Por André Singer, na Folha*
A renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara na quinta-feira (7) parece resolver o mistério que envolvia o estranho encontro noturno entre ele e o presidente Michel Temer há duas semanas. Ali, no Jaburu, certamente foi acordada a liberação do cargo máximo da Casa do Povo, saída que interessa a ambos. O interino da República, aliás, quase o explicitou em entrevista à “Veja” nesta semana, ainda que a seu modo elíptico.
A convergência de pontos de vista entre os responsáveis pelo golpe constitucional que derrubou Dilma Rousseff tem nome e sobrenome: Waldir Maranhão (PP-MA). O atual interino no lugar que era de Cunha nutre, por razões que a minha razão desconhece, visível proximidade com forças ligadas ao governo deposto. Tanto é assim que no 17 de abril votou contra o impeachment e logo que assumiu a interinidade tentou nada menos que anular a votação daquela data fatídica.
Obviamente não convinha nem a Eduardo Cunha nem a Michel Temer que outras decisões importantes, como a cassação do primeiro ou a PEC do gasto público, passaporte do segundo para a Presidência definitiva, fossem presididas por tal personagem. Para ter chance de escapar da guilhotina, no caso do parlamentar carioca, e de chegar tranquilo à decisão do Senado sobre o destino da presidente afastada, é necessário substituir Maranhão por político confiável tanto a um quanto a outro.
O Underwood brasileiro renunciou para abrir tal caminho (o quanto deve ter se arrependido de ter colocado Maranhão como vice…). Note-se, contudo, que Cunha não se mexeu antes que o inquilino do Planalto adiantasse parte do que deve ter prometido na noite daquele obscuro domingo, 26/6. Na manhã da última quarta-feira (6), o “Diário Oficial da União” ostentava a nomeação de um afilhado do deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF) como diretor do Arquivo Nacional. Em seguida, Fonseca leu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o parecer no qual defende anular a sessão do Conselho de Ética (14/6) que aprovou o pedido de cassação do congressista fluminense.
Consumada a renúncia, o palácio começa a pagar o restante da fatura: eleger um presidente da Câmara capaz de ajudar Cunha na luta para manter o mandato. Note-se que nomes históricos como o de Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) que, embora do campo governista, poderiam infundir alguma esperança de mudar, passam longe das cogitações.
O país patina. A Lava Jato, a mídia e o STF derrubaram Cunha da presidência da Câmara sob o peso de incríveis acusações. Porém o seu principal aliado no projeto de tirar o PT do poder é agora chefe de Estado. Juntos vão eleger um sucessor no Parlamento que representa a continuidade do mesmo sistema agora escancarado.
*Via Blog Tijolaço
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