Por Ângela Carrato*
O Brasil tem a menor taxa de desemprego dos últimos sete anos.
O programa Minha Casa Minha Vida passa a ser de graça para quem recebe Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Foi instituído o Concurso Nacional Unificado para a seleção de funcionários públicos federais.
Pela importância dessas três informações na vida da maioria dos brasileiros era para terem recebido destaque no noticiário dos jornais, das emissoras de TV e de rádio nos últimos dias, quando foram anunciadas.
Mas aconteceu o oposto. Estiveram ausentes ou mereceram apenas pequenos registros nos principais veículos da mídia corporativa brasileira.
Uma explicação para este comportamento é a de que a mídia não gosta de dar boas notícias, porque apenas situações extremas e trágicas chamam a atenção do público, vendem jornais (incluindo os em suporte digital) e garantem audiência às emissoras de rádio e de TV.
O problema desta explicação é que ela não é só simplista. É equivocada.
O que define a importância de uma notícia, além de sua raridade e originalidade, é a sua relevância. Para um país que enfrentou nos últimos sete anos as maiores taxas de desemprego de sua história, era para essa informação merecer todo o destaque.
Some-se a isso que, também pela primeira vez na história, os mais pobres ficarão isentos de pagar a prestação da tão sonhada casa própria e milhares de brasileiros que aguardam ansiosamente por um concurso público não vão precisar se inscrever em dezenas de seleções.
Como acontece com o Enem, a seleção será unificada, com o candidato indicando suas áreas prioritárias.
Quantos brasileiros e brasileiras já sabem disso?
Ao não dar essas notícias, a mídia corporativa passa recibo de que não gostou delas, porque elas deixam claro que o terceiro governo Lula vai bem, cumprindo seus compromissos de campanha e, sobretudo, inovando quando se trata de gestão.
A mídia corporativa também não gostou destas notícias, porque fez de tudo para impedir o retorno de Lula ao poder e continua tentando fazer de tudo para dificultar o seu governo.
A mídia corporativa brasileira não gosta de governos progressistas e desde sempre os combateu.
A observação das capas dos três principais jornais brasileiros do último sábado (30/9) deixa claro que nenhuma das manchetes publicadas é mais atual ou importante do que o Brasil ter a menor taxa de desemprego desde 2015, quando a campanha contra Dilma Rousseff beirou o clímax.
No ano seguinte, ela seria derrubada por um golpe parlamentar, jurídico e midiático.
“Dino diz que não volta à política se for escolhido para o STF”, a manchete de O Globo, não passa de mera especulação em torno da escolha do futuro integrante do STF.
A mídia corporativa brasileira tem tentado pressionar o presidente Lula para que escolha para a vaga aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber uma mulher ou um negro.
Lula já disse que esses não são os critérios que utilizará, uma vez que a escolha é prerrogativa sua, com o nome do atual ministro da Justiça, Flávio Dino, tido como um dos mais cotados para o cargo.
A pressão por uma escolha “identitária” explicita a tentativa de jogar Lula contra parcela expressiva de quem o elegeu.
“Americanas em crise, fraudes e ICMS derrubam arrecadação”, aponta Receita, manchete de O Estado de S. Paulo, não envolve qualquer novidade. É a chamada “notícia fria”, que só deve ser publicada quando não há assunto relevante para aquela edição.
Não era o caso, na medida em que a menor taxa de desemprego desde 2015 é informação “quente” e de enorme relevância. Apesar disso, o jornal a escondeu numa chamada com menos destaque: “Desemprego cai e massa salarial no país cresce R$ 15 bilhões”.
Detalhe: a presença do termo fraude nesta manchete tem ainda objetivo extra: remeter o leitor à corrupção que a mídia mentirosamente sempre atribuiu aos governos progressistas.
Essa notícia não seria mais fidedigna se a manchete fosse: “Taxa de desemprego é a menor em sete anos”? Por que o Estado de S. Paulo não disse isso de forma direta?
A explicação é que a mídia não quer dar o braço a torcer em relação ao sucesso desses nove meses do terceiro governo Lula, logo ela que apoia a política de juros altos do Banco Central e sempre cerrou fileiras com a pauta neoliberal dos governos golpistas Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Em meados de 2021, por exemplo, a taxa de desemprego chegou a 14,1%, e a mídia fez vistas grossas, como se nada estivesse acontecendo. E estava.
Em momento algum Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, foram criticados. Tudo o que dizia Guedes era indiscutível.
No entanto, o desemprego levava fome, desespero e morte a milhares de famílias. Mesmo assim, a mídia jamais questionou os nefastos efeitos da pauta neoliberal por ela defendida, que inclui ainda a privatização de empresas públicas, vendidas a preço de banana.
Pauta que Lula, aos poucos, vai retirando de cena, substituindo-a por uma política voltada para o crescimento, o desenvolvimento, o pleno emprego e a soberania.
Já a Folha de S. Paulo, na ação de vender até a própria capa para informe publicitário, teve o desplante de publicar como manchete fantasia a promoção de uma marca de detergente.
Obviamente que em momento algum é mencionado que a tal marca, com promoções milionárias, tenta se recuperar do boicote aos seus produtos por parte de consumidoras indignadas por ela ter sido uma das grandes doadoras de recursos para a campanha de Bolsonaro à reeleição.
Atitudes assim – e essa não é a primeira vez que a Folha substitui sua capa por informe publicitário – têm uma única vantagem: não escondem o que realmente interessa à família Frias.
Aliás, quando parece que não há mais por onde a Folha possa piorar, ela quebra o próprio recorde. Nesta segunda-feira (2/10), uma de suas manchetes assumiu abertamente a defesa de Bolsonaro e dos golpistas: “Métodos da Lava Jato são usados contra bolsonarismo”.
Os menos atentos correm o risco de caírem em mais essa armadilha.
Diante de manchetes tão sem importância ou nitidamente contra o Brasil e a democracia, a única explicação que encontro para a mídia corporativa brasileira não noticiar que o país voltou a crescer e que o emprego se recupera a olhos vistos é o golpismo de sempre.
Para uma mídia que esteve na linha de frente da deposição de Dilma, que foi parceira da Operação Lava Jato ao levar para a prisão, sem provas, Lula em 2018, além de ter passado pano para os quatro anos de desgoverno de Bolsonaro, a pior coisa que pode acontecer é o governo Lula dar certo.
Já existem estudos acadêmicos mostrando como manchetes e notícias da mídia corporativa foram decisivas para jogar a população contra o governo Dilma.
Sou coautora de um desses estudos intitulado “Jornal Nacional, um projeto de poder. A narrativa que legitimou a desconstrução da democracia brasileira” (2021).
Nele explicamos, em detalhes, como as manchetes do principal telejornal brasileiro eram cuidadosamente elaboradas com o objetivo de corroer a imagem do PT e de seus principais líderes junto à opinião pública.
As estratégias adotadas naquela época não diferem do que se vê agora: as ações positivas do governo não são noticiadas, informações negativas são agigantadas, tenta-se o tempo todo atritar o governante com os demais Poderes e com a maioria da população.
No caso de Dilma, havia ainda o preconceito extra pelo fato de ela ser mulher num país cujos traços do patriarcalismo e do machismo são evidentes.
O interessante deste estudo é que através da análise das manchetes e de como foram levadas ao ar as próprias notícias, chegamos aos mesmos resultados que só agora veem a público por outros caminhos.
Estou me referindo aos vazamentos de diálogos obtidos pela Operação Spoofing, aos quais a revista eletrônica Consultor Jurídico teve acesso.
Nesses vazamentos, os lavajatistas, em 26 de novembro de 2018, demonstravam não só intimidade com a imprensa, como também comemoram o fornecimento exclusivo de informações para o Jornal Nacional, que tratam como parceiro.
Certos de que suas ações não seriam descobertas, a procuradora Laura Tesler, por exemplo, chegou a escrever que além do “JN ser uma ótima”, para divulgar o que lhes era conveniente, era importante “dar uma provocada” nos jornalistas Josias de Souza e Míriam Leitão, “para descerem a lenha” em Lula.
Além de ter prendido Lula sem qualquer prova de crime, esses diálogos deixam patente que a Lava Jato queria mantê-lo na cadeia. E a mídia corporativa brasileira, Globo à frente, foi parceira em ambos os casos.
A parcialidade do então juiz Sergio Moro associada às ilegalidades cometidas pela Operação Lava Jato levaram não só à soltura de Lula, como deixaram nítido que ele foi alvo de perseguição por parte da classe dominante brasileira, se valendo da Justiça, com apoio dos Estados Unidos.
Lula e Dilma incomodavam ao defenderem os interesses da maioria da população, além de lutarem por um país desenvolvido e soberano.
Não se pode esquecer que um dos objetivos do golpe de 2016 foi entregar o controle do então recém-descoberto pré-sal aos interesses estrangeiros.
Não se pode perder de vista, também, que estamos diante da descoberta de outro pré-sal, possivelmente até maior do que o anterior e que já desperta muita cobiça.
Como Lula é respeitado em todo o mundo, além de político dos mais hábeis e gestor tarimbadíssimo, ele conseguiu o que seus inimigos julgavam impossível: voltou ao poder pelo voto popular e até agora tem levado a melhor.
Tanto que os índices de aprovação de seu terceiro mandato não param de crescer. O que certamente tem irritado muito aos “barões da mídia”.
Por isso, nesses primeiros dias em que Lula estará se recuperando da cirurgia que fez no quadril, os ataques ao seu governo podem ganhar mais intensidade.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, queridinho da mídia, na véspera da cirurgia do presidente, deixou claro que não está satisfeito com os dois ministérios que obteve. Quer também a direção da Caixa Econômica Federal.
Como Lula já anunciou que não pretende promover mudanças na CEF, ele tentou, sem sucesso, paralisar as votações na Casa. Possivelmente Lira fará tudo para tentar ampliar o seu espaço durante o período em que Lula ficará em recuperação, despachando apenas virtualmente.
Também o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que parecia menos propenso a criar problema para o governo, mudou de ideia. Ao colocar em votação o Marco Temporal, que já havia sido derrotado uma semana antes pelo STF, abriu uma disputa entre poderes que só interessa ao agronegócio, aos grileiros de terras indígenas e, claro, aos militares golpistas de sempre.
Basta lembrar que Bolsonaro não fez outra coisa durante o seu governo do que desgastar as instituições, tentando abrir espaço para o retorno dos militares ao poder.
Daí o cuidado que as pessoas precisam ter ao se informar.
A mídia corporativa tem lado e esse lado não é o que interessa à maioria dos brasileiros.
Esse lado fica nítido, quando informação relevante é substituída por especulação, defesa dissimilada de golpista e até por anúncio de detergente.
Vale tudo para esconder as notícias boas e dar destaque apenas ao que interessa aos “barões” que se acham donos do poder.
Que falta faz a democratização da mídia no Brasil!
*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.
-Fonte: Viomundo
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