Presidente Lula com o Presidente Pedro Sánchez (Espanha), Foto: Ricardo Stuckert/PR
Por Marcelo Zero*
George Bernard Shaw afirmou que a paz não é apenas melhor que a guerra, mas infinitamente mais árdua.
Lula que o diga.
Sua proposta de buscar uma paz para o terrível conflito na Ucrânia é, com grande frequência, mal entendida e criticada por quem defende ambos os lados da guerra.
Assim, quando o Brasil, já sob o governo Lula, votou por condenar a invasão da Ucrânia na Assembleia-Geral da ONU, houve uma chuva de críticas de indivíduos que viram naquele voto, que reiterava posições anteriores, um “retrocesso”, um “abandono da neutralidade” e, uma “concessão aos EUA e aliados”.
Por outro lado, toda vez que Lula observa que a Rússia não é a única culpada pela guerra e que os EUA e aliados deveriam incentivar menos o conflito e se empenhar mais na obtenção da paz, o mundo vem abaixo e logo surgem as acusações de que o presidente brasileiro é pró-Putin e um apoiador da “agressão”.
A histeria impera. O grande Celso Amorim, por exemplo, foi obrigado a ouvir um conhecido comentarista exigir, aos berros, que ele deveria ter visitado a Ucrânia, na mesma viagem em que Amorim fez uma visita à Rússia. A logística impossível pouco importava.
Costuma-se dizer que a primeira vítima da guerra é a verdade. Na realidade, a primeira vítima é a razão. A guerra gera, com frequência, um nevoeiro de ódio que cega qualquer racionalidade.
Mas a busca da paz não pode prescindir, sobretudo, da razão.
A insistência em julgamentos morais simplórios, com base em uma interpretação muitas vezes parcial e enviesada dos acontecimentos históricos que levaram ao presente conflito, não será capaz de conduzir à paz ou, ao menos, a um cessar-fogo.
Com efeito, se parte-se do pressuposto de que a Rússia é uma potência agressora que invadiu a Ucrânia sem nenhum motivo, e que, portanto, todos os países deveriam apoiar o esforço de guerra dos ucranianos, a paz não tem a menor chance de prosperar.
Ao contrário, a guerra tende a se alastrar e se aprofundar, com consequências nefastas para todo o mundo.
Se essa guerra antepõe, de forma maniqueísta, o Bem contra o Mal, como querem vastos setores desinformados da nossa mídia, então trata-se de uma guerra santa, que só poderá ser encerrada quando o primeiro derrotar inequivocamente o segundo.
Mesmo que isso signifique, no limite, a Terceira Guerra Mundial.
Ora, a primeira pré-condição óbvia para que se chegue a um armistício é reconhecer a Rússia como um interlocutor legítimo. Se isso não for feito, e se Putin continuar a ser caracterizado como um demônio perverso, não haverá processo de paz.
É por isso que Lula e a diplomacia brasileira, embora tenham condenado sistematicamente a invasão a Ucrânia como uma clara violação da Carta das Nações Unidas, evitam posicionamentos desequilibrados que impeçam a busca racional do diálogo e das negociações.
EUA e alguns aliados europeus parecem, muitas vezes, não querer escutar a razão dos que buscam a paz.
Nem todos, porém.
José Luis Zapatero acabou de publicar um magnífico artigo, no El País, intitulado Escuchem a Lula da Silva.
Nesse artigo, Zapatero afirma, com toda razão, que é necessário
“reafirmar e atualizar os princípios fundadores das Nações Unidas, da Carta de São Francisco e, de forma singular, desse ambicioso programa comum representado pelos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), que constituem seguramente o compromisso mais exigente que a comunidade internacional já conseguiram. É impensável que se possa avançar no seu cumprimento num clima de confrontação e guerra fria. Os ODS pedem diálogo, cooperação e estabilidade global.”
Pois bem, esse projeto de longo prazo de multilateralismo, paz, cooperação e equidade global é, afirma Zapatero, um projeto de Lula.
Segundo esse notável ex-mandatário espanhol,
“desde que iniciou seu terceiro mandato, o presidente Lula promoveu uma nova conjuntura política global. No pouco tempo decorrido, ele afirmou, em sua visita aos EUA, um diálogo construtivo com o presidente Joe Biden; ratificou sua atitude de colaboração com a China e os BRICS; recebeu o chanceler alemão; formulou uma proposta de paz para a Ucrânia com a criação de um G-20 para esse fim; ele conversou com o presidente Volodímir Zelenski; e seu assessor especial, o respeitado diplomata Celso Amorim, se reuniu com Vladimir Putin.”
Zapatero conclui seu artigo com a seguinte passagem:
“Na noite de 30 de outubro do ano passado, dia da vitória eleitoral de Lula, ouvi estas palavras dirigidas aos convidados que vieram a São Paulo para apoiá-lo: ‘Não merecemos uma nova guerra fria e não vamos aceitar isso. Não merecemos tanta pobreza e desigualdade no mundo e vamos mudar isso’. Quem tem essas convicções, em um momento como o atual, e à frente de um país como o Brasil, por sua vez, merece todo o nosso encorajamento e apoio, o dos defensores do diálogo político, da ação decidida em prol da paz e do compromisso com os esquecidos para sempre.”
Felizmente, a avaliação de Zapatero sobre Lula não é isolada.
Na realidade, a maior parte dos países do mundo não quer se envolver nessa perigosa guerra e deseja sinceramente que ela acabe logo, antes que se transforme em um conflito de grandes proporções.
Nesse sentido, Lula está, corajosamente, dando voz à maior parte da comunidade internacional, que não está cega de ódio e que procura soluções racionais para pôr fim à guerra.
Lula é, nesse momento, a voz da razão.
É preciso escutá-la.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
**Fonte: Viomundo
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