*Por Rodrigo Vianna
No começo senti raiva. Depois, tristeza. Ao fim, procurei explicações. O cerco aos médicos cubanos, com xingamentos e manifestações racistas, é chocante à primeira vista. Mas quem conhece nossa história de “elevador de serviço”, de “quarto de empregada”, de coronelismo e revoluções sempre inconclusas, quem conhece essa história nem deveria se espantar.
O fato é que a reação desmedida de certos médicos e de gente que pensa falar em nome da “Medicina brasileira” transformou-se numa derrota acachapante para o pensamento conservador. O conservadorismo de branco (e de brancos?) foi derrotado nesse debate.
É como o “bolsa esmola” – vocês se lembram? Durante dois mandatos de Lula, um setor barulhento (e até numeroso) da classe média travou um não debate: em vez de criticar eventuais falhas no Bolsa Família, tentou desqualificar a política de transfererência de renda, definida como “esmola”. Ouvi isso ao longo de anos, em festas de família, em bares e restaurantes… E no fim aconteceu o que? O Bolsa-Família impôs sua vitória. Os tucanos chegaram a 2010 propondo que na campanha eleitoral o partido defendesse o Bolsa-Família. Falar em “bolsa esmola” seria suicídio eleitoral. O conservadorismo recolheu-se às manifestações privadas de ódio e recalque.
A história do Capitalismo no Ocidente, nos últimos 70 anos, é a história da luta de setores organizados para arrancar pedaços do Estado das mãos da burguesia. É a história da luta dos trabalhadores para obter concessões que tornem a vida menos dolorosa, menos infernal. Leis trabalhistas, políticas sociais de compensação: assim se constituiu a social-democracia na Europa. Aos trancos e barrancos, tivemos nossa social-democracia à brasileira com Vargas e o PTB de Jango e Brizola. Verdade que, no Brasil, ela foi mais “social” do que “democracia”, na medida em que parte das conquistas sociais veio sob a ditadura do Estado Novo.
A Guerra Fria interrompeu o ciclo trabalhista, instalando uma ditadura (64-85) que adotou políticas claras de concentração de renda. Depois da Constituição de 88, mas principalmente depois da chegada de Lula ao poder em 2002, o ciclo de “social-democracia” à brasileira foi retomado. Da mesma forma que na Era Vargas, o lulismo significou a incorporação de milhões de brasileiros ao mercado de massas.
Uma parte da sociedade brasileira sentiu-se ameaçada pela mudança – feita dentro da ordem, sob hegemonia inclusive de política econômica liberal, especialmente no primeiro governo Lula. Mas mesmo assim, um setor significativo da sociedade brasileira partiu para a desqualificação. Bolsa Família era “bolsa esmola”. Prouni era “prêmio para gente despreparada”. Quotas raciais eram “incentivo pra gente vagabunda”.
Esse mesmo setor agora estrebucha, se debate de forma constrangedora – contra os médicos. E o ódio maior é contra os cubanos…
Uma pobre alma chegou a dizer no twitter (ou facebook, sei lá) que os médicos cubanos não eram confiáveis porque tinham aparência de “empregadas domésticas”. De uma só tacada, tentou ofender os cubanos e as empregadas que cuidam das casas de quem pode pagar. Mas conseguiu apenas explicitar que tipo de pensamento tenta barrar a chegada dos médicos às comunidades mais pobres do Brasil.
Esse tipo de comentário, ou de ataque (esclarecedora também a foto das patricinhas de branco pensando ofender um médico negro cubano), cumpre papel didático. É o passado que não quer passar. É o sul derrotado na guerra de Secessão. É o Partido Republicano recusando-se a aceitar que Roosevelt tinha razão no New Deal. É o Lacerda contra a Petrobras. É o Ali Kamel da Globo contra as quotas. Essa gente fala para o passado. Um discurso derrotado.
Reparem que nas redes sociais apareceu muita gente moderada, que tem críticas ou dúvidas em relação ao Mais Médicos, mas que se sente constrangida com o discurso de ódio, com as cenas de racismo e de preconceito. E por isso passou a apoiar o programa.
O conservadorismo de branco (e de brancos?) ainda vai estrebuchar. Vai ao STF, ao TCU. Vai tentar de tudo. Mas ainda que consiga atrasar o programa de Médicos do governo federal, já perdeu o debate. Lá na frente, terá que botar o rabo entre as pernas.
Por fim, vale dizer que muita gente aqui nos blogs e nas redes sociais costumava cobrar o PT e os governos de Lula e Dilma pela falta de “politização” do debate. O Ministro Alexandre Padilha topou fazer a politização – no bom sentido. Comprou a briga de uma forma inteligente: não com discurso ou com promessas, mas com um programa concreto e palpável. O povão do interior e das periferias vai aos poucos entender quem é de direita no Brasil…
E do jeito que vai, essa direita vai levar tempo pra se recompor e voltar ao poder. Pelo voto, com esse tipo de reação infantil e atrasada, essa direita seguirá no gueto. Um gueto grande até, de 30% do eleitorado. Mas seguirá prisioneira do discurso do ódio. Um discurso derrotado pelos fatos e pela história.
*Jornalista, Editor do Blog Escrevinhador (fonte desta postagem)
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