'O PSDB se tornou um boneco de ventríloquo: aparelhado pelas forças sociais conservadoras, coloca a truculência policial ao dispor do reacionarismo.'
Por Maria Inês Nassif, na
Carta Maior*
A violenta repressão da
Polícia Militar a uma manifestação de professores em Curitiba – que
justificadamente protestavam contra o assalto do governo do Estado a um fundo
de Previdência que é deles – traz preocupações que transcendem a própria
violência. O perfil dos governos do PSDB nos Estados onde, teoricamente, o
partido tem líderes de vocação nacional, confluem para um conservadorismo
orgânico, para um modelo tucano de governar vocacionado ao fiscalismo, à visão
desumanizada do servidor público e do que se considera adversários políticos,
ao desprezo pela gestão pública e, fundamentalmente, para uma opção por uma
política de segurança pública pautada pela força bruta.
Se isso for considerado no
plano nacional, e numa conjuntura em que a esquerda está enfraquecida, a
perspectiva futura de poder federal – se as forças no poder não se reerguerem –
é de governos altamente conservadores, fiscalistas, desumanizados, alheios à
função social da gestão pública e truculentos. Esse é o pior dos Brasis
pensados para o futuro.
Os dois governos, de Beto
Richa (PR) e Geraldo Alckmin (SP), fecham o ciclo da caminhada perseverante do
PSDB rumo à direita. É a linha ideológica, hoje, o principal liame entre os
políticos do partido e sua base partidária, e ela foi tecida de fora para dentro,
já que o partido nunca conseguiu resolver uma dificuldade histórica de
constituir-se em formulador ideológico e formador de quadros.
Na verdade, são as forças
sociais conservadoras e os meios de comunicação, apoiadores incondicionais do
PSDB, que têm desempenhado o papel de escolher os quadros tucanos e de definir
ideologicamente a legenda. Por esse filtro, jamais a qualidade do quadro é
colocado como condição para sua ascensão midiática, que por sua vez define as
escolhas internas do partido: o apoio é simplesmente proporcional à capacidade
ofensiva (no pior sentido) do político, nunca ao que ele pode agregar a um
projeto de Brasil ideológico e consistente.
No momento em que se aliou a
essas forças de forma radical, o PSDB acabou se tornando prisioneiro de sua
própria armadilha. A estratégia de desqualificar a política institucional,
usada para minimizar os ganhos eleitorais do petismo, acabou se constituindo na
desqualificação de si próprio. Para as forças sociais e para os meios de
comunicação aliados ao PSDB por conveniência, o partido é apenas um instrumento
na guerra deflagrada para vencer a esquerda, que teve no petismo a sua
principal expressão.
Se a esquerda institucional
hoje tem sérios problemas de qualidade de quadros, a direita mais ainda. Hoje,
os políticos que “repercutem” as denúncias cavadas diuturnamente pela mídia
tradicional, numa estratégia perseverante de desconstrução da esquerda, têm uma
condição não melhor do que o boneco no colo do ventríloquo: fala o que o dono
quer ouvir. Sem condições de alçar voos pela qualidade de seus quadros, o PSDB
depende hoje desesperadamente, e unicamente, de ser o escolhido pela mídia
tradicional como instrumento de guerra; e de, nessa condição, ser o alvo
preferencial dos FINANCIAMENTOS empresariais dentro da oposição. Com dinheiro e
com apoio das mídias, não há condições de qualquer outro partido oposicionista
concorrer com ele como aparelho ideológico preferencial da direita.
Como força política
institucional, o PMDB, hoje, estaria muito mais apto a desempenhar esse papel –
a substância ideológica peemedebista, depois de extraído o sumo da fisiologia,
é francamente conservador. Mas não vai. Isso porque o PMDB de Eduardo Cunha e
Renan Calheiros não é um partido nacional com chances de ser aparelhado por
esses grupos, mas uma soma de chefes políticos estaduais e de grandes
interesses econômicos comezinhos e particulares. Os pemedebistas sobrevivem do
outro lado do balcão, o governista, com mais segurança, hoje com chances de
grande autonomia, e a um custo muito mais alto para essas forças sociais do que
a que impõe um PSDB sem quadros e sem personalidade própria. As fragilidades
tucanas são atrativas para a direita social porque isso o torna altamente
manipulável.
A ausência de vida interna
do PSDB e o aparelhamento do partido pelos meios sociais e forças políticas
conservadoras, ao longo dos últimos 12 anos, produziu um saldo desalentador. O
candidato a presidente nas últimas eleições, derrotado, não consegue sequer
formular uma estratégia de oposição minimamente consistente para construir uma
personalidade própria, sua e do partido. A única estratégia política de Aécio
Neves, presidente nacional tucano, é tirar a candidata vencedora nas eleições
do ano passado do poder, a qualquer custo, e antes que cumpra o mandato para o
qual foi eleita.
Nos Estados, Alckmin e Richa
professam o conservadorismo que os apoiam usando a linguagem mais conservadora
disponível: o uso da truculência policial, que se submete ao executivo
estadual. No Senado, a profissão do preconceito como arma ideológica, e a mesma
truculência, se consolidam. E tudo isso leva de roldão o que se considerava, há
pouco mais de duas décadas, a nata da inteligência socialdemocrata do Brasil.
Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fala, desfala e
desordena pensamentos, como uma biruta numa tempestade de ventos. Este não é um
cenário propício para o exercício da inteligência.
*Fonte:
http://cartamaior.com.br
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