Divergências vêm à tona às vésperas dos atos de 7 de setembro, mas não se refletem no comportamento da bancada ruralista
Enquanto ruralistas liderados pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) aderem à convocatória para os atos pró-Bolsonaro no Dia da Independência, sete entidades ligadas à agroindústria publicam um manifesto em defesa da democracia, afirmando que o Brasil “é maior e melhor que a imagem que temos projetado ao mundo.”
As duas notícias, que circulam paralelamente na imprensa brasileira, revelam divergências internas ao agronegócio.
O Brasil de Fato ouviu pesquisadores e analistas para entender até onde vão essas fissuras e como impactam o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e a democracia.
Não se trata de uma cisão
Em linhas gerais, os entrevistados concordam ao apontar que existem interesses corporativos e econômicos diferentes “antes e depois da porteira”.
Em um primeiro grupo, estariam produtores de carne e grãos, especialmente soja e milho, que são o público-alvo da maioria dos discursos de Bolsonaro.
Essa parcela, onde se encontra a Aprosoja, defende com unhas e dentes pautas como a flexibilização da legislação fundiária e das normas ambientais, além de posse e porte de armas no campo.
Do outro lado da porteira, estariam transnacionais exportadoras de commodities, que adaptam o discurso às exigências ambientais impostas principalmente na Europa.
Para essas entidades, interessa a estabilidade democrática e a construção de uma imagem de respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente – para tornar os produtos brasileiros mais valorizados no exterior e evitar qualquer tipo de sanção.
Esse olhar é representado principalmente pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) – que articulou o manifesto citado no início da matéria.
“A ABAG representa o capital internacional apátrida, que está preocupado com o mercado externo. E a gente sabe que o tema da sustentabilidade, capturado pelo capital, tem sido uma pauta cada vez mais importante lá fora”, ressalta Frederico Daia Firmiano, doutor em Ciências Sociais, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e coordenador do Grupo de Estudos sobre Crise, Neodesenvolvimentismo e Direitos Sociais (GEIND).
“A Aprosoja, que reúne especialmente ruralistas da região Centro-Oeste, tende a um alinhamento ideológico a Bolsonaro em certas matérias que a ABAG vai evitar. Por exemplo, a pauta do armamento dos latifundiários.”
As tensões vieram a público a partir de abril de 2020, quando frigoríficos e empresas exportadoras passaram a pressionar pela saída do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – que só deixaria o cargo 14 meses depois. Na época, o Brasil era notícia mundial devido aos recordes de desmatamento.
“A ABAG fez uma iniciativa de marketing e lançou junto à Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura seis ações para supostamente coibir de maneira eficaz o desmatamento na Amazônia”, lembra Luiz Felipe Cerqueira de Farias, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). O contexto era de pressões por parte de empresas europeias, que ameaçavam desinvestir em produtores de soja e grãos e em títulos do governo brasileiro.
Em reação a esse movimento, a Aprosoja rompeu com a ABAG. Segundo o então presidente da entidade, Bartolomeu Braz, as exigências ambientais impostas aos produtores extrapolavam o Código Florestal e visavam “difamar o agro” no Brasil.
“A ABAG está falando a língua principalmente dos setores mais vinculados ao mercado europeu, enquanto os produtores de soja têm como horizonte um mercado muito mais estratégico, que é a China”, interpreta Farias.
Enquanto o grupo da ABAG teria mais poder de barganha no “andar de cima”, quem faz mais barulho internamente são os produtores alinhados ao discurso da Aprosoja.
Essa retórica, que se confunde com o próprio bolsonarismo em seu afã populista e “antissistema”, tem penetração nas redes sociais e será colocada à prova em atos como os de 7 de setembro.
“O documento produzido pelas entidades da agroindústria em defesa da democracia foi uma manifestação explícita de que essa ruptura institucional, sinalizada o tempo todo por Bolsonaro, tem um limite”, analisa Pedro Cassiano de Oliveira, doutor em História Social e pesquisador da questão agrária no Brasil.
“É interessante ver quem assinou esse documento: são produtores ligados, sobretudo, ao capital financeiro – indústria de óleo vegetal, de tecnologia em nutrição vegetal, de celulose, de produtores de óleo de palma. São, de fato, mais ligados ao mercado externo, e que por isso mesmo estão preocupados com esse tensionamento institucional.” (...)
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