Meta de Tel Aviv seria reduzir isolamento internacional gerado pelo massacre em Gaza e salvar governo Netanyahu
Por Rodrigo Durão*
A onda de solidariedade internacional para com Israel gerada pelo ataque do Hamas dentro de seu território, em outubro, durou pouco. O massacre diário de civis palestinos na Faixa de Gaza, a maioria de mulheres e crianças - que prossegue apesar de condenações globais - tornam o país cada vez mais isolado.
É nesse contexto que ampliar o conflito com o envolvimento de Estados Unidos e Irã poderia ser a forma de o governo de Benjamin Netanyahu reconquistar empatia internacional e apoio interno, segundo analistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Eles apontam que o ataque israelense ao consulado iraniano na Síria, no dia primeiro de abril - que resultou em diversas mortes, incluindo a de um importante comandante militar do Irã - foi ato pensado para causar a reação do último domingo.
"O bombardeio do consulado foi claramente uma provocação, Israel quer há muito tempo ampliar o conflito por vários razões", disse Mohammed Nadir, coordenador do Laboratório de Estudos Árabes da Universidade Federal do ABC (UFABC). "Esse ataque ocorreu após vários outros ataques contra alvos iranianos na Síria, justamente para trazer o Irã para o confronto."
Nadir acredita que provocar o Irã para uma disputa militar direta é desejo do governo israelense, que elegeu Teerã como seu "inimigo número 1". "Israel acusa o Irã de ter instigado o Hamas para causar os ataques de sete de outubro, se ressente da influência iraniana cada vez maior junto a grupos armados como os Houthis no Iêmen e o Hezbollah no Líbano, mas acima de tudo, com a possibilidade de Teerã conseguir a bomba atômica."
O pesquisar do instituto Front Anderson Barreto Moreira concorda com a análise, afirmando que o ataque israelense em Damasco tinha o objetivo de "envolver os Estados Unidos numa guerra de alto potencial e salvar não apenas o governo [de Netanyahu], mas tirar o Estado de Israel do isolamento em que se encontra".
Netanyahu vem enfrentando inúmeros problemas internos. Mesmo antes dos ataques do Hamas, ele corria o risco de ser deposto da liderança do Knesset - o Parlamento de Israel - pela oposição, por tentar mudar a constituição e emplacar leis que reduziam os poderes dos legisladores. Recentemente, o premiê vem sendo alvo de protestos que pedem sua saída por não conseguir libertar os reféns feitos pelo Hamas.
Razões do fracasso
No entanto, os analistas ouvidos pelo Brasil de Fato concordam que a estratégia israelense não funcionou.
"Primeiro porque os Estados Unidos não têm a mínima condição de abrir um front desse porte, dada a humilhação e fracasso na Ucrânia e sem uma solução para sair daquele atoleiro, estão deixando para os europeus. As eleições estão em risco, a política externa um caos", afirma Moreira.
"O fato de, domingo mesmo, Biden ter afirmado que não embarcará em nenhuma resposta israelense contra o Irã já é uma mudança de postura. 'Israel pode considerar o dia de hoje como uma vitória' essa foi a frase de Biden."
Para Mohammed Nadir, "os EUA não querem nesse momento, depois do fracasso no Afeganistão e Iraque, se envolver em outra aventura militar; um ataque apenas não resolveria, teria que mandar soldados no terreno e não há clima para isso."
"A estratégia estadunidense hoje visa a China, não o Oriente Médio. Além disso, a Rússia, aliada do Irã, não permitiria uma guerra no Oriente Médio", pondera. "Imaginemos que os EUA estivessem dispostos a embarcar em uma guerra nos moldes do que ocorreu no Iraque - coisa que não estão. Para Moscou, a aliança com Teerã permite uma presença estratégica no Golfo, um privilégio geopolítico. É por isso que a Rússia não permitiria uma mudança de regime no Irã que a enfraquecesse como país."
Já o analista Giorgio Romano, também do OPEB (UFABC), destaca ainda a "inteligência da resposta iraniana" ao ataque contra o consulado em Damasco.
"Netanyahu jogou uma casca de banana para o Irã, que não podia escolher não fazer nada perante sua população interna e grupos sobre os quais têm influência, como Hezbollah e Hamas. Teerã mostrou capacidade de fogo ao atingir uma base militar no sul de Israel com míssil, indicando o que poderia acontecer em um eventual ataque surpresa - o que não foi o caso", explica.
"O ataque foi anunciado com bastante antecedência, para que Israel pudesse se preparar. Os Estados Unidos, reconhecendo a moderação na resposta do Irã, fizeram questão de imediatamente fechar a questão em torno do G7, com uma posição clara para que Israel não retaliasse."
"Claro que lidamos com a irracionalidade de Netanyahu, mas um indicativo claro de que não haverá escalada é que os preços do petróleo hoje (segunda-feira) caíram, após uma alta gerada pela incerteza do que poderia acontecer." .
'Netanyahu é o grande derrotado'
Moreira diz que "o governo Netanyahu é o grande derrotado até agora. Se não responder à retaliação corre o risco de ser retirado do poder pelos setores linha dura que já avisaram que não aceitam uma não resposta. Se responder sem o apoio dos Estados Unidos corre o risco de sofrer um ataque ainda maior, reafirmado mais de uma vez pelo governo iraniano."
"Para um governo que está vendo milhares nas ruas, tendo o Parlamento invadindo pedindo a sua renúncia, condenado mundialmente pelo genocídio em andamento na Palestina, parece que qualquer resposta não terá efeito algum."
Por outro lado, a resposta iraniana - embora tenha causado poucos danos concretos a Israel - teve o mérito de ter sido o primeiro ataque direto já realizado pelo país contra o território israelense, o que reforça o status do Irã como potencia regional, segundo os analistas.
"O Irã sai como o novo poder da região. Demonstrou que tem capacidade de confronto e mostrou as vulnerabilidades do maior rival. Ainda por cima articulou uma vasta rede de apoio: Houthis no Iemên, Hezbollah no Líbano, Síria e Iraque com espaços aéreos abertos para a passagem dos drones e mísseis", afirma Moreira.
*Edição: Lucas Estanislau - Via BrasildeFato
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