Por Tarso Genro*
É um erro político avaliar as
decisões atuais do STF de um ponto de vista puramente jurídico, ou seja, se
elas são – ou não – decisões que podem ser classificadas como
“segundo a Constituição”, ou são decisões que “torcem” o bastão, para
favorecer determinados contendores políticos e prejudicar outros. Na verdade,
estas decisões são todas as coisas para parecer nenhuma e obedecem só uma
teleologia: pôr uma máscara de legitimidade num Estado de Direito, que transita
da exceção para a normalidade e desta para aquela, num ritual macabro de
arbítrios, no qual o Direito se tornou pura política e contingência.
Explico-me. Desde o momento que a
grande mídia orientou claramente a derrubada da Presidenta Dilma, e o STF
aceitou esta tutela , midiatizaram-se os processos penais e foi
incriminada, em abstrato, toda uma comunidade política, o petismo. A
partir daí os nossos destinos foram depositados nas mãos jacobinas da República
de Curitiba e o Estado de Direito brasileiro – depois disso – foi se adaptando
a que o processo político fosse controlado fora dos órgãos da soberania
popular, com o predomínio dos critérios políticos gestados no Poder
Judiciário
Falo em “predomínio”,
porque em toda decisão judicial importante sempre existe uma certa carga
“política”, mas, na normalidade de um Estado de Direito que mereça esse nome,
esta “carga” política da decisão não pode ser a expressão ideológica direta do
Juiz, sobreposta , não só à letra da Constituição, mas também aos princípios
que informam a civilidade republicana. Quando os Juízes se tornam líderes de
facções políticas o Direito sai de cena e a decisão política só lhe traz ao
palco num papel coadjuvante.
É importante notar, também, que o
“predomínio” ideológico da direita e a consequente partidarização do Sistema de
Justiça, já tinham sido consolidados, quando o Supremo foi indiferente a um
“impeachment” sem causa, quando aceitou a jurisdição nacional avocada pelo Juiz
Moro, “naturalizou” seu estrelismo midiático – cultuado pelo oligopólio
da mídia – que, na verdade, dava a “linha” do que era aceitável, ou não,
em termos de distorção técnica e material, nos processos penais contra Lula e o
PT.
As recentes decisões do Supremo,
com a “devolução” de Aécio ao Senado e a libertação de Rocha Loures, do ponto
de vista formal – em termos de processo – e do ponto de vista constitucional,
em termos de princípios, são tão inadequadas ao Estado de Direito, como
as decisões condenatórias proferida sem provas, contra José
Dirceu. Ou mesmo em relação à proferida para impedir Lula de assumir o
Ministério ou, ainda, àquelas que determinam o cumprimento de
penas, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Todas elas ferem o Estado de
Direito: as do primeiro grupo (proferidas contra o petismo) porque instauraram
a “exceção”; as atuais (em favor de Aécio e Loures) porque a furaram de
maneira silenciosa e seletiva, especialmente favorecendo golpismo.
Demonstram, assim, que a ideologia hegemônica nos Tribunais, nesta
etapa da crise, protege mais os partidos do golpe do que integridade das normas
da Constituição.
Certamente há uma possibilidade
de que desta reação, ainda que seletiva, possa sobrevir uma igualdade de
tratamento para todos os processados e os juízos em andamento sejam colocados
num leito mais próximo da Constituição e da Lei. Onde todos do Judiciário podem
tudo e os órgãos da soberania popular não podem nada, pode-se – num
acesso de otimismo da nossa verve macunaímica – esperar uma certa
sensatez pelo cansaço. Mas ela não virá sem luta.
Já é possível dizer, nos dias que correm, que nós brasileiros temos um amor ambíguo e louco pela democracia, embora de fora do país já nos olhem novamente com uma certa piedade irônica. Amor louco, porque com tudo isso não queremos “atalhos”, nem messias, nem matadores. Mas, de fato, amor também ambíguo, porque afinal, a maioria espera que as sábias cúpulas se acertem por nós, até a próxima crise aparentemente sem solução.
.oOo.
*Tarso Genro (foto) é Advogado. Foi Governador do
Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça,
Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
-Postado originalmente no site Sul21
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