Onde Estás?
É meia-noite... e
rugindo
Passa triste a
ventania,
Como um verbo de
desgraça,
Como um grito de
agonia.
E eu digo ao vento,
que passa
Por meus cabelos
fugaz:
"Vento frio do
deserto,
Onde ela está? Longe
ou perto?"
Mas, como um
hálito incerto,
Responde-me o eco ao
longe:
"Oh!
minh'amante, onde estás?...
Vem! É tarde! Por que
tardas?
São horas de brando
sono,
Vem reclinar-te em
meu peito
Com teu lânguido
abandono!...
'Stá vazio nosso
leito...
'Stá vazio o mundo
inteiro;
E tu não queres qu'eu
fique
Solitário nesta
vida...
Mas por que tardas,
querida?...
Já tenho esperado
assaz...
Vem depressa, que eu
deliro
Oh! minh'amante, onde
estás?..
Estrela-na
tempestade,
Rosa-nos ermos da
vida,
Iris-do náufrago
errante,
Ilusão-d'alma
descrida!
Tu foste, mulher
formosa!
Tu foste, ó filha do
céu!...
... E hoje que o meu
passado
Para sempre morto
jaz...
Vendo finda a minha
sorte,
Pergunto aos ventos
do Norte...
"Oh!
minh'amante, onde estás?..."
***
Boa-Noite
Veux-tu donc partir?
Le jour est encore éloigné
C'était le rossignol et non pas l'aloustte
Dont le chant a frappé ton oreille inquiete;
Il chante la nuit sur les branches de ce grenadier,
Crois-moi, cher ami, c'était le rossignol.
SHAKESPEARE
Boa-noite, Maria! Eu
vou-me embora.
A lua nas janelas
bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É
tarde... é tarde...
Não me apertes assim
contra teu seio.
Boa-noite!... E tu
dizes — Boa-noite.
Mas não digas assim
por entre beijos...
Mas não mo digas
descobrindo o peito
— Mar de amor onde
vagam meus desejos.
Julieta do céu!
Ouve... a calhandra
Já rumoreja o canto
da matina.
Tu dizes que eu
menti?... pois foi mentira...
... Quem cantou foi
teu hálito, divina!
Se à estrela-d'alva
os derradeiros raios
Derrama nos jardins
do Capuleto,
Eu direi, me
esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda
em teu cabelo preto..."
É noite ainda! Brilha
na cambraia
— Desmanchado o
roupão, a espádua nua —
O globo de teu peito
entre os arminhos
Como entre as névoas
se balouça a lua...
É noite, pois!
Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao
trescalar das flores,
Fechemos sobre nós
estas cortinas...
— São as asas do
arcanjo dos amores.
A frouxa luz da
alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os
teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer
teus pés divinos
Ao doudo afago de
meus lábios mornos.
Mulher do meu amor!
Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como
a lira ao vento,
Das teclas de teu
seio que harmonias,
Que escalas de
suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina
do delírio,
Ri, suspira, soluça,
anseia e chora...
Marion! Marion!... É
noite ainda.
Que importa os raios
de uma nova aurora?!...
Como um negro e
sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola
teu cabelo...
E deixa-me dormir
balbuciando:
— Boa-noite!, formosa
Consuelo!...
Castro Alves
...
*No Dia Nacional da Poesia, comemorado hoje - data escolhida em homenagem ao grande Poeta Castro Alves (foto), nascido em 14/03/1847 -, com estes dois de seus (tantos) belíssimos Poemas, a singela homenagem do Editor do Blog. (JG)
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