Foto: Ramiro Furquim - *Fonte:
Sul21 http://www.sul21.com.br
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