'Para
além do festival de vaidades e da escassez de intelectualidade, a posse da nova
diretoria da OAB marca o avanço conservador de nossa sociedade'
'Por Rodrigo Lentz*, na Carta Maior
A
cerimônia de posse da nova diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, em Brasília, foi mais do que uma experiência antropológica jurídica.
Para além da ritualística institucional, do festival de vaidades, da escassez
de intelectualidade, da elitização típica de uma profissão imperial, foi um ato
político preocupante que marca o avanço conservador verificado em nossa
sociedade num dos órgãos de classe mais importantes da sociedade civil com
grande influência no Estado brasileiro.
O
discurso do novo presidente, Cláudio Lamachia, foi marcado por um desfile de
incoerências, intolerância política e movimentos esquizofrênicos. A começar
pelas sete citações a Deus como fundamento político do comandante de classe que
mais parecia um testemunho de um militante católico. Além disso, a linha
argumentativa se utilizava de um verniz contundente de “revolta republicana”
para estampar retrocessos democráticos.
Primeiro,
o novo presidente classificou como “vergonha nacional” o fundo partidário de
campanhas eleitorais. Detalhe: o Conselho Federal foi um dos principais
defensores do financiamento público de campanha (via fundo partidário!) e da
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgar inconstitucional o
financiamento privado de empresas para campanhas eleitorais (principal mecanismo
de corrupção).
Num
dos poucos lampejos de sobriedade política, Lamachia criticou a decisão do STF
em revogar a cláusula pétrea de presunção de inocência até o trânsito em
julgado para, logo em seguida, classificar como “descalabro” o fato de um Senador
da República exercer mandato no cumprimento de prisão sem sentença e sem
trânsito em julgado. Bradou contra a corrupção, citando Raimundo Faoro,
ex-presidente da entidade, e destilou elogios à Senadora Ana Amélia Lemos do
Partido Progressista (PP) – partido apontado como principal corruptor da
República, ainda que sem trânsito em julgado.
Seguiu
Lamachia com seu discurso espumante ao bradar que o país vive “uma crise sem
precedentes na história”, é uma “nau à deriva” e que Estado brasileiro mais
parece “um parasita que suga todas as energias de seu hospedeiro”. Criticou a
carga tributária, sem qualquer retorno ao cidadão e a criação da CPMF sem falar
no sigilo da dívida pública com os bancos – um dos seus importantes clientes na
advocacia - que consome mais de 40% desses tributos. Chegou ao ponto de citar
Adam Smith, teórico do capitalismo que defende o Estado mínimo – basicamente
aquele que sustenta polícia e nada mais – argumentando que “a riqueza de uma
sociedade se mede pela fortuna de seus cidadãos e não pela luxúria de sua
realeza”.
Antes
da posse, havia afirmado que as drogas eram problema de saúde pública, e não de
polícia. Mas era contra a descriminalização. Quer dizer, a questão de saúde
deve ser criminalizada (!). Um desastre lógico do presidente.
Curiosamente,
escapou uma frase em defesa das “reformas de base”, numa referência, quiçá
involuntária, ao projeto reformista de João Goulart de reformas agrária,
urbana, tributária e política. Propostas que receberam como contra-ataque 25
anos de autoritarismo.
Ao
final de seu discurso, uma cena lamentável e, esta sim, vergonhosa aos gaúchos,
foi protagonizada pela claque que acompanhava o ex-presidente da OAB-RS: o
trecho do hino oficial do estado foi entoado para dizer que “sirvam nossas
façanhas de modelo a toda terra”. Querendo dizer: agora são os gaúchos que
darão o exemplo para o resto do país. Uma deselegância de torcer as tripas de
qualquer gaúcho(a) republicano(a). Seguindo o tom deselegante, ao querer
agradar o (des)governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, sustentou que
o pacto federativo falido – e aí tinha razão – fazia percorrer nas entre salas
do palácio presidencial verdadeiros pedintes, também conhecidos como
governadores e prefeitos. Constrangeu até seus apoiadores no local.
Em
miúdos, a representação máxima dos(as) advogados(as) no país trilha caminhos
que refletem a escalada visível do conservadorismo crescente em nossa
sociedade. Serão três anos de presidência que sinalizam um passo atrás para os
direitos humanos e um embaraço para a democracia brasileira. Mas que certamente
renderão frutos eleitorais para o futuro candidato da direita do país.
*Advogado
e doutorando em ciência política da UNB
Créditos
da foto: Eugenio Novaes
**Fonte: cartamaior.com.br
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