30 setembro 2025

Contra o Congresso da direita, o povo reconquista as ruas

 


Pronto, os ataques da reação açulada por Trump não ficaram sem resposta.

Domingo, dia 21, contra a anistia dos golpistas e a PEC da blindagem dos parlamentares em debate no Congresso, uma maré popular nas ruas – convocada com o lema “Congresso Inimigo do Povo” – reuniu centenas de milhares nas 27 capitais e em muitas dezenas de cidades mais, o que há muito não se via.

As ruas dialogam com a resistência palestina, presente nos atos, e olharam par a greve na Itália pela ruptura de relações diplomáticas

No país, a extrema-direita não tem mais o controle das ruas. Tremula a bandeira nacional, não a bandeira dos EUA.

Ganhou força a pauta popular no aumento da faixa IR para R$ 5 mil, a taxação dos super-ricos e o fim da jornada 6X1.

A PEC da bandidagem, o povo enterrou viva.

Anistia (“dosimetria”) para a pacificação do país, diz o centrão? Não há paz sem justiça! Cadeia para todos os golpistas, Bolsonaro, seus generais e suas conexões!

A entrada em cena das massas indignadas nas ruas – não só nas pesquisas – começou a mudar de vez a cena.

O STF, pendurado nos privilégios, não pode negociar um “acordão” para 8 de Janeiro.

Com esse Congresso não dá!

As ruas colocaram o Congresso em questão e, assim, o problema da representação. Não vendemos ilusões de ser maioria neste Congresso, enquanto não mudarem as regras do jogo. A própria licença do Congresso para processar parlamentar vinha da Constituição de 1988 (mudou em 2001). As emendas parlamentares também vem de 1988. Por outro lado, o Judiciário pendurado nos seus privilégios não tem a confiança do povo,

As ruas colocaram em questão os 12 deputados que viraram as costas ao seu mandato, e estão dando desculpas esfarrapadas para a conciliação inaceitável.

Lula pode e deve continuar se recuperando, com uma pauta soberana que rechace a ingerência imperialista, e que dialogue com as reivindicações populares. Atenção para as armadilhas que postas pelos inimigos internos e externos, nenhum passo atrás.

Nós, do Diálogo Petista Associação, estivemos nas ruas com nossos pirulitos, nossa voz foi ouvida. Não vamos baixar a guarda, tem muita coisa a ser feita. Contra Trump, defender o direito à migração de centenas de milhares de compatriotas, e rechaçar a agressão à Venezuela.

Agora, é toda força na organização para aumentar ainda mais a mobilização, nas lutas concretas em desde já, rumo a Lula 2026, com a pauta das reformas populares.

Para se capacitar para tanto, o DAP está numa importante campanha de arrecadação para setembro e outubro. Convidamos todos associados a contribuir e a confirmar a adesão às novas comunidades estaduais criadas e receber nosso boletim Sexta-feira.

Estará o PT à altura de responder aos desafios colocados? O que fazer?

O Comitê Nacional do DAP, nesta conjuntura, reforça a orientação de realizar Encontros Estaduais ainda este ano, para debates estas questões e renovar as Coordenações.

*A Secretaria, por mandato do Comitê Nacional do DAP

-Via site do Diálogo e Ação Petista -  DAP

26 setembro 2025

‘A história não morre’, diz militante contra a ditadura militar homenageada por feira literária em SP

Com o tema Resistência e Memória, SP recebe, até o dia 27 de setembro, a 11ª edição da Feira Literária da Zona Sul*

Ativista Ana Dias era casada com Santo Dias da Silva, operário que foi assassinado pelo regime em 30 de outubro de 1979 - Arquivo pessoal

Com o tema Memória e resistência – “A luta não é para hoje é para sempre”, a capital paulista recebe, até o dia 27 de setembro, a 11ª edição da Feira Literária da Zona Sul (Felizs). A programação é gratuita e acontece em escolas, bibliotecas, centros culturais e outros espaços públicos de São Paulo. Com destaque para a literatura, a atividade reúne a produção de artistas e escritores periféricos. 

Neste ano, a feira escolheu como homenageada Ana Dias, militante histórica, de 82 anos, que foi protagonista no enfrentamento à ditadura militar no estado. A ativista era casada com Santo Dias da Silva, operário que foi assassinado pelo regime em 30 de outubro de 1979 enquanto distribuía panfletos convocando trabalhadores para uma greve. 

Desde a morte de seu companheiro, Dias constrói, cotidianamente, uma trajetória de transformação do luto em luta. Foi uma das fundadoras do Clube das Mães, maior movimento feminino contra a ditadura, atuou nas comunidades eclesiais de base e no movimento contra a carestia. 

“É a teimosia, a força, a coragem e a decisão do nosso trabalho que fazem a diferença. E, neste momento, não é diferente. Tem aqueles que querem atrapalhar, mas tem muita gente para conquistar e estamos conquistando. Se hoje eu estou aqui falando não é de graça, é para manter essa história viva e permanente nos nossos dias”, enfatiza, em entrevista ao Conversa Bem Viver.

Para ela, a realização da feira também é um marco de intercâmbio entre diferentes gerações que se encontram na mobilização em defesa de direitos e de um projeto digno de vida para o Brasil.

“Eu fico muito feliz de conseguir ainda manter a cabeça boa e falar um pouco de toda minha trajetória. Felizs é um nome muito bom. Eu acredito muito nesses momentos, porque a história não morre. A história tem que estar sempre acesa na cabeça do povo, de toda a comunidade antiga e nova”, comemora. 

Para conhecer a programação completa da 10ª edição do Felizs, clique neste link. (...)

*Confira a entrevista clicando AQUI (via Brasil de Fato)

24 setembro 2025

Dois discursos, dois mundos

Os discursos nas Nações Unidas abriram caminho para uma aproximação, se não em termos de posições, pelo menos nas relações entre os dois líderes

Donald Trump e Lula (Foto: REUTERS)

Por Emir Sader*

Como costuma acontecer na abertura da Assembleia Geral da ONU, os presidentes do Brasil e dos EUA proferem os primeiros discursos. Mas nunca antes os discursos dos dois líderes foram tão contraditórios.

Lula falou não apenas como presidente de um país importante no mundo atual. Ele falou em nome do Sul Global, da vasta maioria da humanidade. Defendeu a prioridade de combater a fome no mundo, que ainda afeta mais de 700 milhões de pessoas. Também priorizou uma resolução pacífica para os conflitos mundiais, especialmente em Gaza. Defendeu a democracia e a soberania como questões inegociáveis, mencionando inclusive os BRICS.

Donald Trump, por sua vez, falou como se o discurso e o lugar dos EUA no mundo não tivessem mudado tão radicalmente sob sua administração. Ele defendeu os interesses egoístas dos atuais Estados Unidos, assim como se poderia pretender representar os interesses e as visões de grande parte do mundo, como aconteceu no passado recente.

O próprio presidente dos EUA reformulou a política interna e internacional de seu país e, assim, perdeu a capacidade hegemônica que tinha há várias décadas.

Os dois discursos representam a atual disputa global entre duas visões distintas e radicalmente contraditórias. A diferença é que é como se os Estados Unidos de Trump tivessem renunciado à posição de potência hegemônica global, defendendo seus interesses tarifários específicos. Enquanto isso, Lula se projetou como representante do Sul global.

No entanto, como resultado paradoxal, Lula e Trump, encontrando-se nos bastidores, cumprimentaram-se, abraçaram-se e, segundo Trump, se encontrarão novamente na próxima semana. Esse era um objetivo importante para Lula, que visa defender os interesses do Brasil diante da política tarifária americana, que Lula mencionou, condenando-a.

Lula fez um discurso no qual reiterou todas as posições que defendeu há muito tempo, contrariando tudo o que Trump disse, incluindo a menção ao genocídio em Gaza, referindo-se à cumplicidade dos EUA. Lula sabe que a menção aos BRICS é o que mais incomoda Trump, principalmente na questão da desdolarização.

Entre os efeitos do entendimento entre Trump e Lula está a derrota de Bolsonaro e dos bolsonaristas, que têm tentado intensificar as medidas do governo americano contra membros do governo brasileiro. Enquanto isso, Eduardo Bolsonaro, filho de Bolsonaro, está em processo avançado no Congresso brasileiro, buscando ser condenado e perder o mandato.

Veremos como se desenrolará o encontro entre Lula e Trump, marcado para a próxima semana. Se será presencial, onde ocorrerá e que tipo de acordo poderão chegar. A preocupação de Lula não é preencher lacunas políticas, mas sim tentar amenizar as medidas ofensivas do governo americano contra membros do governo brasileiro. Lula sempre se preocupou em separar as medidas econômicas do governo Trump do processo de impeachment contra Bolsonaro, objetivo que parece estar a caminho de alcançar.

Os discursos nas Nações Unidas abriram, assim, caminho para uma aproximação, se não em termos de posições, pelo menos nas relações entre os dois líderes.

*Emir Sader é colunista do 247. É um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros. -Fonte: Brasil247

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*Leia também:  Veja os principais trechos do discurso de Lula na Assembleia da ONU (Clique Aqui)

22 setembro 2025

Esquerda vira o jogo nas ruas e avança para derrotar anistia e PEC da Blindagem

Brasileiros mostraram que não vão abrir mão do seu protagonismo político

Manifestação contra a anistia [aos golpistas] em Curitiba (Foto: Gibran Mendes)


Por Bepe Damasceno*

Tenho algum tempo de estrada acompanhando e participando de manifestações políticas. Seus sucessos ou fracassos, em geral, se medem por um critério objetivo: a quantidade de gente que atraem.

Mas, no meu caso, tento levar em conta também alguns fatores subjetivos. Neste domingo, em Copacabana, ao notar o semblante, o brilho nos olhos das centenas de milhares de pessoas presentes, percebi que uma fagulha cívica havia sido acesa.

No meio da multidão, o ar estava impregnado por uma atmosfera positiva. A praia mais famosa do Brasil fora tomada pela esperança coletiva de que os inimigos da democracia não passarão, que os golpistas não ficarão impunes e que os congressistas brasileiros serão forçados a recuar em sua tentativa de se colocar acima da lei.

Mais do que isso, os brasileiros mostraram que não vão abrir mão do seu protagonismo político e que, mais uma vez, querem escrever a história nas ruas.

Se tiverem um mínimo de juízo, os deputados que atuam como inimigos do povo, no mínimo, colocarão suas barbas de molho.

Mesmo evitando o terreno minado das comparações, foi impossível não sentir uma energia que lembrava campanhas memoráveis, como a das Diretas Já ou o Fora Collor.

O show dos gigantes da música popular brasileira — Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, entre outros — foi a cereja do bolo, provocando uma verdadeira apoteose.

Mais animador ainda é saber que atos massivos aconteceram em dezenas de cidades do país, com destaque para São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Recife, Salvador e Porto Alegre.

As placas tectônicas da política se moveram neste domingo histórico.

Cabe agora aos segmentos populares aproveitarem a onda para emplacar também a isenção de pagamento de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e o fim da jornada desumana de 6 x 1.

Segue o baile.

*Jornalista - via Brasil247

20 setembro 2025

Brasil dá ao mundo uma lição de democracia ao condenar os golpistas de 8 de janeiro

O país mostra que, mesmo com todas as suas contradições e desafios, tem maturidade institucional para resolver crises dentro do marco legal

Deputado federal Alexandre Lindenmeyer (PT-RS) | Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Por Alexandre Lindenmeyer (*)

O Brasil vive hoje um momento histórico que ecoará por gerações e atravessará fronteiras. A condenação, pelo Supremo Tribunal Federal, dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 — incluindo generais e articuladores civis — representa muito mais do que a punição de criminosos: é a afirmação vigorosa de que a democracia brasileira resistiu, reagiu e venceu.

Por décadas, golpes de Estado e ditaduras na América Latina deixaram marcas profundas: censura, tortura, desigualdade e medo. O fantasma do autoritarismo sempre rondou nossas instituições. Mas, desta vez, a história seguiu outro rumo. Ao responsabilizar os golpistas, o Brasil envia uma mensagem clara ao mundo: a democracia pode — e deve — triunfar sobre a tirania.

Essa decisão histórica tem impacto que vai além das nossas fronteiras. Em tempos em que regimes autoritários tentam avançar em várias partes do globo e ataques às instituições democráticas se multiplicam, o exemplo brasileiro funciona como farol. Ele demonstra que estabilidade política, crescimento econômico e coesão social dependem da defesa firme da ordem democrática e do combate às tentativas de usurpação do poder popular.

Não se trata apenas de fazer justiça pelo que aconteceu em Brasília naquela manhã de janeiro. Trata-se de consolidar um pacto civilizatório. A democracia não é um bem adquirido de uma vez por todas — ela exige vigilância, coragem e ação cotidiana. Os golpistas buscavam semear o caos, desacreditar as instituições e reverter, pela força, a escolha do povo nas urnas. Ao condená-los, o Brasil reafirma que a soberania não se negocia, a liberdade não se entrega e a independência nacional não se dobra à truculência.

A mensagem é poderosa: generais não estão acima da Constituição, nem qualquer líder ou facção pode desafiar impunemente o Estado Democrático de Direito. O país mostra que, mesmo com todas as suas contradições e desafios, tem maturidade institucional para resolver crises dentro do marco legal.

Esse triunfo, no entanto, não encerra a luta. A história ensina que o autoritarismo é persistente e que a democracia deve ser defendida todos os dias, nas urnas, nas ruas, nos parlamentos e nos tribunais. O Brasil, ao vencer este embate, não apenas fortalece seu presente: ele oferece ao mundo um caminho possível, um sopro de esperança para povos que ainda enfrentam a opressão.

Hoje, o Brasil diz ao mundo que as ditaduras podem ser derrotadas. Diz que soberania é inseparável de liberdade, e que a força de um país reside na coragem de seu povo em defender suas instituições. É um recado histórico: a democracia brasileira sobreviveu ao golpe e saiu mais forte — e esse exemplo pode iluminar o futuro de todas as nações que acreditam na liberdade.

(*) Deputado federal PT-RS - via Sul21

19 setembro 2025

PEC da Blindagem: o novo golpe parlamentar contra a democracia

A PEC da Blindagem ou, da Bandidagem, é mais do que um ataque ao STF. É a legalização do crime, a transformação do Congresso em reduto do submundo

Câmara dos Deputados (Foto: Mateus Banomi/Reuters)

Por Florestan Fernandes Jr*

Para aprovar a PEC da Blindagem e a urgência do projeto de anistia aos golpistas, bastou um motim da extrema-direita, que ocupou a mesa da Câmara e a cadeira do presidente Hugo Motta.

Na noite de quarta-feira (17/09), os próprios parlamentares desferiram mais um golpe contra a já sofrida democracia brasileira. A PEC da Blindagem tem como objetivo imediato impedir que o STF continue investigando e punindo dezenas de parlamentares envolvidos em repasses com claros indícios de corrupção.

Se for aprovada também pelo Senado, essa PEC pode desfigurar por completo o papel do Legislativo dentro do Estado Democrático de Direito.

Em breve, além das tradicionais bancadas das armas, dos mercadores da fé e da polícia, poderemos assistir ao surgimento de novas bancadas: a das milícias e a do crime organizado. Isso é mais do que provável. Afinal, qual criminoso, membro de facções e afins não desejaria se estabelecer no Olimpo da impunidade, pairando absoluto, acima de toda e qualquer espécie de investigação ou processo judicial? E isso, caro leitor, para toda e qualquer espécie de ilícitos. A corrida eleitoral no pleito de 2026 terá, certamente, representantes de toda ordem de organizações criminosas... dinheiro e poder para se eleger, têm de sobra.

Eis o cardápio de impunidade oferecido pelo nosso Parlamento:

1.⁠ ⁠Pelo texto aprovado na Câmara, que também se estenderá aos legislativos estaduais e municipais, o Poder Judiciário terá que pedir autorização das Casas Legislativas para processar um parlamentar. A votação para autorizar ou não, será secreta.

2.  A prisão em flagrante de parlamentares dependerá da decisão do plenário da Casa Legislativa, que votará, também em segredo, se a mantém ou não.

3.  A PEC da Blindagem amplia o foro privilegiado, incluindo, além dos parlamentares, os presidentes de partidos com representação no Congresso. Imagine um líder de organização criminosa presidindo seu próprio partido, com direito a foro especial e financiado por recursos públicos do fundo partidário. A concretização das mais absurdas distopias.

É assustador ver o projeto fascista avançar contra a democracia sem reação à altura. Pior ainda: sem estratégia. Alguns parlamentares da própria base do governo. PT, PDT e PSB acabaram votando a favor da PEC da Impunidade. 

A PEC da Blindagem ou, da Bandidagem, é mais do que um ataque ao STF. É a legalização do crime, a transformação do Congresso em reduto do submundo. Quem vota por essa proposta, não defende a democracia, mas o próprio bolso, os próprios interesses não republicanos, a própria sobrevivência política. Não há meio-termo: ou derrotamos a PEC da Impunidade no Senado, ou estaremos condenados a viver, em breve, num país comandado por milicianos e toda sorte de criminosos de terno e gravata.

*Jornalista e Diretor de Redação do Brasil247, fonte desta postagem

PEC DA IMPUNIDADE (Charge do Gilmar*)

 


*Via https://www.viomundo.com.br/

11 setembro 2025

11 DE SETEMBRO - No Chile de Allende descobri o que era democracia, diz ex-guerrilheiro perseguido pela ditadura no Brasil

Raul Ellwanger explica como foi viver no primeiro governo socialista eleito na América Latina

Salvador Allende foi eleito presidente em 1970 com um projeto de refundação do Estado chileno baseado numa constituinte - Arquivo / Vice-presidência Venezuela

Por Rodrigo Durão Coelho*

Em setembro de 1970,  Raul Ellwanger tinha quase 23 anos e chegou ao Chile para escapar da ditadura brasileira, país onde ficou até a brutal deposição do governo de Salvador Allende em 11 de setembro de 1973. Estudante de direito e militante do grupo guerrilheiro Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares) ele começou a construir no país andino uma bem sucedida carreira de músico, tendo composições suas gravadas por nomes como Elis Regina, Beth Carvalho e Mercedes Sosa.

“Tenho uma gratidão imensa aos chilenos e orgulho de ter participado daquele processo, ter corrido riscos, como muitos brasileiros e ter entregue uma parte nossa àquele país em retribuição ao carinho e proteção que nos deram”, disse ele ao Brasil de Fato. Ellwanger é um dos líderes do grupo de ex-exilados brasileiros que mantém uma forte ligação com o Chile, incluindo viagens e participações em eventos de memória.

À reportagem, ele contou como foi sua experiência, os antecedentes, o governo do primeiro socialista democraticamente eleito na América Latina, Salvador Allende, que define como “um projeto lindo e um tanto quanto ingênuo” e a brutal repressão que derrubou seu governo e esmagou os direitos humanos no país até 1989. Leia abaixo:

Brasil de Fato: Como foi sua decisão de ir para o Chile? Quais as circunstâncias?

Raul Ellwanger: A minha saída para o Chile foi motivada porque, depois de pouco mais de um ano e meio de clandestinidade bastante severa, passando por algumas situações de gravíssimo risco, e estando o meu grupo político muito debilitado, sem estrutura, o que me levava, inclusive, a passar mais riscos ainda, necessidades de manutenção, eu pedi autorização e fui para o Chile. Então, é uma mistura de abandono pessoal com a sua circunstância genérica de grande debilidade do meu grupo que não tinha condições de me manter mais.

Havia rede de apoio?

Não havia rede de apoio. Eu saí praticamente com a roupa do corpo, com uma pequena muda, um pouco de dinheiro e documentação falsa. E fui por terra, pipocando de cidade em cidade, trocando de ônibus, até chegar em Santiago. No Chile não conhecia ninguém, inclusive em Santiago, na própria rodoviária, já tomei mais um ônibus e rumei 500 quilômetros ao sul para chegar em Concepción, porque lá eu tinha o nome do professor Ruy Mauro Marini, que um companheiro da clandestinidade tinha me passado. Ele era apoio, ajudava aos brasileiros e assim ocorreu realmente, eu fui muito bem recebido pelo Ruy e pude então ficar por lá em Concepción alguns meses.

Como era seu cotidiano?

A principal sensação que eu tive naquele momento no Chile foi descobrir o que era a democracia. Principalmente, acho que foi no dia 4 de novembro de 1970, onde eu assisti a uma manifestação de mais de um milhão de pessoas na famosa Alameda de Santiago, quando foi a posse do presidente, o doutor Salvador Allende. Essa foi a principal descoberta.

Parece que a gente queria aproveitar ao máximo aquela democracia, aquela liberdade, aquela possibilidade de estudar também. Pude finalmente estudar um pouco daquelas teorias que eu só conhecia de ouvir dizer. Então, foi muito lindo no sentido também da recepção amorosa que tivemos do povo chileno, ou da maioria do povo chileno. Era um cotidiano de muita agitação, intensidade, “vamos ter manifestação, vamos estudar”. Eu tocava um pouco já, então foi muito agitado, rico, muito intenso, até o dia do Golpe de Estado, que mudou tudo, e aí seria o caso de outra resposta.

Na época, como vocês enxergavam o governo de Salvador Allende?

Nós brasileiros, que já vínhamos de uma experiência muito dura aqui com o regime, não tínhamos o mesmo otimismo que tinham quase todos os chilenos em relação ao distanciamento político dos seus militares. Ao olhar para o governo Salvador Allende, que era um projeto lindo, bonito, humanitário, enfim, era um democrático, respeitoso das pessoas e das leis, das constituições, a gente olhava com esse olhar também generoso e participávamos generosamente disso, algumas vezes até arriscadamente.

Mas a gente tinha essa percepção de que não dava para confiar completamente no caráter democrático das Forças Armadas. Infelizmente, isso se confirmou. Então se fosse para usar dois adjetivos para o governo seriam otimista, por um lado, mas ingênuo por outro.

Mais de 50 anos depois, algo mudou no seu julgamento desse governo?

A minha avaliação do governo do presidente Allende é aproximadamente a mesma. Olhando assim a distância, eu avaliaria algumas modificações no sentido de ter mais boa apreciação pelo que eles conseguiram fazer. E aí eu falo conseguir fazer os pescadores, os mineiros, os camponeses, gente analfabeta, os trabalhadores, os estudantes, os políticos, os partidos, que conseguiram conquistar um país politicamente, democraticamente, e isso é uma coisa que na época a gente não percebia.

A gente estava muito focado na história da ditadura. então era tudo preto no branco. Hoje eu avalio com muito mais benevolência, com muito mais carinho esse esforço que, na verdade, dramaticamente, eu e a maioria dos brasileiros, a gente suspeitava que aquilo um dia seria interrompido.

Como foram os antecedentes do Golpe de 11 de Setembro?

Eu pessoalmente não tinha experiência de golpes de Estado, dada a minha idade. Então, no Chile, as coisas iam se sucedendo vertiginosamente e talvez hoje eu não saiba responder como é que foi minha visão daquele momento, porque sou influenciado pela visão que tenho hoje. Aliás, todas essas respostas minhas estão influídas pela visão que eu tenho hoje.

Era uma espécie de torvelinho. As ofensivas contra o governo começaram antes de seu início, com o assassinato do general Schneider, outra tentativa de assassinato, não me lembro de quem, e com a exigência da democracia cristã, antes da posse de Allende, de que a unidade popular assinasse uma carta, compromisso de defesa da democracia, o que era quase uma bobagem, era quase uma humilhação, mas que foi aceito isso justamente porque não mudava nada. Mas já estava lá a própria democracia cristã, naquele momento, fazendo já as suas primeiras pressões.

Os setores industriais, a parte da agricultura, a parte financeira, a grande mídia que teve o seu senhor Edwards como um dos maiores organizadores do golpe, dado que ele, inclusive, se mudou para os Estados Unidos antes da posse do Allende e só voltou depois da sua derrubada. Eram ofensivas judiciais e atos terroristas, como sabotagem de torres elétricas, exigências de todo tipo. Não parava, não parava, até que foi muito dramática a greve dos caminhoneiros.

Aquilo realmente foi paralisando o país e nos deixando, inclusive, na penúria alimentar, enquanto a gente via as imagens daqueles acampamentos, centenas e centenas de caminhões fazendo churrasco, tocando violão, muito alegres e supimpas lá, evidentemente, com o abastecimento trazido de outros lados. Os caminhoneiros, que inclusive não eram grandes indústrias de caminhões, eram muito caminhões individuais, pequenos proprietários, pequenos empresários.

Ali a situação se agravou muito, a tensão foi crescendo até que culminou no golpe. A gente não tinha uma visão de que estava tudo arquitetado, combinado> A força naval norte-americana estava ao largo de Valparaíso e os caminhoneiros no interior fazendo churrasco e não entregando a mercadoria. A gente não tinha uma visão muito clara, mas a gente sentiu que aquilo ia vindo.

Como foi o dia do Golpe? O que te marcou mais?

O dia do golpe foi um dia aparentemente normal. Eu saí de manhã, peguei a micro, como é que chama? A micro-lotação, fui à faculdade para integrar a resistência que iria haver, combinada, mas não havia nada lá organizado assim. E eu voltei para a minha casa e tratei de salvar algumas pessoas que moravam comigo, coisa que eu efetivamente consegui, inclusive crianças.

Um companheiro meu, o Bob, ele, entretanto, não quis sair, ficou na casa, e nessa mesma noite, essa nossa casa foi invadida por um, sei lá, um pelotão do exército chileno, quebraram tudo, entraram, prenderam o meu amigo, e já tinham levado o caminhão de mudança, fizeram a limpa na casa, deixaram a casa peladinha, com todas as nossas coisas, nossas roupas, instrumento musical, eletrodomésticos, uma coisa até bem prosaica e bem grotesca de fazerem na noite do dia 11 já.

O que me marcou na noite de 11 de setembro foi que da janela da cozinha que dava para o centro da cidade a gente via passarem os aviões e escutava o seu ronco baixo por cima da nossa janela. A gente via os aviões roncarem em direção ao centro, lá eles dobravam à esquerda e picavam. E o som deles desaparecia e a gente não ouvia nada de bombardeio. Então eles faziam a volta, voltavam pela nossa esquerda, vinham por trás novamente e bicavam pela frente da nossa janela, nos deixando às costas, em direção ao centro da cidade. Isso é uma coisa que me marcou. Eu até hoje tenho síndrome de barulho forte de aviões.

Quando tem manobras aqui de aviões a jato, em Canoas, que fazem muito barulho aqui. eu tomo sustos que me espantam, que não são da minha natureza. Isso foi o que me marcou mais. Aquela força bruta, aquela capacidade fria de atirar não só contra as pessoas, contra um governo do país e também contra os símbolos do próprio país, como o Palácio de La Moneda.

O governo Pinochet declarou brasileiros como inimigos. Como foi isso?

No segundo ou terceiro comunicado da junta militar, eles já começaram a falar dos estrangeiros, que era apenas, na verdade, uma coisa absolutamente sem importância, mas isso era um fator de xenofobia, para unificar o povo chileno em torno, presuntamente, supostamente, daquele grupo golpista.

Eles começaram a falar, inclusive, já não sei se nesse terceiro ou quarto, começaram a dar uma lista de brasileiros, começaram a falar de Teotônio dos Santos, José Maria Rabelo, que evidentemente eram pessoas públicas, eram pessoas que ocupavam cargos, que estavam muito exilados lá, muito antes do tempo do Allende, denotavam que eles não sabiam nada, era mais uma manobra de propaganda. mas foi ruim e a nossa casa justamente foi apontada por um vizinho que já estava nos espiando, fazendo inteligência contra nós, como uma casa de estrangeiros que estavam armados, que não sei o que, não sei o que. Então isso também funcionou, infelizmente.

Você saiu do Chile quando e sob quais condições?

Eu fiquei clandestino no Chile aproximadamente uns 40 dias cuidando dessas pessoas, que gradualmente eu, com a ajuda da família que tinha escondido a mim e a essas pessoas, conseguiram ir sendo acolhidas nos refúgios do Comitê de Imigrações Europeias, o CIMI, e também da Igreja Católica, o Padre Hurtado, o Padre Errassuris, enfim, alojamentos que gozavam de imunidade, em acordo com o regime novo, recém-instalado, que justamente protegia crianças, mulheres, famílias, idosos, além das embaixadas que também refugiaram muita gente. Eu lembro e elogio muito a da Argentina, que chegou a ter 700 pessoas lá, entre os quais aproximadamente uns 120 brasileiros.

Depois, com as negociações, esses estrangeiros iam sendo mandados já para o aeroporto em voos que esperavam, prontos, ou passavam a esses territórios com imunidade da Igreja Católica, da Acnur e do CIMI.

Eu já estava em situação legal no Chile, documentos que eu tenho até hoje aqui, eu era um cidadão legalizado no Chile, não era exilado, era um cidadão que chegou lá e pediu para morar lá e foi aceito. Depois desse mês, também fiquei escondido porque eu não tinha casa para morar não tinha nada, eu estava com a roupa do corpo de novo mas nesse caso eu tinha meu documento então essa família conseguiu através dos seus contatos no centro da cidade naqueles escritórios de advogados pititi e patatá conseguiu um passe de 24 horas.

As pessoas outras da casa já tinham entrado nos refúgios, só sobrava eu, era muito ruim a situação, muito difícil, estava colocando aquela família em muito risco, e finalmente eles conseguiram esse passe, aí eu entrei de novo num ônibus pequeno e fui cruzando a cordilheira até a Argentina, onde finalmente cheguei em Mendoza, por terra.

Como você avalia a forma com que o Chile lidou com seu passado ditatorial?

Eu penso que o Chile lidou de forma contraditória com esse seu passado. Por um lado, a justiça chilena normal, que julga um ladrão de laranjas, essa justiça também julgou muitos hierarcas, muitos quadros médios, muitos quadros pequenos, enfim, houve muita condenação, também houve absolvições, e esse processo, inclusive, continua.

Então, o Chile tem uma marca de fazer, ajustar as contas com aqueles criminosos de lesa humanidade a partir de 1973. Entretanto, pela permanência do regime de Pinochet, pela permanência da ditadura, pelos sucessivos vai e vem nas reformas constitucionais, o Chile ficou numa esp de paradoxo, um meio termo entre a justiça e a impunidade Isso tanto na vida real como na vida judicial, na vida legal, na legislação.

A legislação continua contraditória e a situação social continua contraditória. É um passo muito positivo se comparado com o Brasil, onde não aconteceu nenhuma coisa nem outra. E, então, o Chile lidou, digamos, de uma maneira razoável com o seu passado ditatorial e vem se mantendo, elegendo quadros que tiveram comprometimentos com o regime da ditadura, outros que não, socialistas, agora novas candidaturas de comunistas, enfim, é um pouco o retrato dessa América Latina que vai zigzagueando, né, entre a liberdade e o autoritarismo, entre a verdade e a mentira, entre a impunidade e a justiça.

O que fica da experiencia de ter vivido naquele país?

Eu posso dizer que sou duas pessoas. A pessoa que era antes de ter morado no Chile e que me tornei depois. E também após ter morado na Argentina. Então, primeiro descobri a América Latina, essa maravilha, esse universo de belezas naturais, de cultura, de música, de culinária, de gentes, de mulheres bonitas, de histórias heroicas de negros, de indígenas, dos brancos, dos mamelucos, dos colonos.

Uma terra generosa, riquíssima e com um passado glorioso, especialmente o lado da colonização ibérica nas suas lutas pela independência, com San Martín, Higgins, Bolívar, mas também o nosso país aqui, no caso do Rio Grande do Sul.

Aprendi o idioma, uma cultura, descobri os alimentos, os perfumes, os amores, a música aprendi, chacareira, milonga, chamamê, compus canções, toquei, conheci músicos. Noivei, separei, noivei de novo. Tenho uma gratidão imensa ao Chile e Argentina ou a partes principais dos seus povos os amigos conhecidos, profissionais, os professores. Estudei Sociologia em Concepción, Sociologia em Santiago, Sociologia em Buenos Aires e Composição e Regência em Buenos Aires.

Eu tenho 11 anos de estudos universitários, somando o direito em Porto Alegre, e não tenho nenhum canudo. Eu sou quase várias coisas. Então, tá, eu sou quase, é isso que eu estou. A experiência foi essa e tenho uma gratidão imensa e também orgulho. Orgulho, especialmente no caso chileno, de ter participado daquele processo, ter colaborado, ter também corrido os meus riscos, como muitos outros brasileiros, têm entregue uma parte nossa para aquele país em retribuição ao carinho, à proteção que nos deram.

Nós temos eventos cada dois anos: Brasil Agradece ao Chile é um, Viva a Chile é outro, temos mantido desde 2011 essa periodicidade, com visitas aos centros de memória, os lugares onde os brasileiros estiveram sequestrados, em Concepción, em Osorno, em Valparaíso, Santiago, promovendo a fixação de placas, declarações de cidadania. Enfim, há uma imensa dívida de carinho e um imenso orgulho também por ter estado junto dos chilenos, tanto nos maus como nos bons momentos.