13 dezembro 2009

Poema














Poema – Prólogo

Fui assassinado.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.

Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.

Tornei-me mineral

memória da dor.

Para sobreviver,

recolhi das chagas do corpo

a lua vermelha de minha crença,

no meu sangue amanhecendo.


Em cinco séculos

reconstruí minha esperança.

A faca do verso feriu-me a boca

e com ela entreguei-me à tarefa de renascer.


Fui poeta
do povo da noite
como um grito de metal fundido.

Fui poeta
como uma arma
para sobreviver
e sobrevivi.


Companheira,

se alguém perguntar por mim:

sou o poeta que busca

converter a noite em semente,

o poeta que se alimenta

do teu amor de vigília

e silêncio

e bebeu no próprio sangue

o ódio dos opressores.


Porque sou o poeta
dos mortos assassinados,
dos eletrocutados, dos “suicidas”,
dos “enforcados” e “atropelados”,
dos que “tentaram fugir”,
dos enlouquecidos.

Sou o poeta
dos torturados,
dos “desaparecidos”,
dos atirados ao mar,
sou os olhos atentos
sobre o crime.

Companheira,

virão perguntar por mim.

Recorda o primeiro poema

que lhe deixei entre os dedos

e dize a eles

como quem acende fogueiras

num país ainda em sombras:

meu ofício sobre a terra
é ressuscitar os mortos
e apontar a cara dos assassinos.


Porque a noite não anoitece sozinha.

Há mãos armadas de açoite

retalhando em pedaços

o fogo do sol

e o corpo dos lutadores.


Venho falar
pela boca de meus mortos.
Sou poeta-testemunha,
poeta da geração de sonho
e sangue

sobre as ruas de meu país.

Sobreviveremos


Perdemos a noção do tempo.

A luz nos vem da última lâmpada,

coada pela multidão de sombras.

A própria voz dos companheiros tarda,


como se viesse de muito longe,

como se a sombra lhe roubasse o corte.

Nessa noite parada sobrevivemos.

Ficou-nos a palavra, embora reprimida.


Mas o murmúrio denuncia que a vitória

não foi completa. Dobra o silêncio

e envia o abraço de alguém

cujo rosto nunca vimos e, todavia, amamos.


Nessa noite parada sobrevivemos.

Sobreviveremos.

Ficou-nos a crença, de resto, inestinguível,

na manhã proibida.


Pedro Tierra*

*Pedro Tierra é o pseudônimo do poeta Hamilton Pereira (Porto Nacional - TO, 1948)

3 comentários:

YvyB disse...

Oi Júlio !
Sofrida a poesia de Hamilton.
Abobrinhas fez relato de um periodo e também adicionou Hamilton.
O que mudou ?

Abrs.

JÚLIO GARCIA disse...

Salve, Yvy!

A qualidade e profundidade do Pedro Tierra dispensa comentários...
Sobre o que mudou, entendo que mudou muita coisa: vencemos a ditadura, resgatamos a maioria dos direitos da cidadania, das liberdades democráticas, da nossa auto-estima. Nestes anos de governo Lula, avançou-se bastante nas áreas sociais, na educação, na geração de emprego e renda; o pais tem uma política internacional correta e por isso é agora respeitado lá fora...etc. etc. Mas concordo contigo e com o poeta: "Mas o murmúrio denuncia que a vitória não foi completa."
Tem muita, muita coisa ainda a ser feita. Tem muita coisa também para ser corrigida. Mas acho que estamos no caminho...
Grande abraço!

Unknown disse...

Então... oremos :)
Considero muiiiiiito longo e demorado.

Abrs!