Ana e seu finado marido e ex-patrão Octávio, então senador biônico |
Por Benedito Tadeu César, no Sul21*
O Sul21 publicou na sexta-feira (12) matéria revelando que Ana Amélia Lemos (PP), candidata ao governo do RS, foi funcionária com cargo de confiança (CC) do senador biônico Octávio Omar Cardoso, com quem era casada na época e de quem é viúva hoje, durante o período de 11 meses nos anos de 1986 e 1987, ao mesmo tempo em que exercia o cargo de diretora da sucursal da RBS em Brasília.
A senadora, que mesmo procurada pelo Sul21 esquivou-se de conversar com a reportagem do jornal, emitiu nota oficial explicando seu ato: o centro de sua nota é a afirmação de que o “nepotismo”, admitido pela atual senadora, não era ilegal naquela época e de que seu trabalho no gabinete não era incompatível com sua função na RBS. Na nota oficial emitida, Ana Amélia Lemos, convencida de que a melhor defesa é o ataque, mais ataca do que se defende. Das 15 linhas da nota, oito são de acusações.
A tentativa de fugir do centro da questão fica evidente. Mais importante do que o ato de nepotismo que, de fato, não era ilegal à época em que foi praticado pela atual senadora e por seu marido, é a incompatibilidade ética de receber um salário por uma função que claramente entrava (naquela época e entra ainda hoje) em contradição com a função de jornalista então exercida pela senadora Ana Amélia Lemos.
Como diretora de sucursal de uma empresa jornalística que se afirmava e se afirma ainda hoje isenta, crítica e equidistante de posições ideológicas e partidárias, a atual senadora deveria estar, hoje ou ontem, eticamente impedida de exercer função no gabinete de um senador que, como todo ocupante de cargo público, deve(ria) ser mantido sob a vigilância crítica de toda imprensa que se pretenda neutra.
A informação de que outros jornalistas mantinham, à época, igual procedimento, apresentada por uma jornalista do jornal Zero Hora em sua coluna no sábado (13), não isenta a ex-jornalista da mesma empresa e atual senadora de ter cometido ato eticamente condenável. Admitir tal explicação, seria o mesmo que admitir que “se todos se locupletam, então eu também posso me locupletar”.
Além disso, a ex-jornalista e atual senadora Ana Amélia Lemos não era uma simples jornalista, como ela (e também o(a)s porta-vozes de sua antiga empresa) tenta(m) fazer parecer. Ela era uma das diretoras daquela que acabara de tornar-se a maior empresa jornalística do Rio Grande do Sul. Neste cargo, deveria preocupar-se em manter a isenção no desempenho de suas funções e não deveria confundi-las. Jornalismo e assessoria de imprensa, principalmente a políticos, são funções distintas. São hoje e eram ainda mais no passado, quando jornalistas e assessores de imprensa evitavam-se mutuamente.
Ainda mais grave do que os fatos revelados pelo Sul21 é a tentativa da atual senadora de omiti-los e, depois que eles foram trazidos à tona, justificá-los por meios dúbios. De acordo com as explicações dadas pela atual senadora para outros órgãos de imprensa, o cargo em comissão (CC) que ela ocupava no gabinete de seu marido, que previa uma carga horária de trabalho de 40 horas semanais, não exigia sua presença no Senado, possibilitando que ela desenvolvesse suas atividades em casa, logo que acordava.
Essa mesma explicação talvez pudesse ter sido alegada pela assessora parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul que foi denunciada pela RBS, por meio de todos os seus veículos de comunicação, por não comparecer ao gabinete do deputado que a contratava como CC e ter sido flagrada passeando com seu cachorrinho pela Praça da Matriz. Lembram-se?
Afirma a atual senadora que os proventos que recebia pelo CC no gabinete de seu marido era um “salariozinho” para complementar seus ganhos. Esquece-se de que o “salariozinho” que ela recebia naquela época equivale hoje, em valores atualizados, a R$ 8.115,00 ou a 11,16 salários mínimos nacionais. Ainda que tenha havido um forte movimento de ascensão social nos últimos anos, o valor atualizado do salário recebido pela atual senadora quando foi CC de seu marido seria hoje superior à renda de 91% das famílias brasileiras, segundo dados do Instituto Datafolha de 2013.
De acordo com afirmações emitidas pela atual senadora para alguns órgãos de imprensa, um erro do passado não pode ser usado para tentar destruir sua reputação. Uma explicação que se assemelha àquela dada pela atual senadora quando lhe perguntam por que é filiada e candidata pelo PP, um partido que é filho da ditadura civil-militar de 1964, já que ela prega “a nova política”. Disse ela: eu era criança, em Lagoa Vermelha, e não sabia… omitindo, desde logo, que na data do golpe acabara de completar 19 anos.
A atual senadora casou-se, no entanto, depois de adulta e já frequentando Brasília, com um senador biônico, uma figura instituída nos estertores da ditadura para impedir que o partido de oposição (MDB) conquistasse, pelo voto popular, mais senadores do que a Arena (partido que mudou seu nome para PDS e depois para PP) – os senadores biônicos eram indicados pelo ditador-presidente. Foi no gabinete de um senador biônico, seu marido, que Ana Amélia Lemos exerceu, durante 11 meses e concomitantemente ao cargo de diretora da RBS, o mesmo CC que hoje combate e identifica como um dos grandes males da administração pública do Rio Grande do Sul.
O que pensar da sinceridade de quem, na tentativa de se eleger, omite o que fez, as posições que assumiu, as relações políticas que manteve? O que pensar da sinceridade de quem justifica um ato antiético escudando-se na alegação de que ele não era ilegal, ainda que sua moralidade fosse dúbia, mesmo na época em que foi cometido?
A bandeira de uma “nova política”, empunhada pela atual senadora e candidata ao Governo do Estado, soa como mero discurso de campanha, quando é agitada por alguém que manteve relações tão estreitas com a ditadura e que adota, ainda hoje, as mesmas práticas que foram consagradas pelos “velhos políticos” que ela diz combater.
* via http://www.sul21.com.br/
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