'PORQUE, COM ESSE CONGRESSO, NÃO DÁ'
São Paulo/SP - Por Isaías Dalle - Sem uma reforma ampla do sistema político, elaborada por uma
constituinte exclusivamente eleita para essa tarefa, não haverá as demais
mudanças desejadas e necessárias para o Brasil. Essa a conclusão de movimentos
de moradia, sindicatos, organizações da juventude, professores universitários e
juristas que se reuniram no final da tarde deste sábado, na capital paulista,
para realizar um Ato Nacional pela Constituinte. {Mais de 600 pessoas de 14 estados se fizeram presentes}.
O lema que resumiu o encontro, e que também faz parte de manifesto
divulgado pelas entidades presentes, dá bem a medida dessa conclusão: “Com esse
Congresso, não dá”. Do modo como a representação política se constitui –
inclusive nos poderes Executivo e Judiciário, e não apenas no parlamento –
reformas que alterem a distribuição de poder, que desconcentrem renda e ataquem
as injustiças sociais existentes simplesmente não são aprovadas.
Exemplos de reformas citadas no encontro, algumas objeto de
reivindicação há décadas: agrária, tributária, urbana, sindical e
desmilitarização das polícias.
E como o Congresso Nacional atual é composto majoritariamente por
representantes de banqueiros, empresários, grandes proprietários de
terras e donos de meios de comunicação, a reforma política, que poderia
alterar essa estrutura e abrir caminho para a aprovação das demais reformas,
também não vai sair.
Plebiscito em setembro
Daí a defesa da convocação de uma constituinte exclusiva. O ato deste
sábado teve por objetivo mobilizar os movimentos sindicais para trabalhar pela
maciça adesão popular a um plebiscito que vai ser realizado em todo o País
entre os dias 1 e 7 de setembro, a Semana da Pátria. Durante o plebiscito, as
pessoas serão convidadas a responder uma pergunta impressa em cédulas: “Você é
a favor de uma constituinte exclusiva para elaborar a reforma política?
( ) Sim ( )Não”. Os movimentos sociais que
estão organizando o plebiscito acreditam que se houver uma grande participação
popular e se o “sim” vencer, estará criado um fato político capaz de forçar
governos e parlamento a convocar eleições para a constituinte exclusiva.
Estão previstos outros atos como esse em diversas regiões do Brasil,
sempre com o objetivo de popularizar a ideia e engajar a militância na tarefa.
Enquanto isso, mais de 300 comitês organizadores do plebiscito já foram criados
no território nacional, com previsão de aumento desse número.
O ato deste sábado, que reuniu mais de 600 pessoas no auditório do clube
Trasmontano, também teve a participação de representantes do PT e o apoio,
através de mensagem enviada, de uma deputada do PSB.
Mesa dos trabalhos, integrada também por este Editor |
Políticos presentes
Ora, o que políticos considerados tradicionais estariam fazendo num
encontro como esse? “Estamos em uma encruzilhada. Ou se escolhe uma mudança por
inteiro, ou não dá pra escolher pela metade e esperar pelas mudanças
reafirmadas pelas mobilizações da juventude desde junho do ano passado. Hoje,
até os partidos de origem popular ficam reféns desse sistema, onde predomina o
poder econômico, travando as decisões. A gente elege governo, mas não leva,
porque precisamos ficar presos a coalizões que não correspondem à vontade do
povo”, disse o deputado federal Renato Simões, do PT.
Uma das propostas para a reforma política é o fim do uso de dinheiro de
empresários e banqueiros para financiar campanhas políticas, e o conseqüente e
sonhado fim do chamado “rabo preso”, e a criação do voto em lista.
O professor da USP Lincoln Secco se mostrou otimista. “Aqueles que têm
memória histórica lembram que em 1984 começou um movimento pequeno que logo
depois virou um movimento de massas, que foi a luta pelas Diretas Já. Temos uma
democracia que é racionada, não plena, que distribui direitos para quem está em
cima e porrada em quem está embaixo. Para mudar, temos de destravar o sistema
político. Eu me comprometo a levar esse debate para a universidade pública”
Dilma precisa encaminhar
“Nós estamos montando vários comitês para discutir esse tema com a
população. Não dá para discutir com esse congresso, que está repleto de
latifundiários, banqueiros”, bradou a estudante Carla Emanuelle Silva de
Carvalho, representante da Juventude Revolução. E emendou: “Eu acho que a Dilma
tem de deixar os partidos da base aliada chiando e ouvir de fato a voz do povo.
Já passou da hora desse Congresso que é um circo”.
Emanuelle lembrou que a presidenta Dilma, em julho do ano passado,
apresentou à sociedade a proposta de uma constituinte exclusiva para elaborar a
reforma política, mas a ideia foi de pronto rechaçada por partidos aliados e
pela grande mídia.
“A reforma política é a mãe de todas as reformas”, destacou Celina
Simões, representante da Escola da Cidadania Santo Dias, do Jardim Ângela,
bairro que já foi considerado o mais violento de São Paulo e que atualmente,
graças em grande parte ao trabalho de inclusão social capitaneado pela escola,
reduziu em 80% o índice de homicídios dolosos. “Com essa reforma aprovada, as
demais ficarão mais fáceis”, concluiu.
Justiça injusta
O sistema político não é apenas o processo eleitoral, como lembrou
Henrique Ollitta, liderança do Movimento Independente por Luta de Moradia de
Vila Maria. O movimento organizou, em agosto do ano passado, a ocupação de um
terreno abandonado por uma empresa falida. E, desde maio, vem enfrentando a
decisão da Justiça por desapropriação e retirada das 2.600 famílias. “Se
depender da Justiça, jamais haveria terrenos declarados como de interesse
social, nem mesmo em áreas abandonadas como essa que ocupamos”, lembrou. “Por
isso precisamos de uma reforma também do Judiciário”.
Há lutas ainda mais antigas, como a dos povos indígenas em busca de
direitos básicos. “A nossa já dura 514 anos. O povo indígena quer ter voz, ser
representado e ouvido. Nós não aceitamos que os nossos representantes estejam
juntos com aqueles que nos oprimem”, disse Kamuu Dan, liderança da etnia
Wapichana, povo de aproximadamente 50 mil pessoas que vive em Roraima.
O senador Eduardo Suplicy, também presente à mesa de debates, rendeu
homenagem ao jurista Fábio Konder Comparato, que há vários anos vem lutando
pela reforma política e formulando propostas para tal. Comparato, inclusive,
ajudou a CUT a formular propostas que resultaram numa resolução de defesa da
reforma, aprovada no Congresso Nacional da CUT em 2012, como lembrado por Júlio
Turra, dirigente executivo.
“As mudanças não andam por causa da correlação de forças que é
infinitamente maior a favor do capital. O maior sub-representado em nossa
política é o povo brasileiro. A luta por esse plebiscito é nossa grande chance
de fazer uma pressão a partir de baixo”, disse Turra. “Se aprovada sua
realização, vamos cobrar a presidenta Dilma a encaminhar o projeto”, completou.
Colapso?
Para o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), o descrédito nas
instituições do sistema político é um sintoma grave. Ele perguntou aos
movimentos de moradia presentes no plenário se confiavam na Justiça, a mesma
que ordenou recentemente a desocupação na Vila Maria. Diante do sonoro “não“,
vaticinou: “Se não mudarmos a Constituição, as instituições podem entrar em
colapso”.
O dirigente da FUP (Federação Única dos Petroleiros) João Antonio de
Moraes também lembrou que a reforma política é necessária para quebrar a
espinha dorsal da coalizão conservadora que, com a ajuda da imprensa, tenta
impor retrocessos. “Essa campanha aberta para manchar a imagem da Petrobrás
nada mais é que uma tentativa de enfraquecê-la para depois poderem propor
mudanças nas regras de exploração e venda do pré-sal e tirarem a empresa da
posição de única operadora dessas jazidas”.
Misa Boito, integrante do PT e coordenadora da mesa de debates, disse
que as manifestações que vêm ocorrendo demonstram grande insatisfação com as
entidades. “Porém”, segundo ela, “é importante refletir sobre nas mãos de quem
está a capacidade e a principal responsabilidade de mudar isso a partir da
reforma política. Em nossa opinião, é a presidenta Dilma, não as demais
candidaturas”.
*Na foto acima, parte da delegação gaúcha (comp. Laércio, Sena, este blogueiro e o comp. Júlio Turra, da direção da CUT Nacional
...
**Leia, abaixo, o manifesto divulgado pelo encontro:
Ato Nacional pela Constituinte, 10 de
maio de 2014
“O Brasil precisa de uma reforma política para destravar as aspirações
de justiça social e soberania do povo brasileiro. Com esse Congresso não dá!
Tem razão a presidenta da República ao dizer que a reforma não se fará
sem consulta ao povo.
É preciso dar a palavra ao povo. O meio para isso é a convocação de uma
Assembléia Constituinte, unicameral, proporcional, sem financiamento
empresarial e com voto em lista. Não tem outro jeito, é o único meio!
Por isso, estamos engajados no Plebiscito Popular Pela Constituinte
Soberana e Exclusiva Sobre o Sistema Político, que vai ocorrer de 1º a 7 de
setembro. E esperamos o mesmo de todas as forças democráticas, sindicais e
populares, bem como o compromisso com seu resultado da presidenta Dilma do PT e
daqueles que, nos vários níveis das eleições, defendam o interesse da Nação.
Sem
uma reforma ampla do sistema político, elaborada por uma constituinte
exclusivamente eleita para essa tarefa, não haverá as demais mudanças desejadas
e necessárias para o Brasil. Essa a conclusão de movimentos de moradia,
sindicatos, organizações da juventude, professores universitários e juristas
que se reuniram no final da tarde deste sábado, na capital paulista, para
realizar um Ato Nacional pela Constituinte."
Fonte: http://www.cut.org.br/
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