07 novembro 2008
Pensata
Personagens
Com o sugestivo título 'Os polêmicos Tarso e Protógenes', o jornalista Kennedy Alencar, da Folha Online, faz o seguinte comentário em sua coluna de hoje:
"O ministro da Justiça, Tarso Genro, e o delegado federal Protógenes Queiroz serão os personagens desta Pensata, que tratará de assuntos que, apenas à primeira vista, parecem desconexos. Tarso fez muito bem ao defender que a esquerda armada que combateu a ditadura militar não era terrorista, um posicionamento corajoso e lúcido. Ironicamente, a Polícia Federal chefiada em última instância pelo ministro da Justiça agiu nesta semana com uma intolerância que lembra ações dos anos de chumbo.
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Guerrilha foi terrorista?
O ministro da Justiça está certo. Os grupos de esquerda que recorreram à luta armada para enfrentar a ditadura não eram terroristas. Ações isoladas podem ser classificadas como terroristas, porque atingiram inocentes que nada tinham a ver com a ditadura. Mas foram exceções. O terror não foi um método usado por nossa esquerda. Carimbar aquela geração de terrorista é uma injustiça. Equivaleria a dizer o mesmo da Resistência Francesa. Seria um erro histórico.
Obviamente, hoje é fácil enxergar que a luta armada foi um equívoco. Estava fadada ao fracasso, mas era uma atitude de resistência contra um regime de opressão.
Convém lembrar que militantes de esquerda foram presos, julgados, condenados e cumpriram pena. Pelas leis da ditadura, esses militantes sofreram punições.
Outros militantes foram barbaramente torturados e assassinados. As leis da ditadura não legitimavam esses crimes hediondos e imprescritíveis. A Lei da Anistia (1979) não os perdoou, de acordo com o direito internacional. Resultado: existem torturadores e assassinos livres, leves e soltos por aí.
Há diferenças nos atos violentos praticados pela ditadura. Exemplo: agentes da repressão entram numa casa, prendem um militante, o levam para o Dops, ele é julgado e cumpre pena. Digamos que, no limite, tenha havido um confronto real, com a morte do militante. Todas essas ações estavam dentro do arcabouço legal da ditadura. Havia um confronto, e os movimentos estavam cientes do risco que corriam.
Mas torturar e assassinar, não. Ocultar cadáveres e simular confronto para matar, não. Essas foram violências ao próprio marco legal do regime. Foram crimes praticados pelo Estado. Tortura não é crime político, tampouco o assassinato de opositores políticos. A jurisprudência internacional diz que esses crimes são imprescritíveis. Tarso Genro age corretamente ao dar apoio aos que desejam que torturadores e assassinos sejam responsabilizados. Não se omite como fazem neste assunto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que parecem ceder ao falso argumento de que se trata de revanche. As Forças Armadas de hoje deveriam ser as mais interessadas em tirar essa mancha de sua história, como o Estado alemão fez ao condenar os crimes do nazismo.
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Vingança política?
O delegado federal Protógenes Queiroz está certo. A ação da PF (Polícia Federal) desencadeada contra ele nesta semana parece desproporcional a supostos erros do responsável pela Operação Satiagraha. Ninguém está acima da lei. Se Protógenes a quebrou, deve ser responsabilizado. No entanto, sente-se um cheiro de vingança política no ar. Pior: soa a retaliação contra quem investigou o banqueiro Daniel Dantas, acusado de crimes financeiros e de tentativa de suborno.
Há uma investigação na corregedoria da PF contra Protógenes. Apuram-se vazamentos de informação e eventual desrespeito aos chefes. Nesta semana, com mandado judicial, foram feitas buscas e apreensões no apartamento do delegado em Brasília, no quarto do hotel paulistano onde ele costuma se hospedar e no apartamento de um filho no Rio de Janeiro.
Curiosamente, os policiais procuravam eventuais provas de grampo ilegais. Ora, em julho, no desencadear da Satiagraha, não houve nenhuma acusação de que o delegado havia feito escuta clandestina. Esse tema surgiu no final de agosto, com a notícia de suposto grampo ilegal de uma conversa do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). No início de setembro, a pedido do Palácio do Planalto, a PF abriu uma investigação sobre o caso Mendes-Demóstenes.
Não parece que a investigação da corregedoria, ainda que amparada por ordem judicial, possa investigar supostas escutas clandestinas. Essa apuração interna deve se concentrar nos eventuais vazamentos de informação e desrespeito aos superiores. O inquérito sobre o suposto grampo do presidente do Supremo não tem conexão direta com a investigação da corregedoria, tratada sempre pela PF como procedimento administrativo.
Pena que Tarso Genro seja o ministro da Justiça numa hora em que um delegado federal que investiga um banqueiro acusado de crimes é perseguido pela atual direção da PF (Polícia Federal). Sem entrar no mérito se Protógenes errou ou não, a ação da PF tem uma pitada de arbitrariedade a fim de dar uma resposta ao presidente do Supremo. Serve também para que colegas se vinguem do delegado, que já foi afastado e está na geladeira.
Protógenes não é o primeiro delegado suspeito de vazar informações para a imprensa e certamente não será o último que evitaria comentar com superiores detalhes de uma investigação em curso tão delicada como a Satiagraha. Repetindo: o delegado pode ter errado, mas está pagando um preço alto.
Tarso e a PF correm o risco de jogar por água abaixo a boa imagem construída pela Polícia Federal nos últimos anos. A guerra interna da polícia tende a ser um belo tiro no pé. A pouca transparência no caso, com a PF dando informações monossilábicas sobre a ofensiva contra investigadores da Satiagraha, alimenta a hipótese de caça às bruxas. Uma pena. No balanço das operações, a PF coleciona muito mais acertos do que erros. O mesmo pode ser dito a respeito do trabalho de Protógenes Queiroz".
Fonte: http://www.folha.uol.com.br/
*Foto: Monumento ‘Tortura Nunca Mais’, do arquiteto piauiense Demetrios Albuquerque
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