Do 'Tijolaço'* - Neste Brasil de tristezas, mortes, chamas, ódios e de um deserto de ideias nos jornais – já escrevo sobre a maldade que a folha estampa em sua manchete – ler o texto de Cristina Serra na edição do jornal paulista traz um pouco de volta os versos de Thiago de Mello em seu Estatutos do Homem: “até as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo”.
Conforta, afinal, saber que uma geração de jornalistas consegue escapar do que ela mesmo chama de “trapaça informativa e cognitiva sobre a qual parte relevante da imprensa brasileira precisa fazer autocrítica”.
Menos por uma preferência político partidária – as décadas que a conheço permitem garantir aos que suspeitam de tudo que a jornalista não é lulopetista, como se tornou moda dizer entre profissionais que flutuam no universo do ódio – e mais por uma compreensão de quem, por mais de três décadas, acompanhou a caminhada deste país, para o bem e para o mal, desde a redemocratização.
Cristina escreve o óbvio, mas que muitos teimam em não ver: a exclusão do ex-presidente Lula do processo político é uma deformidade que compromete a democracia brasileira e, pelo conteúdo de policialismo que contém.
Inclusive na mídia, que acata, aceita e comemora qualquer nova ação lavajatista contra ele, não importa que já cinco anos de exeme microscópio de sua vida desacreditem estas novas e ineptas ofensivas.
Antes do texto, um lembre: os textos, sempre honestos e corajosos, da jornalista podem ser todos lidos em seu blog. (*por Fernando Brito) - https://tijolaco.net/
Lula não pode ser “cancelado”
Cristina Serra, na Folha [de S. Paulo]
No vídeo que gravou para as redes sociais no dia da Independência, Lula deu a partida para 2022. O ex-presidente percebeu a movimentação do adversário no terreno que lhe é (ou era?) favorável, o Nordeste. E está ciente das agruras do PT em ter candidatos competitivos e/ou estabelecer alianças para as eleições municipais que se aproximam.
É muito difícil saber, hoje, se o petista conseguirá candidatar-se a qualquer cargo que seja, considerando a corrida de obstáculos nos tribunais. Um dos maiores entraves é o julgamento do pedido de suspeição de Sergio Moro, o juiz-acusador que o tirou do jogo na eleição de 2018 e virou ministro da “justiça” da extrema direita violenta que nos governa.
O julgamento sobre a suspeição de Moro na Segunda Turma do STF começou em dezembro de 2018 e empacou no “perdido de vista” feito por Gilmar Mendes. O desfecho afigura-se imprevisível com a aposentadoria do ministro Celso de Mello daqui a mês e meio.
Passados quase dois anos de um governo que afronta a democracia dia sim, outro também, não deixa de surpreender que tenha vindo do ministro Edson Fachin a constatação de que a candidatura de Lula em 2018 teria “feito bem à democracia”. A postulação foi barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral com base na lei da Ficha Limpa porque Lula já havia sido condenado em segunda instância no caso do tríplex.
O PT ganhou quatro das oito eleições para presidente desde a redemocratização e ficou em segundo lugar nas outras quatro. Em 2018, recebeu 47 milhões de votos.
Independentemente das convicções e afinidades políticas de cada um de nós, é preciso reconhecer que um partido com essa representatividade não pode ser excluído do debate público. E Lula não pode ser “cancelado”. A esparrela dos “dois extremos” é uma trapaça informativa e cognitiva sobre a qual parte relevante da imprensa brasileira precisa fazer autocrítica.
Lula está de volta. E isso é uma boa notícia para a democracia.
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