Maturidade não é sinônimo de complacência. Afrontar o despotismo é um predicado intrínseco à vida democrática.
Por Saul Leblon, da Carta Maior*
Um déspota de toga não é menos ilegítimo que um golpista fardado.
A justiça que burla as próprias sentenças, mercadejando ações cuidadosamente dirigidas ao desfrute da emissão conservadora, implode o alicerce da equidistância republicana que lhe confere o consentimento legal e a distingue dos linchamentos falangistas.
Joaquim Barbosa age na execução com a mesma destemperança com que se conduziu na relatoria da Ação Penal 470.
A personalidade arestosa que se avoca uma autoridade irretorquível mancha a toga com a marca da soberba, incompatível com o equilíbrio que se espera de uma suprema corte.
Desde o início desse processo é nítido o seu propósito de atropelar o rito, as provas e os autos, em sintonia escabrosa com a sofreguidão midiática.
Seu desabusado comportamento exalava o enfado de quem já havia sentenciado os réus, sendo-lhe maçante e ostensivamente desagradável submeter-se aos procedimentos do Estado de Direito.
O artificioso recurso do domínio do fato, evocado inadequadamente como uma autorização para condenar sem provas, sintetiza a marca nodosa de sua relatoria.
A expedição de mandatos de prisão no dia da República e no afogadilho de servir à grade da TV Globo, consumou a natureza viciosa de todo o enredo.
A exceção do julgamento reafirma-se na contrapartida de uma execução despótica de sentenças sob o comando atrabiliário de quem não hesita em colocar vidas em risco se o que conta é servir-se da lei e não servir à lei.
A lei faculta aos condenados ora detidos o regime semi-aberto.
A pressa univitelina de Barbosa e do sistema midiático, atropelou providências cabíveis para a execução da sentença, transferindo aos condenados o ônus da inadequação operacional.
Joaquim Barbosa é diretamente responsável pela vida do réu José Genoíno, recém-operado, com saúde abalada, que requer cuidados e já sofreu dois picos de pressão em meio ao atabalhoado trâmite de uma detenção de urgência cinematográfica.
Suponha-se que existisse no comando da frente progressista brasileira uma personalidade dotada do mesmo jacobinismo colérico exibido pela toga biliosa.
O PT e as forças democráticas brasileiras, ao contrário, tem dado provas seguidas de maturidade institucional diante dos sucessivos atropelos cometidos no julgamento da AP 470.
Maturidade não é sinônimo de complacência.
O PT tem autoridade, portanto, para conclamar partidos aliados, organizações sociais, sindicatos, lideranças políticas e intelectuais a uma vigília cívica em defesa do Estado de Direito.
Cumpra-se imediatamente o semi-aberto, com os atenuantes que forem necessários para assegurar o tratamento de saúde de José Genoíno.
Justificar a violação da lei neste caso, em nome de um igualitarismo descendente que, finalmente, nivela pobres e ricos no sistema prisional, é a renúncia à civilização em nome da convergência da barbárie.
Afrontar o despotismo é um predicado intrínseco à vida democrática.
Vista ele uma farda ou se prevaleça de uma toga, não pode ser tolerado.
A sorte de Genoíno, hoje, fundiu-se ao destino brasileiro.
Da sua vida depende a saúde da nossa democracia.
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