Estratégias da ultradireita para corroer o debate público, explorar o descontentamento social e enfraquecer a democracia liberal por meio da desinformação
Por Emir Sader*
Outra das minhas leituras preferidas dos últimos tempos é o livro “Desquiciados – Los vertiginosos cambios que impulsa la ultraderecha”, coordenado por Alejandro Grimson.
Seu epílogo tem como título o que eu enunciei como nome deste artigo. Frase de Steve Bannon, que explicou desta maneira sua afirmação: “Os democratas não interessam. A verdadeira oposição são os meios de comunicação. E o modo de tratar com eles é inundar a região de merda”.
Os líderes da ultradireita de massas consideram que se trata do seguinte: canalizar o muito legítimo descontentamento social, desafiando os limites da democracia e estressando diariamente a população até que todos estejamos fora de juízo. Isto é chave, porque impede pensar estrategicamente.
Em quase todos os países da América e da Europa aconteceram duas coisas: ou o tradicional partido de direita se converteu em um de extrema direita, ou surgiu uma nova força de extrema direita.
Na América Latina, eles têm um programa econômico neoliberal radicalizado, que pode aceitar uma cota de políticas sociais com transferências monetárias aos setores mais desprotegidos, combinada com todo o conservadorismo cultural que a sociedade lhes permita.
A luta cultural é concebida como guerra, com inimigos a derrotar. Só há ganhadores e perdedores. Assim, se coloca em prática uma narrativa de complô e paranoica, que vê um inimigo em qualquer um que se atreva a expressar sua dissidência.
“A versão neoliberal de uma visão maniqueísta do mundo é a divisão entre trabalhadores e preguiçosos”, afirma Natascha Strobl em seu livro “A nova direita” (2022). Os líderes da extrema direita buscam não cumprir as regras da política, com a premissa de que é melhor ser mal-educado ou politicamente incorreto do que fazer parte do establishment.
Os líderes da extrema direita constroem para si mesmos o lugar de “salvadores” e, ao mesmo tempo, de “vítimas” das conspirações da velha política e dos meios de comunicação.
Na estratégia neoliberal confluem três instrumentos: a pós-verdade, as fake news e as teorias do complô. O Dicionário de Oxford definiu a pós-verdade como essa condição pela qual “os fatos objetivos influenciam menos na formação da opinião pública do que as referências a emoções e crenças pessoais”. As coordenadas básicas do debate público ficam corroídas.
Esses instrumentos buscam várias coisas: gerar um estado de ansiedade sem precedentes, mas também criar uma realidade paralela. Buscam que seus eleitores, ou a maioria deles, vivam mentalmente uma “realidade” que seja imune aos dados, aos argumentos e aos fatos.
Há três temas em que existem importantes diferenças entre essas forças: a economia, os valores e a geopolítica. Além disso, têm em comum o fato de que não negam formalmente a democracia, mas criticam a democracia liberal, qualificando-a como não democracia, isto é, como algo desvinculado da vontade do povo.
Já faz quase um século que a informação foi definida como o inverso da probabilidade. Não é notícia que não chova no Saara; não é notícia que a extrema direita insulte e estigmatize. Que meios de comunicação vão repetir cada um dos insultos que os governos de extrema direita proferem contra os que pensam diferente ou contra os opositores? A contribuição ao debate público é gerar informação (o contrário da probabilidade) e análise plural.
*Via Brasil247

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