Por Emir Sader*
O flagrante dos otavinhos ao ter chamado a ditadura militar de “ditabranda” se repete no Chile. O governo neo-pinochetista de Sebastian Piñera aprovou no Congresso a substituição de ditadura militar por “governo militar” nos textos escolares e o de Pinochet de general e não de ditador. A trama fracassou lá também, mas deixa lições.
Que importância tem chamar as coisas pelos seus nomes? Dizer que ditadura foi ditadura e não ditabranda ou governo militar ou “regime autoritário” (como o chama FHC em suas análises)?
Chamar ditadura de ditadura é dizer que é o oposto de democracia. Dizer que se tratou de uma ditadura militar, quer dizer que as FFAA, como instituição, violaram as atribuições constitucionais, e assumiram o poder do Estado.
Chamar aquele regime de “autoritário” ou de “ditabranda” ou de “governo militar” é esconder sua natureza essencial: de governo imposto pela força das armas, derrubando a um governo legalmente constituído.
Quando os órgãos da velha mídia brasileira chamam Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Medici, Ernesto Geisel, e Joao Figueiredo de presidentes ou de ex-presidentes e não de ditadores, está equiparando-os aos que foram eleitos pelo voto popular e escondendo seu caráter essencial de governantes apoiados na força das armas e não na vontade popular.
Esconder a natureza de ditadura militar serve para tentar esconder o papel que teve essa mesma mídia ao pregar contra o governo democraticamente constituído, alegando que preparava um golpe e caracterizar o movimento golpista como de “salvação da democracia em perigo”. O famoso “pega ladrão”, que serviu para acobertar justamente o que diziam que buscavam evitar: um golpe e a instauração do mais brutal regime que nossa historia conheceu, uma ditadura militar.
Chamam - como fez a própria ditadura, que eles apoiaram – os seus opositores de “terroristas”, a forma de desqualificar os que, ao contrário deles e contra eles, resistiram, lutaram contra a ditadura, jogando sua vida nesse embate. Alegam que os que lutavam contra a ditadura queriam instaurar aqui outro tipo de ditadura. Uma leitura de intenções muito particular de quem pregou o golpe militar alegando que ia ser dado um golpe militar. Enquanto que o que os militares, com seu apoio e conivência, realmente deram foi um golpe, instauraram uma ditadura militar e um regime de terror durante mais de duas décadas.
Chamar democracia de democracia e ditadura de ditadura, conta. FHC chamou a ditadura de “autoritarismo”, e a democratização do país simplesmente de luta contra “os resquícios autoritários”. A partir dessa visão, a democratização era uma operação política superficial, de tirar a maquiagem de um regime autoritário para que ele se tornasse democrático. Apenas desconcentrar o poder político em torno do Executivo e desconcentrar o poder econômico em torno do Estado, como foi a concepção de FHC, que terminou predominando no Brasil, em que as estruturas de poder – dos bancos, da terra, dos meios de comunicação, entre outros – não foram tocadas.
Assim, pelo que se entendia por ditadura – ou autoritarismo – se pode entender o que cada um entende por democracia. Se simplesmente a igualdade jurídica proposta pelo liberalismo ou se profunda democratização das estruturas econômicas, sociais, políticas, da sociedade.
Chamar as coisas pelo seu nome é mais do que um problema nominal. É nomear seu conteúdo, suas determinações sociais, suas características políticas. As coisas não se reduzem a seus nomes, mas os nomes designam – ou escondem – a natureza de cada coisa.
*Emir Sader é sociólogo, professor universitário e militante de esquerda. É colunista da Carta Maior, fonte desta postagem.
**Foto: A então jovem militante Dilma Rousseff, com 22 anos, determinada e corajosamente enfrentando os inquisidores da ditadura militar brasileira (que, na foto, por vergonha ou covardia, escondem a cara).
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