Os discursos nas Nações Unidas abriram caminho para uma aproximação, se não em termos de posições, pelo menos nas relações entre os dois líderes
Donald Trump e Lula (Foto: REUTERS)Por Emir Sader*
Como costuma acontecer na abertura da Assembleia Geral da ONU, os presidentes do Brasil e dos EUA proferem os primeiros discursos. Mas nunca antes os discursos dos dois líderes foram tão contraditórios.
Lula falou não apenas como presidente de um país importante no mundo atual. Ele falou em nome do Sul Global, da vasta maioria da humanidade. Defendeu a prioridade de combater a fome no mundo, que ainda afeta mais de 700 milhões de pessoas. Também priorizou uma resolução pacífica para os conflitos mundiais, especialmente em Gaza. Defendeu a democracia e a soberania como questões inegociáveis, mencionando inclusive os BRICS.
Donald Trump, por sua vez, falou como se o discurso e o lugar dos EUA no mundo não tivessem mudado tão radicalmente sob sua administração. Ele defendeu os interesses egoístas dos atuais Estados Unidos, assim como se poderia pretender representar os interesses e as visões de grande parte do mundo, como aconteceu no passado recente.
O próprio presidente dos EUA reformulou a política interna e internacional de seu país e, assim, perdeu a capacidade hegemônica que tinha há várias décadas.
Os dois discursos representam a atual disputa global entre duas visões distintas e radicalmente contraditórias. A diferença é que é como se os Estados Unidos de Trump tivessem renunciado à posição de potência hegemônica global, defendendo seus interesses tarifários específicos. Enquanto isso, Lula se projetou como representante do Sul global.
No entanto, como resultado paradoxal, Lula e Trump, encontrando-se nos bastidores, cumprimentaram-se, abraçaram-se e, segundo Trump, se encontrarão novamente na próxima semana. Esse era um objetivo importante para Lula, que visa defender os interesses do Brasil diante da política tarifária americana, que Lula mencionou, condenando-a.
Lula fez um discurso no qual reiterou todas as posições que defendeu há muito tempo, contrariando tudo o que Trump disse, incluindo a menção ao genocídio em Gaza, referindo-se à cumplicidade dos EUA. Lula sabe que a menção aos BRICS é o que mais incomoda Trump, principalmente na questão da desdolarização.
Entre os efeitos do entendimento entre Trump e Lula está a derrota de Bolsonaro e dos bolsonaristas, que têm tentado intensificar as medidas do governo americano contra membros do governo brasileiro. Enquanto isso, Eduardo Bolsonaro, filho de Bolsonaro, está em processo avançado no Congresso brasileiro, buscando ser condenado e perder o mandato.
Veremos como se desenrolará o encontro entre Lula e Trump, marcado para a próxima semana. Se será presencial, onde ocorrerá e que tipo de acordo poderão chegar. A preocupação de Lula não é preencher lacunas políticas, mas sim tentar amenizar as medidas ofensivas do governo americano contra membros do governo brasileiro. Lula sempre se preocupou em separar as medidas econômicas do governo Trump do processo de impeachment contra Bolsonaro, objetivo que parece estar a caminho de alcançar.
Os discursos nas Nações Unidas abriram, assim, caminho para uma aproximação, se não em termos de posições, pelo menos nas relações entre os dois líderes.
*Emir Sader é colunista do 247. É um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros. -Fonte: Brasil247
...
*Leia também: Veja os principais trechos do discurso de Lula na Assembleia da ONU (Clique Aqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário