Construir uma República Democrática no Brasil será sempre uma tarefa das classes populares em oposição e em conflito com as elites
Por Miguel Rossetto (*)
Neste 15 de novembro a República completa 132 anos no Brasil. Uma data silenciosa, ausente da memória popular e ocultada por uma elite reacionária, temerosa de tudo aquilo que possa invocar o público, o popular, o povo.
Nossa República nunca foi uma res-publica e salvo em raríssimos momentos, nunca se aproximou do povo brasileiro. Construída pela força militar e distante da população preservou seu caráter elitista e violento por todos estes longos anos, mesmo quando compromissos com a democracia, a justiça, a igualdade e o bem de todos foram inscritos na sua Constituição como objetivos fundamentais. Os miseráveis de Canudos, os marinheiros das “rubras cascatas” provocadas pela chibata, os caboclos e pobres do Contestado conheceram a República pelo barulho dos canhões, pelas bombas dos primeiros aviões de artilharia e pela traição dos acordos não cumpridos.
Desde então, vivemos um longo período de luta política e social no país, onde profundas transformações da sociedade brasileira organizaram interesses, produziram conflitos e estabeleceram pactos políticos provisórios. Breves períodos democráticos, longos períodos autoritários e uma persistente e gigantesca desigualdade social e econômica, que reduzia a uma quase formalidade a condição de cidadania para a imensa maioria do nosso povo.
O golpe de 2016 interrompe o ciclo democrático e de conquistas sociais aberto com o fim da ditadura militar e a Constituição de 1988. Instituições políticas se corromperam e traíram seus compromissos com a República e o Estado Democrático de Direito. Os interesses da classe dominante mais uma vez operaram com força bruta e enorme violência, destruindo a legalidade existente. Chegamos em 2021, nos 132 anos de República com 600 mil mortos pela pandemia, 117 milhões de pessoas – 55% da população brasileira – vivendo em insegurança alimentar, 19 milhões passando fome, 20 milhões de desempregados e 34 milhões trabalhando sem nenhuma proteção social e nossos recursos naturais sob devastação enorme. A obra da escravidão continua presente e são os homens negros e as mulheres negras os mais excluídos e violentados em seus direitos. Na outra ponta da desigualdade, a obscenidade. Os bancos ganham, os ricos fazendeiros ganham, a elite estatal ganha, os novos bilionários se multiplicam e crescem as filas desta turma para a compra de iates, apartamentos “classe A” e Porsches. O Brasil se dissolve na velocidade e profundidade da desigualdade. O balanço é devastador.
O desafio do PT e da esquerda é enorme nestes tempos em que as elites econômicas e políticas atacam não só o Estado de Bem Estar Social como até mesmo a mais limitada democracia liberal. Esta mesma elite que nunca se interessou por cidadania e sim por privilégios. Que sempre, quando foi minimamente contrariada, destruiu a democracia. Para esta elite a República nunca foi senão uma palavra incômoda.
Construir uma República Democrática no Brasil será sempre uma tarefa das classes populares em oposição e em conflito com as elites locais.
Em meio às sombras do nosso tempo, mais do que nunca é preciso refletir sobre uma outra República e uma outra democracia. Quais instituições devemos construir para evitar o seqüestro permanente da res-publica pelo dinheiro ou pela força? Qual democracia devemos animar para que, finalmente, a República faça sentido para a imensa maioria do povo? Uma democracia que sem duvida não pode se limitar à representação política e deve ser animada pela permanente participação popular, pelas organizações setoriais de uma sociedade diversa e imensa e que tenha a capacidade de responder às demandas reais da população.
A democracia que não gere esperança e que tão somente legitime a pobreza, a exclusão, a violência e a desigualdade é uma democracia morta.
Ano que vem faremos escolhas decisivas para o nosso futuro. Mas aprendemos que conquistar a Presidência da República é apenas o início do caminho. Um passo importantíssimo, mas insuficiente para as transformações que o Brasil precisa. Precisaremos “democratizar nossa democracia”, e tornar pública a nossa República. Romper os mecanismos do poder para que o povo entre, enxergue e decida. Precisamos, enfim, fundar, de verdade, uma República no Brasil. E talvez, daqui há alguns anos o dia da República não seja apenas um feriado vazio, sem significado profundo no sentimento do nosso povo.
(*) Miguel Rossetto foi deputado federal pelo PT, vice-governador do Rio Grande do Sul e Ministro do Trabalho e Previdência Social
*Via Sul21
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