Por Saul Leblon*
Quando a elite de uma sociedade se reúne em um estádio de futebol e a sua manifestação mais singular é um coro de ofensas de baixo calão, quem é o principal atingido: o alvo ou o emissor?
Vaias e palavrões são inerentes às disputas futebolísticas. Fazem parte do espetáculo, assim como o frango e o gol de placa. A passagem de autoridades por estádios nunca foi impune.
O que se assistiu no Itaquerão, porém, no jogo inaugural da Copa, entre Brasil e Croácia, não teve nada a ver com o futebol ou deboche, mas com a disputa virulenta em curso pelo comando da história brasileira.
Sem fazer parte da coreografia oficial o que aflorou ali foi a mais autêntica expressão cultural de um lado desse conflito, nunca antes assumido assim de forma tão desinibida e ilustrativa.
Encorajado pelo anonimato, o gado OP (puro de origem) mostrou o pé duro dos seus valores.
Dos camarotes vips um jogral raivoso e descontextualizado despejou sua bagagem de refinamento e boas maneiras sobre uma Presidenta da República em missão oficial.
Por quatro vezes, os sentimentos de uma elite ressentida contra aqueles que afrontam a afável, convergente e impoluta lógica de sociedade que vem construindo aqui há mais de cinco séculos, afloraram durante o jogo.
Foi assim que essa gente viajada, de hábitos cosmopolitas, que se envergonha de um Brasil no qual recusa a enxergar o próprio espelho, ofereceu a um bilhão de pessoas conectadas à Copa em 200 países uma síntese dos termos elevados com os quais tem pautado a disputa política no país.
Que Aécio & Eduardo tenham se esponjado nessa manifestação dá o peso e a medida do espaço que desejam ocupar no espectro da sociedade brasileira.
Dias antes, o ex-Presidente Lula havia comentado que nem a burguesia venezuelana atingira contra Chávez o grau de desrespeito e preconceito observado aqui contra a Presidenta Dilma.
Houve quem enxergasse nessas palavras uma carga de retórica eleitoral.
A cerimônia da 5ª feira cuidou de devolver pertinência à observação.
A formação virtuosa da infância, o compromisso com a civilização, a sorte do desenvolvimento e os destinos da sociedade há muito deixaram de interessar à elite brasileira.
A novidade do coro contra Dilma é refletir o desejo cada vez mais explícito de mandar o país ao mesmo lugar exortado à Presidenta.
Ou não será esse o propósito estratégico do camarote vip ao apregoar o descolamento da sociedade brasileira de uma vez por todas, acoplando-a à grande cloaca mundial de um capitalismo sem peias, onde se processa a restauração neoliberal pós-2008?
Nesse imenso biodigestor de direitos e desmanche do Estado acumula-se o adubo no qual floresce a alta finança desregulada, que tem nos endinheirados brasileiros os detentores da 4ª maior fortuna do planeta evadida em paraísos fiscais.
Estudos da The Price of Offshore Revisited, coordenados pelo ex-economista-chefe da McKinsey, James Henry, revelam que os brasileiros muito ricos – que se envergonham de um governo corrupto-- possuíam, até 2010, cerca de US$ 520 bilhões em paraísos fiscais. (...)
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