07 fevereiro 2012

Debate


Incertezas

Por Wladimir Pomar*   

É fora de dúvida de que muitas das incertezas que se referem ao Brasil estão vinculadas à democratização dos meios de comunicação, à reforma do sistema tributário e do sistema político, assim como a outras reformas que se poderiam chamar de estruturantes. Também não parece haver dúvidas de que, sem acumular forças sociais e políticas de certa envergadura, para lutarem pela realização dessas reformas, o Brasil não terá fôlego para administrar a crise internacional e evitar danos à sua economia e a seu povo.

Diante disso, faz sentido a reclamação de alguns sobre a necessidade de discutir medidas eficazes para reverter o chamado processo de desindustrialização. Também faz sentido que se preocupem que tal discussão não esteja centrada no plano das ideologias, embora às vezes eles confundam como excludentes o plano das idéias e o plano das ideologias. O correto consiste em considerar no plano das idéias tanto a ideologia, quanto a economia e a política. O que é preciso é diferenciar o âmbito de cada uma dessas idéias e, ao mesmo tempo, estabelecer as relações existentes entre elas.

A ideologia trata dos valores fundamentais, de classe, que orientam o pensamento e as ações. A ideologia socialista, por exemplo, comporta como valores a solidariedade, a democracia econômica, social e política, o ganho de acordo com a capacidade, e o respeito aos bens públicos. A ideologia capitalista, ao contrário, tem como valores a competição, a democracia política formal, o ganho de acordo com a perspectiva de lucro máximo, e a luta permanente para transformar os bens públicos em bens privados.

Na situação atual do Brasil, essa discussão ainda é secundária. Para que a ideologia socialista se dissemine pelo conjunto da sociedade será necessário construir uma base material que possa atender, pelo menos numa extensão razoável, às necessidades da maior parte dessa sociedade. Como tal base material ainda não está estruturada, para tanto sendo imprescindível desenvolver antes as forças produtivas, isso fornece as condições para a hegemonia da ideologia capitalista, já que ela responde melhor àquela tarefa histórica.

Portanto, centrar a discussão atual sobre os problemas brasileiros no campo da ideologia, isto é, da contradição entre socialismo e capitalismo, é um erro de caráter político. Como também é um erro político supor que o PT e outros partidos socialistas, diante da hegemonia da ideologia capitalista, devam abandonar a ideologia socialista.

Esses partidos, embora devam reconhecer que as condições materiais do país ainda impõem o desenvolvimento capitalista, não podem deixar que seus dirigentes e militantes assumam a ideologia capitalista e sejam confundidos com os dirigentes e militantes dos partidos que representam a classe dos capitalistas. A ideologia socialista precisa manter-se como âncora e perspectiva de futuro, porque os socialistas devem estar preparados para quando o capitalismo e a luta de classes dos trabalhadores trouxerem à tona a contradição inconciliável entre a produção social e a apropriação privada.

É evidente, portanto, que as discussões dos socialistas devam estar centradas na política que responda às condições reais presentes na situação brasileira. E, quando se fala de política, fala-se dos inimigos principais; dos inimigos secundários; dos aliados; das forças fundamentais com que se conta; dos objetivos a serem alcançados; das estratégias e táticas para isolar os inimigos principais, e neutralizar ou ganhar os inimigos secundários; da correlação de forças; das táticas e dos métodos para mudar essa correlação de forças (que se pode chamar de acumulação de forças); assim como das formas de organização e de luta capazes de canalizar a luta das grandes massas do povo para alcançar os objetivos táticos e estratégicos delineados.

Assim, ao contrário do que pensam alguns, a discussão sobre os inimigos não está no plano das ideologias, nem é uma perda de tempo. Ela é uma questão política estratégica. Define praticamente todos os demais aspectos da disputa política, inclusive nos ajudando a não praticar o famoso fogo amigo, de dar tiros nos aliados, ao invés de concentrar as baterias no verdadeiro inimigo. Isto, tanto em termos nacionais e internacionais, quanto em termos econômicos, sociais e políticos.

No Brasil ainda há muita confusão a respeito. Em termos internacionais, para muitos o problema central são os chineses. Em termos econômicos nacionais, nem sempre se diferenciam os setores industriais nacionais dos oligopólios e monopólios estrangeiros. É comum se tratar tudo como indústria brasileira e definir políticas iguais para todos, tanto de defesa comercial, quanto de financiamentos e investimentos.

Ainda do ponto de vista econômico, permanece a tendência de achar que o novo ciclo de desenvolvimento iniciado por Lula e continuado por Dilma já deu fim ao neoliberalismo. Com isso, desconsidera-se que a disputa nesse campo continua intensa. O que às vezes conduz a não se avaliar adequadamente as variáveis internas da recente inflação, causada principalmente por desequilíbrios entre a demanda e a oferta de alimentos e de outros bens de consumo. E a não se tomarem as decisões econômicas, sociais e políticas profundas que possam reverter esse quadro.

Essa situação exige não só medidas de crédito e financiamento à agricultura familiar, mas principalmente ações que ampliem fortemente esse setor produtivo. O que só pode ser feito incorporando alguns milhões de lavradores sem-terra à produção, e elevando o padrão técnico e industrial da economia agrícola familiar, de modo a incrementar ainda mais sua participação na oferta de alimentos ao mercado interno.

Para finalizar esses poucos exemplos do plano da política, convém salientar que muitos parecem satisfeitos com as medidas de regulação do crédito e de estabilização do câmbio através da cobrança de IOF e do registro das operações com derivativos. Na prática, isso reduz a entrada de recursos externos de curto prazo, ou especulativos, no país. Mas não os impede. E, como não há uma política clara de estímulo a investimentos externos diretos, que deveriam ser direcionados para adensar as cadeias produtivas industriais e reforçar os setores estatais e privados nacionais, sobram brechas diversas para os capitais especulativos continuarem atuando.

Nessas condições, do ponto de vista político talvez seja indispensável uma inversão de sinais. As incertezas relativas à democratização dos meios de comunicação, à reforma do sistema tributário e do sistema político, e às outras reformas estruturantes, dependem de as ações governamentais e de as políticas partidárias contribuírem, acima de tudo, para a industrialização e para reforçar a agricultura familiar.

É a industrialização que está fazendo crescer uma nova classe de trabalhadores assalariados, que não é a mesma dos anos 1970 e 1980. E é o reforçamento da agricultura familiar que pode conformar uma forte classe de pequenos proprietários. Ou seja, é com as experiências de luta dessas classes, no novo contexto nacional e internacional, que podem ser forjadas as forças sociais e políticas capazes de conquistar as reformas democráticas e populares demandadas pela sociedade.

*Wladimir Pomar é analista político e escritor - Fonte: http://www.correiocidadania.com.br

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