31 dezembro 2024

Réveillon - Tradição de soltar fogos de artifício prejudica autistas, idosos e pets e precisa ser revista

Eles estão dentro do espírito da época, mas por que não fazer apenas festas com fogos sem barulhos?

Queima de fogos na Orla do Guaíba marcou a virada dos últimos anos. Neste Réveillon, a festa será no Parque Harmonia - Foto: Joel Vargas/PMPA

Por Eugênio Bortolon*

A explosão de fogos de artifício na virada do ano é tradição. Tem um monte de significados, muita diversão e também muitos desastres. Basta fazer uma visita ao pronto-socorro do hospital ou outras casas que atendem emergências para ver os estragos. Lesões, fraturas, queimaduras e danos de vários tipos são comuns para quem não sabe manejar os artefatos.

Aqui em Porto Alegre e pelo Litoral – de Norte a Sul do Rio Grande do Sul – vão acontecer grandes estrondos de fogos. Está dentro do espírito da época, mas por que não fazer apenas festas com fogos sem barulhos, só coloridos, com mil peripécias pelos céus? A tradição sempre vence e danem-se os outros. É o que devem pensar os promotores destes arraiais da loucura – prefeituras, clubes sociais, festas e particulares e tantos outros.

Quem mais sofre? Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), idosos, pets (cães e gatos) e pássaros. Os fogos desencadeiam uma sobrecarga sensorial e provocam reações diversas aos autistas. Eles não entendem. Acham que o mundo vai acabar. O som de altos decibéis é avassalador, causa estresse, choros, desconforto e uma bruta ansiedade. As luzes brilhantes e estalos imprevisíveis causam profunda perturbação, segundo alertam entidades médicas. A audição dos portadores de autismo é mais sensível, fazendo com que o barulho dos fogos cause dores inimagináveis e comportamentos estranhos. Idosos com Alzheimer, em asilos ou casas de repouso, também sofrem e têm dificuldades para compreender a situação.

Para ajudar pessoas com autismo a lidar com o barulho dos fogos de artifício, médicos afirmam que se pode sugerir o uso de fogos sem sons, levar a criança para um lugar mais tranquilo e silencioso até que ela se regule, tentar explicar motivos dos fogos e dos ruídos, explicar que as sensações serão passageiras ou dar previsibilidade à criança, criando um ambiente de confiança e seguro. Profissionais da terapia ocupacional podem oferecer estratégias específicas para ajudar as pessoas com autismo a lidarem com essas sensibilidades.

O apresentador de TV Marcos Mion fez um alerta sobre a delicadeza desta questão. Pai de Romeo Mion, 19 anos, todos os anos ele vai para as suas redes pedindo moderação com fogos. “Tem que pensar em todos os autistas que entram em crise com o barulho. E também em todos os animais que entram num espiral de pânico. Não solte rojões.”

Rosângela Gomes, professora do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), conta que os foguetes podem afetar os autistas negativamente e agravar as suas percepções para qualquer outro tipo de barulho. “Os fogos de artifício afetam de maneira bastante negativa as pessoas que têm autismo. Seja pelo estímulo auditivo ou visual, que são muito intensos na noite de ano novo, as pessoas com autismo, seja um bebê, uma criança, um adolescente ou um adulto, vivenciam isso de maneira intensa e muito negativa”, explicou a professora em entrevista em vídeo.

“Uma das coisas que precisamos pensar é o ambiente em que essa pessoa vai estar. O ideal seria que ela pudesse passar a noite do ano novo com pessoas que ela conhece, num ambiente já conhecido por ela. Outra coisa que pode diminuir a intensidade dos sons seria colocar algodão no ouvido ou fones de ouvido”, explicou Rosângela.

Cuidados

Pelas redes sociais, são centenas ou milhares de alertas de ONGs e de protetoras de animais domésticos sobre os ruídos dos fogos. “Eles sofrem demais, não suportam estes barulhos, têm ouvidos sensíveis ao extremo. Se encontram uma porta aberta, desaparecem e talvez se percam para sempre”, diz Cristina Selhane, que participou de abrigos com cães e gatos desaparecidos na enchente de maio no Rio Grande do Sul. Ela recomenda que se feche em um quarto os pets, evitando que grandes estrondos cheguem com toda força até eles.

Paula Mayer Costa, médica veterinária neurologista da UFMG, explicou em entrevista para TVs que o animal escuta melhor que os seres humanos: “Eles têm esse sentido mais aguçado. Com isso, provoca-se uma excitação no animal e, com o barulho dos fogos, desencadeia diversas alterações”. Ela diz que os animais podem ter convulsões e problemas cardíacos, por exemplo. Os pets ficam com muito medo, tentam se defender, sair daquele lugar que está com muito barulho. O primeiro instinto dele é fugir. Por isso, nesses momentos, não é recomendável abrir portas ou janelas da casa, para que o animal não saia”, contou Paula.

Para evitar uma crise, a recomendação básica é colocar tampões de algodão nos ouvidos dos animais, faixas para protegê-los e tocar música clássica para acalmá-los. "Tentar manter o ambiente o mais tranquilo possível, ficar perto deles nesse momento", afirmou a médica veterinária.

Festa no Parque Harmonia

A festa de Réveillon 2025 no Parque Harmonia, em Porto Alegre, começa às 17h20 de terça-feira (31), com estimativa de encerramento às 3h de 1º de janeiro de 2025. A participação é gratuita, com entrada pelo Pórtico das Missões (acesso A) ou pela Casa do Gaúcho (acesso E) - os portões abrirão às 17h. A saída ocorrerá pelos demais pórticos e acessos do parque.

No palco, a espera pelo ano novo será animada por diversas atrações musicais locais e nacionais: Lauana Prado, Só Pra Contrariar, Papas da Língua, Alma Gaudéria, Luiza Barbosa, Estado Maior da Restinga, Gangster, DKG, A Figa, Viny e DJ Capu. O público poderá levar a sua própria bebida, exceção para copos e garrafas de vidro - serão permitidas apenas garrafas de espumante.

Para garantir a segurança e tranquilidade do público que passar a virada no local, a prefeitura e a empresa GAM3 Parks, juntamente com órgãos estaduais, estarão mobilizados na área da festa. À meia-noite, o céu será iluminado por uma chuva de fogos de artifício, com duração prevista de oito minutos – a atividade respeitará a legislação estadual sobre ruídos, segundo informa o site da prefeitura.

Lei Ordinária 15.366 de 2019 do Rio Grande do Sul proíbe a queima e soltura de fogos de artifício de estampido e de outros artefatos pirotécnicos com efeito sonoro ruidoso no estado. É prevista multa entre 102 e 512 Unidades de Padrão Fiscal (UPFs), dependendo da quantidade de fogos utilizados, a quem infringir a lei. O valor da multa é dobrado caso o infrator reincida em menos de 30 dias.

A legislação também estabelece que os fogos de vista, que produzem efeitos visuais sem estampido, e os dispositivos de uso moral e sonoro de utilização policial e de segurança estão fora da proibição. A pergunta que fica é: os fogos do Gasômetro respeitarão mesmo esta lei?

Já a sede Alto Petrópolis do Grêmio Náutico União, um dos clubes que realiza grandes eventos no final do ano, receberá dia 31 cerca de 2 mil pessoas em seu Réveillon. O tradicional show de fogos de artifícios ilumina o céu por cerca de 15 minutos, sendo um grande diferencial do evento. Com ou sem barulho? O clube diz que a soltura será bonita, contagiante, mas não informa se será silenciosa ou não.

*Edição: Katia Marko  - Via BrasildeFato/RS

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