07 janeiro 2009
Artigo
Uma perspectiva desafiante
*Por Wladimir Pomar
O Brasil está diante de uma perspectiva desafiante: vencer as ameaças da crise econômica, assistir a uma inversão na correlação de forças políticas e ver o início da construção de um modelo alternativo de desenvolvimento.
Mas isso vai depender, em grande medida, de o povo brasileiro e as forças de esquerda serem capazes de dar solução a pelo menos três problemas: a) superação da fragmentação das forças populares; b) introdução de formas alternativas de desenvolvimento; c) manutenção da divisão entre os diversos setores da burguesia.
A solução desses problemas está ligada, em grande medida, à atitude do governo Lula. A superação da fragmentação das forças populares, por exemplo, pode ter como eixo os programas sociais do governo. Nos recentes seis anos, eles abriram canais para minorar as condições de miséria e pobreza, expandiram as economias de produção popular, aumentaram o poder aquisitivo das populações de baixa renda e, portanto, estimularam a ampliação do mercado interno.
No entanto, tais programas não expandiram aquelas economias nem aumentaram o poder aquisitivo e o mercado interno na medida necessária. A expansão das economias de produção popular (micro e pequenas empresas capitalistas) não foi encarada como o aspecto mais decisivo para mudar a correlação de forças e dar partida a um modelo de desenvolvimento econômica e socialmente mais democrático.
O problema, aí, ainda reside, por um lado, na subestimação das forças de esquerda ao papel que essa democratização pode desempenhar no processo de recuperação da força social da classe dos trabalhadores assalariados. E, por outro, na suposição de que tal expansão pode ocorrer ao sabor das leis do mercado.
Nas atuais condições brasileiras, de grande concentração da riqueza, tudo isso só pode ocorrer se o Estado interferir no sentido de democratizar a propriedade dos meios de produção, apoiando prioritariamente os micro e pequenos empreendimentos privados e as formas solidárias e públicas de propriedade. Deixadas à competição do mercado, essas pequenas formas de propriedade do capital soçobram.
No presente nível tecnológico da sociedade, tais empreendimentos são os que podem empregar amplos setores da população em atividades industriais. São as únicas formas capitalistas que podem recuperar, num certo grau, a força social da classe dos trabalhadores assalariados.
Portanto, nos próximos dois anos essas economias populares só se expandirão e aparecerão como alternativas de desenvolvimento se o governo adotar medidas que dêem massividade às cooperativas de crédito e outros mecanismos de financiamento, assim como às incubadoras de empresas e outros mecanismos de transferência tecnológica.
Isso, porém, não depende apenas da vontade política da esquerda no governo. Depende, fundamentalmente, da pressão social e política das forças populares e do grau de divisão que estas introduzirem entre os diversos setores da burguesia. No entanto, até hoje, depois de seis anos de governo Lula, nada disso parece ser preocupação de parte considerável da esquerda.
É possível, pois, que em 2008 essa parte da esquerda continue atacando a burguesia como um todo, sem distinguir suas contradições internas e criticando os que procuram aproveitar tais contradições. Mas é possível que boa parte da esquerda consiga mirar como principal inimigo as grandes corporações empresariais privadas e realize uma tática de neutralizar, ou tornar aliados, os adversários ou inimigos secundários.
Isso traz sempre o perigo de que sejam cometidos os mesmos erros de 2002 a 2005. Ou seja, supor que a aliança só inclui a unidade ou, pior, que a aliança permite a utilização dos mesmos métodos burgueses de ação, entre os quais a corrupção. No entanto, há uma certa esperança de que a esquerda tenha aprendido, em alguma profundidade, as lições daquela crise do PT. O que a fará combinar a tática de aliança com uma séria disputa ideológica, política e cultural, que permita diferenciar os seus valores daqueles praticados pelos aliados eventuais.
Nesse sentido, seu principal teste talvez resida em sua capacidade de analisar a atual crise do capitalismo desenvolvido, que colocou na pauta de discussão não apenas o fracasso do neoliberalismo, mas também as possibilidades e limites do capitalismo, como formação econômica e social. A esquerda teve dificuldade em expor a natureza do neoliberalismo como expressão ideológica e política do capitalismo. O que a levou a não fazer o acerto de contas com a "herança maldita" dos governos Collor e FHC, nem realizar uma investigação séria sobre a destruição nada criativa que causaram ao Brasil, em todos os aspectos.
O problema da atual crise capitalista, para a esquerda, mais do que a crise do neoliberalismo, reside em que sua análise será indispensável para definir a estratégia e as táticas dos anos vindouros. Os que acham que o capitalismo está com data para afundar continuarão deixando de lado os movimentos táticos necessários para acumular forças, mobilizar grandes massas e preparar-se para os confrontos de classe.
Os que acham que o capitalismo, embora fadado a sucumbir, ainda tem possibilidades de recuperação, expansão e geração de novas crises, vão ter que se preocupar tanto com novas estratégias de transição para o socialismo quanto com movimentos táticos, entre os quais, estão na ordem do dia, a governabilidade e a disputa eleitoral de 2010.
Embora ainda dividida e, em certa medida, na defensiva, a burguesia vai jogar pesado para impedir a continuidade das forças socialistas, populares e democráticas no governo. Seus movimentos mostram que ela vai tentar aproveitar-se da crise econômica para golpear a governabilidade e impedir que o PT e a esquerda se unifiquem em torno de uma candidatura forte, ao mesmo tempo em que consolidam a candidatura Serra e lhe dão uma tonalidade "progressista".
Manter a governabilidade, e unificar a esquerda em torno de uma candidatura forte, depende de manter a continuidade do crescimento econômico, recuperar a força social dos trabalhadores, rachar a burguesia, dar indicações seguras de que está sendo gestado um modelo alternativo de desenvolvimento e também, em boa medida, realizar a disputa ideológica.
Não bastam apelos à burguesia para que invista e crie empregos, como a melhor forma de enfrentar a crise e manter razoáveis taxas de crescimento econômico. Ela não colocará em risco seu capital. É preciso que o Estado, através do governo, invista pesado em infra-estrutura e substitua a burguesia nas áreas em que o pânico dessa classe imobilize seus investimentos e sua ação econômica. Em outras palavras, é essencial que o governo amplie a ação das estatais, fortaleça o setor dos pequenos capitalistas e aumente a participação dos trabalhadores na produção, melhorando a distribuição da renda, e mantendo o mercado interno como o principal suporte de enfrentamento da crise.
Também não basta que as classes populares demonstrem apoio ao governo nas pesquisas de opinião. Elas precisam se dar conta de que o governo necessita de pressão para manter e ampliar suas políticas de erradicação da fome e da miséria, realizar seus investimentos em infra-estrutura nas regiões atrasadas e apoiar o aumento da produção e da riqueza dos trabalhadores, democratizando a propriedade dos meios de produção, e eliminando a violência social generalizada.
Vistos em conjunto, os movimentos táticos e o contexto em que serão realizados talvez apontem para o mais grave teste de liderança com o qual o PT já se confrontou. Se continuar se perdendo em querelas, não aproveitar 2008 para tornar-se um partido orgânico, ideológica e politicamente forte, e não se preparar para vencer as eleições de 2010, quase certamente ingressará no mesmo processo de desagregação que já levou partidos populares e socialistas a minguarem. Nisto talvez resida o desafio mais instigante de 2008.
*Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Fonte: Jornal Correio da Cidadania
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