Por Paulo Nogueira*, de Londres
A
maior vitória de Margaret Thatcher, morta hoje aos 87 anos depois de um
derrame, foi não ter assistido à formidável falência do mundo que ela ajudou
tão poderosamente a construir na década de 1980.
Fazia
anos que Thatcher sofria de problemas mentais. Conforme relatou num livro sua
filha Carol, ela chamava com frequência
seu marido Denis, morto há muitos anos.
Ela
não viu a desagregação do que se convencionou chamar de neoliberalismo – um
sistema que acabou levando ao célebre mundo dos 99% versus 1%.
Thatcher
de um lado do Atlântico e Ronald Reagan de outro comandaram com influência
mundial – sentida no Brasil de Collor e mais ainda no de FHC – modelos
econômicos que acabaram privilegiando enormemente os superricos e as grandes
corporações.
A
grande crise econômica do final da década passada mostrou o quanto era
insustentável este modelo, a começar
pelo fato de que os cofres públicos em tantos países se esvaziaram por conta de políticas que permitiram aos
bilionários e às multinacionais encontrar formas legais – embora imorais – de
reduzir a quase nada os impostos a pagar.
Thatcher
viveu pela política, e começou a morrer quando foi traída por companheiros do
Partido Conservador e derrubada depois de 11 anos de poder, em 1990.
A
mulher que em 1979 se instalou no Número 10, como os ingleses chamam a casa do
primeiro ministro, era uma força da natureza. Chegou declamando São Francisco
de Assis, mas agiu como uma ninja no poder.
Derrotou
os sindicalistas superpoderosos que frequentemente paravam o Reino Unido, deu
uma surra fulminante nos militares argentinos que queriam tomar as Malvinas,
ajudou a cravar os pregos no caixão da União Soviética e liderou um movimento
global de privatização e desregulamentação com resultados que o tempo provou
serem catastróficos.
Margaret
Thatcher pareceu, em certos momentos, maior que o Reino Unido. Seu único rival
em prestígio, entre os líderes globais, era Reagan. Mas, se Reagan parecia um ator de Hollywood
fazendo o papel de presidente americano, Thatcher era 100% realidade, ele
embalagem, ela conteúdo.
Thatcher
agarrou-se desesperadamente ao poder quando já era uma primeira ministra morta
em atividade. Desafiada na liderança dos
conservadores em 1990, não conseguiu os votos necessários para permanecer
como líder, embora tenha vencido seu oponente. Foi uma vitória inútil, mas
Thatcher não quis ver isso.
No
Reino Unido, o poder fica na mão do líder do partido mais votado. Os
companheiros de partido podem, em situações extremas, desafiar a liderança. Foi isso que tirou da Thatcher do poder. Seus liderados entre os conservadores já não
suportavam sua brutalidade como chefe, e um deles a desafiou.
Thatcher,
sem votos suficientes para permanecer a despeito de ter batido o desafiador,
ainda relutou durante dias em deixar Downing Street. Queria ir para a segunda e
decisiva votação. Era formalmente uma possibilidade, mas na verdade é uma
atitude não aceita na política britânica, pelo desrespeito implícito à vontade
coletiva do partido. Foi a rainha Elizabeth quem afinal convenceu Thatcher a
renunciar.
Os
problemas mentais ceifaram depois seu projeto de fazer fortuna com palestras e,
muito pior para ela, a impediram de lutar no campo das idéias pela essência do
thatcherismo: um Estado mínimo, com a menor regulamentação possível.
Em
2011, a convite do premiê conservador David Cameron, ela visitou pela última
vez Downing Street, o lugar de onde ela exerceu influência mundial durante onze anos.
Andava
com dificuldade e acenava confusamente, como se de alguma forma tivesse em sua
mente destruída retornado aos dias em que foi conhecida como Dama de Ferro.
Morreu
como a mãe do 1% e a madrasta dos 99%.
*Jornalista, Editor do blog 'Diário do Centro do Mundo'
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