Não há como a grande imprensa bater na fala de Lula na ONU, mas amanhã começa tudo de novo. A missão das corporações é fazer com Lula o que fizeram com Dilma
Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Por Moisés Mendes*
Chegou a ser demasiado, quase ensurdecedor, o aplauso das milícias dos jornalões à fala de Lula na ONU. Uma comentarista emocionada aplaudiu de pé, mas não deixou de acrescentar o seu ‘mas’.
Mas e a mulher na vaga de Rosa Weber no Supremo? Foi a pergunta de pátio de recreio de Vera Magalhães no Globo. Um mas fraco, repetitivo, fora de contexto. Era o mas ao alcance da mão.
Lula não deixou muitas reticências para que o jornalismo de direita, cada vez mais contaminado por posições da extrema direita e desorientado, acrescentasse o mas isso e mas aquilo com algum fundamento.
Seria ruim questionar o que o presidente disse em Nova York sem expor nos jornais mais alguns exemplos de desconforto com um golaço. Lula deu recados aos americanos dentro dos Estados Unidos com um tom que nem ele havia usado antes.
Fez um discurso que acalma a esquerda e constrange a direita. A jornalista que cobrou uma ministra no lugar de Rosa Weber tinha a cobrança guardada. Só fez control C e control V e encaixou na sua ‘análise’ do discurso.
Há nessa grande imprensa desorientada, que se esforçou para bater em Bolsonaro, o sentimento da repetição. Bater em Lula é reutilizar os mesmos métodos do que fizeram com ele mesmo até a prisão política e antes haviam feito com Dilma até o golpe.
A economia surpreende com crescimento acima do esperado por eles, os jornalistas do mas, e também pelos economistas do porém e do entretanto, que erraram tudo até agora.
A inflação está abaixo das previsões, e Lula os surpreende também com o bom nível de emprego e a melhoria no humor de quem investe e consome, apesar do juro de Campos Neto.
Mas sempre tem o mas. O povo come mais carne, e o Estadão publica uma notícia com esse título, que parecia fake e depois parecia meme: “Preço do filé mignon cai e seu bolso pode sofrer mais com isso”.
Usam até a carne barata para confundir caçar cliques. Poderiam ter publicado que o preço do filé cai, mas Lula não se decide sobre a escolha de uma mulher para o STF. Como se só eles e Gregório Duvivier quisessem uma mulher no Supremo.
Há uma milícia matando notícias boas nos jornalões. Espancam, torturam e, se for preciso, assassinam boas notícias pelas costas e por encomenda.
São contingentes de jornalistas tucanos que tiveram utilidade durante o governo de Bolsonaro como combatentes que agiam em nome dos seus patrões. Todos os patrões das corporações de mídia eram inimigos de Bolsonaro.
E muita gente desse jornalismo, que poderia ter afinidades de fundo com o bolsonarismo, teve de apontar as baionetas para o poder que ameaçava os patrões. Sabe-se de alguns que não ficaram à vontade na missão de atacar o fascismo para proteger as corporações.
Um jornalista com atitudes racistas contra negros americanos chegou a ser mandado embora por excesso de reacionarismo. Outro, que agora dissemina fake news sobre barragens, teve a aposentadoria apressada. Ambos tinham mais afinidades com as bases de Bolsonaro do que com os próprios patrões.
A eleição de Lula desprograma de novo um grupo historicamente identificado com o tucanismo, porque era o que estava disponível por uma década como antilulismo e expressão de conservadorismo à moda antiga e bem comportado.
Os tucanos não existem mais, e um dos últimos deles, o gaúcho Eduardo Leite, já tentou ser até um sabiá do PSD. Está hoje mais para periquito expelido do comando do próprio ninho por outros tucanos parecidos com papagaios de Aécio, um tucano dado como extinto e que reaparece como se fosse o mico-leão-dourado do PSDB.
Esse jornalismo perdido no mato aplaudiu o discurso de Lula na ONU porque não havia como atacar e porque amanhã precisa voltar a tratar do déficit zero, do lobismo pelo centrão, do novo avião presidencial com piscina, da defesa dos restos da Lava-Jato.
Atacar o discurso de Lula na ONU seria como vaiar um gol de bicicleta no Maracanã. Os milicianos das corporações foram para o sacrifício prazeroso do elogio porque são mais sensatos do que as milícias digitais da extrema direita.
São diferentes no detalhe e semelhantes na essência da sabotagem a tudo que contrarie seus planos e o esforço para matar notícias boas.
A defesa de uma mulher no Supremo, em meio à ‘análise’ do discurso na ONU, é um despiste. As milícias do jornalismo às vezes são fofas, mas serão sempre milícias.
*Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero Hora, de Porto Alegre. - Fonte: Brasil247
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