Por Juremir Machado da Silva*
Costumamos
dar muito importância ao distante. Há uma espécie de natureza vertical
simbólica da admiração, de “cima para baixo”. Aquilo que aconteceu na
Europa nos parece mais impressionante. Aquilo que se destaca no Rio de
Janeiro ou em São Paulo nos impacta mais. Sem querer ser barrista, por
que temos tanta dificuldade em focar no que está próximo? Tem épocas em
que só a leitura me salva das minhas inquietações. Leio vorazmente. Foi
assim que me agarrei ao grosso volume de “Flavio Koutzii, biografia de um militante revolucionário, de 1943 a 1984” (Libretos), de Benito Bisso Schmidt. Que vida. Nossa!
Tarso
Genro me disse não faz muito tempo numa dessas conversas em pé antes do
começo do Esfera Pública: “Flávio foi um dos homens mais torturados”.
Fiquei pensando nisso como quem vira e revira uma mensagem a ser
decifrada. Como se resiste a uma dor assim? Como se carrega no corpo as
marcas de um sofrimento desses? Como se vive depois de ter conhecido o
pior da humanidade? Quando encontro meu amigo Flávio Tavares, outro que
sofreu nas masmorras ditatoriais, fico me perguntando em silêncio: como
ele pode ser tão leve? Eu me vergaria sob o peso do passado todos os
dias. A memória é para os fortes.
Flavio
Koutzii esteve preso na Argentina. Comeu o pão que os hermanos
amassaram. Reconstruiu-se lentamente na França. Ao seu biógrafo, afirmou
com serenidade: “Eu acho que os sentidos da vida começam e também se
extinguem com as vidas que se acabam, mas que há coisas que terão valido
à pena e há coisas que terão sido desastrosas. Senão, praticamente se
chega à ideia de que tudo era uma ilusão, de que tudo é descartável: a
dor, o sofrimento, a escolha, a tenacidade, etc. Isso é um pensamento
muito forte em mim há muito tempo”. Entendo isso assim: a dor não se
apaga. Há um sentido profundo em ter ousado.
Que
interessa saber se a revolução sonhada por Flavio e seus amigos era
justa? Injusto era e é o mundo em que vivemos. Eu penso, como sujeito
reles que sou, em coisas muito simples e práticas: um amigo me falou que
paga mais de quatro mil reais por mês de plano de saúde para ele e sua
mulher. É o topo da aposentadoria do INSS. Que mundo é este! Envelhecer
apavora. Como não admirar quem na juventude sonhou com outra coisa? E
lutou. Ficaria pior? Os exemplos históricos não ajudam. A situação da
maioria das pessoas no mundo de hoje também não consola. A aventura e a
coragem de Koutzii são emocionantes. Há derrotas que ficam para sempre
com grandes triunfos da dignidade.
Contemplo
o livro volumoso sobre a mesa. Fecho os olhos e focalizo a figura
simpática de Flavio junto a mim e Taline Oppitz na Rádio Guaíba. Tento
imaginá-lo jovem. Não o vejo em armas. Ele se materializa para mim
falando, analisando, estabelecendo conexões entre vários fatos,
almejando o futuro, defendendo teses. Que havia naqueles anos, 1960,
1970, além das ditaduras com seus tanques e fuzis, que arrancava os
jovens do conformismo e os expunha aos maiores perigos? A biografia de
Flavio Koutzii é uma viagem total ao passado recente.
*Jornalista - Fonte: http://www.correiodopovo.com.br
(Com o Portal O Boqueirão Online)
...
Nota do Editor do Blog: Justas, oportunas e corretas as palavras - e referências - feitas acima pelo Juremir. Flávio Koutzii é um exemplo de militante aguerrido, lúcido, ético, companheiro, culto, política e intelectualmente privilegiado.
Tenho o privilégio de ser amigo e companheiro de militância do Flávio, com quem muito aprendi, principalmente ao longo dos últimos 25 anos (especialmente à partir do glorioso governo do PT e da Frente Popular - 1999/2002, liderado pelo Governador Olívio Dutra -, quando trabalhei na Casa Civil, eficientemente comandada pelo Flávio Koutzii.
Mais do que merecido, portanto, o reconhecimento e a homenagem prestada.
-Salve, bravo companheiro Flávio Koutzii!!! (Júlio Garcia)
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Nota do Editor do Blog: Justas, oportunas e corretas as palavras - e referências - feitas acima pelo Juremir. Flávio Koutzii é um exemplo de militante aguerrido, lúcido, ético, companheiro, culto, política e intelectualmente privilegiado.
Tenho o privilégio de ser amigo e companheiro de militância do Flávio, com quem muito aprendi, principalmente ao longo dos últimos 25 anos (especialmente à partir do glorioso governo do PT e da Frente Popular - 1999/2002, liderado pelo Governador Olívio Dutra -, quando trabalhei na Casa Civil, eficientemente comandada pelo Flávio Koutzii.
Mais do que merecido, portanto, o reconhecimento e a homenagem prestada.
-Salve, bravo companheiro Flávio Koutzii!!! (Júlio Garcia)
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