A grande imprensa e o mercado financeiro: uma aliança que alimenta previsões erradas, pressiona políticas públicas e distorce a percepção econômica do país
Por Luís Humberto Carrijo*
Recente levantamento do UOL Notícias de que o mercado errou 95% das previsões sobre economia desde 2021 nos leva à pergunta de por que, então, a imprensa corporativa continua repercutindo acriticamente e com estardalhaço esses prognósticos furados?
Para responder a essa pergunta é preciso entender que os barões da mídia firmaram, já no ocaso do regime militar, um pacto com os agentes econômicos de legitimar o evangelho do neoliberalismo, que desabrochava com o fim da Guerra Fria, e de reverberar o ponto de vista do mercado financeiro, cujo apetite ditaria as regras dos demais setores econômicos.
Embora irreais, essas estimativas econômicas, mais próximas a profecias ciganas do que a exames técnicos e científicos, não exerceriam efeito concreto sobre o sentimento geral da economia não fosse o papel estratégico da mídia mainstream, que gera conteúdos alarmistas (reportagens enviesadas, editoriais, colunas e artigos catastróficos), produzindo um cenário fantasioso que, ao fim e ao cabo, pressiona a agenda política e molda a política monetária.
O levantamento do portal UOL é só mais um lastro que confirma como a ligação umbilical da imprensa corporativa com o mercado financeiro é uma aliança que sabota a economia do país. Ao fazer tabelinha com os financistas, a imprensa legitima previsões altamente suspeitas de manipulação por agentes que se beneficiam desses prognósticos em detrimento do resto da economia.
Essa relação perniciosa para o conjunto da sociedade, em que a mídia continua dando espaço e avalizando previsões econômicas, mesmo quando se mostram imprecisas, integra um modelo de negócio que segue alguns critérios:
1 - Demanda por conteúdo preditivo
- O público quer entender o futuro da economia, especialmente em relação às taxas de juros, inflação e movimentos cambiais, que impactam diretamente as finanças pessoais e as decisões empresariais. As previsões, independentemente da precisão, ajudam a mídia a atender a essa demanda e manter os leitores engajados.
2 - Modelagem narrativa
- A mídia frequentemente usa previsões econômicas para moldar narrativas, seja para apoiar certas agendas políticas ou financeiras ou para gerar manchetes que provoquem interesse ou preocupação. Por exemplo, previsões pessimistas podem atrair mais atenção, pois exploram medos de instabilidade financeira.
3 - Relacionamentos com instituições financeiras
- Muitos veículos de mídia têm parcerias ou relacionamentos de publicidade com instituições financeiras e think tanks. Essas entidades se beneficiam de ter seus economistas em destaque, pois isso aumenta seu perfil e influencia a percepção pública.
4 - Falta de análise retrospectiva
- A mídia raramente revisita previsões antigas para avaliar sua precisão. Em vez disso, eles se concentram em publicar as projeções mais recentes, permitindo que os analistas evitem o escrutínio por seus erros passados.
5 - Valor de entretenimento
- As previsões econômicas, mesmo quando falhas, servem como uma forma de infoentretenimento. Previsões dramáticas sobre picos de inflação ou quedas de mercado capturam a atenção do público e direcionam tráfego para plataformas de mídia.
6 - Incerteza econômica como tema constante
- A mídia prospera na incerteza e no debate. Previsões contraditórias mantêm os leitores engajados e criam um senso de urgência, mesmo que isso às vezes signifique publicar previsões que não tenham uma base factual forte.
Essa engrenagem complexa, que envolve agentes e lobbies econômicos poderosos, barões da imprensa e autoridades políticas comprometidas com os bancos, produz, no final das contas, ondas de desinformação que se diferenciam das fake news tradicionais - do nível “taxação do Pix” ou “mamadeira de piroca” -, apenas na sofisticação de sua elaboração e nos atores envolvidos. Mas tanto um como outro tem potencial de moldar a percepção das pessoas sobre a realidade e de corroer os alicerces da democracia.
*Jornalista e comunicador - Via Brasil247
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