14 novembro 2008

Eduardo Galeano










Os nosso espelhos, por Eduardo Galeano

*Emir Sader

Uma vez ao mês, mais ou menos, ele –o nosso melhor escritor– nos brinda com uma crônica que fala de tudo e de todos, em poucas palavras e linhas.
[Carta Maior]


Diz tudo, com a contundência, a erudição e o fervor moral de quem desvenda as leis ocultas do nosso tempo e as torna legíveis aos olhos de todos. Como se estivesse atendendo ao pedido desesperado de Brecht, quando falava da maior das dificuldades para dizer a verdade: não era a de descobri-la, a de separar as essenciais das inócuas, mas a de fazê-la chegar a quem mais precisa delas, as maiores vitimas das mentiras do nosso tempo.

Para isso, escolher uma linguagem compreensível, buscar exemplos do cotidiano, falar do que importa para uma vida melhor, denunciar o inaceitável e levantar esperanças donde só se pode ver miséria, desencanto e morte. Para que a verdade seja reconhecível para quem vive embrulhado por inverdades, principalmente pelas mentiras do silêncio sobre o que é fundamental, invisível aos olhos e corações, como tarefa cotidiana da imprensa mercantil.

Cada tanto tempo ele nos regala com livros. Alguma vez me perguntaram que livro eu recomendaria a alguém que fosse ler um único livro e eu respondi: O mundo de cabeça para baixo. Agora tenho que acrescentar: no século passado. Neste recém nascido, eu diria: Espelhos – Uma história quase universal.

Ele se chama Eduardo Galeano, vive em Montevidéu, mas habita o mundo e os nossos corações. É o mais subversivo dos seres humanos, por isso o Brasil é o único pais dos que eu conheço, que não publica suas crônicas regularmente na chamada grande imprensa. Não querem dar tiro nos seus próprios pés – ou no próprio bolso, permitir comparações com os ventríloquos dos poderosos que eles publicam diariamente. Fazem bem. Censuram por razões compreensíveis, tornam mais saborosos ainda os textos do Galeano.

Espelhos:

Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos nos recordam.
Quando nos vemos, nós os vemos.
Quando nos vamos, eles se vão?

Essa a abertura. Na última capa:

Este livro foi escrito para que não se vão.
Nestas páginas se unem o passado e o presente.
Renascem os mortos, os anônimos têm nome:
os homens que levantaram os palácios e os templos de seus senhores;
as mulheres, ignoradas pelos que ignoram o que temem;
o sul e o oriente do mundo, desprezados pelos que desprezam o que ignoram;
os muitos mundos que contêm e esconde;
os pensadores e os sentidores;
os curiosos, condenados por perguntar,
e os rebeldes e os perdedores e os loucos lindos que foram e são o sal da terra.

.....

Não digo mais nada, não cito mais nada, me entristeci quando terminei a leitura dos quase 600 relatos, aí me alegrei quando recomecei. Só lhes digo: leiam, leiam todos os seus relatos. Mas sobretudo leiam a história de Rosa María, a primeira negra alfabetizada no Brasil, como nasceu, como viveu e como desapareceu. Nos enfeitiçamos com ela e com os espelhos em que reconhecemos o mundo que criamos e recriamos todas as horas, mas em que fingimos não nos reconhecermos.

Espelhos de nós mesmos. Obrigado, Galeano.

............

* Este belo e emocionante artigo do também escritor (e professor) Emir Sader, escrito originalmente em 10/05/2008 na Carta Maior, é uma modesta homenagem do Blog ao companheiro escritor Eduardo Galeano (foto), que ontem esteve autografando na Feira do Livro de Porto Alegre.

3 comentários:

Anônimo disse...

Júlio,

Não apenas leio teu ótimo blog com freqüência como também aprecio muito o Eduardo Galeano por questões que nem precisam ser explicadas.

É ótimo saber que tu estás te formando em Direito. Sinto que há falta de especialistas em muitas áreas engajados em causas de esquerda em geral, seja atuando diretamente em partidos e sindicatos como também em ONGs e em associações de bairro, por exemplo.

No geral, a maior crítica que eu faço a partidos e sindicatos reside no fato de que o sistema jurídico que rege a participação democrática em termos de representação parlamentar, financiamento de campanhas e fidelidade partidária está falido: para voltarmos a ter um PT do jeito que nos acostumamos a militar antigamente e que prestava serviços àqueles que mais precisam sem se vergar a interesses poderosos em troca da concessão para realizar investimentos sociais, é preciso discutir, acima dos manuais programáticos de governo e das estratégias de conscientização política da população, uma alteração profunda nesse modelo.

E é justamente por isso que eu também critico os sindicatos, já que o papel deles tem-se restringido muito mais a ajudar filiados em questões trabalhistas ao invés de mudar de foco: da reivindicação por emprego para o diálogo com ONGs, empresas públicas e privadas e o sistema 5S no intuito de prover formação empreendedora para qualificar profissionais que não teriam nem como abrir um pequeno negócio, nem espaço nas grandes empresas e indústrias.

Além disso, o foco dos sindicatos também deveria direcionar-se para um fundo residual que garantisse provisoriamente a filiados desempregados ou em processo de qualificação profissional uma determinada cota provisória para plano de saúde complementar ao SUS.

Fora uma tentativa razoavelmente bem-sucedida na campanha da Manuela, verifico um uso muito tênue das possibilidades da internet como formadora de redes sociais através de seus canais de relacionamento.

Tais observações são fundamentais para a resistência ao império na pós-modernidade, tendo em vista que jamais se vence o poder hegemônico utilizando-se de armas que não correspondem à tecnologia da qual esse mesmo império se utiliza para exercer a sua dominação.

Percebo esse atraso (que não é um conceito depreciativo nem tampouco uma retórica vazia ou propagandista) nos partidos e sindicatos de esquerda porque, embora jamais se perca a origem popular e operária, temos perdido terreno nas grandes metrópoles brasileiras porque o perfil de suas respectivas populações não é mais composto pelo predomínio de trabalhadores da indústria mas, sim, pela maior quantidade de vendedores, gerentes e pequenos executivos no setor de serviços.

Por fim, investimento em veículos de mídia analógica como jornal, revista e televisão são caríssimos. A Internet é ideal para um público-alvo de 77% de moradores urbanos que compõe atualmente mais de 40 milhões de habitantes, com uma enormidade de telecentros disponíveis e um investimento cada vez maior em escolas públicas e redes sem fio de acesso fácil e barato, enquanto o rádio atinge às pessoas de menor estudo e maior idade em todos os rincões.

É um tema para reflexão e proposição. Afinal de contas, do jeito que a coisa está indo, não será mais nenhum desrespeito, crime ou alienação justificar o voto, reivindicar pelo voto facultativo ou, simplesmente, votar branco ou nulo: parto do princípio que, se não existe a menor possibilidade de eu votar na direita, caso ocorra uma aberração como Maria do Rosário ou uma derrota mais do que certa se repetirmos os mesmos bons nomes do passado (talvez à exceção do companheiro Olívio), a negação da participação não pode mais ser vista como a negação de um direito.

A sociedade se move e se transforma continuamente, em um ritmo cada vez mais acelerado e difícil (porém crucial) de se acompanhar. Nem sempre da maneira com que a nossa utopia sonharia em ver.

O que importa é a disposição e a agilidade em compreender e tirar proveito de um novo espaço público - que é, mais do que o da rua (que sempre estará lá), a centelha do conhecimento do homem acerca de seu mundo: o ambiente midiático.

[]'s,
Hélio

JÚLIO GARCIA disse...

Prezado companheiro Hélio Paz, fico muito honrado por tê-lo como leitor e, principalmente, pelo conteúdo reflexivo/propositivo do teu qualificado comentário postado neste blog. Temos muitos pontos de vista convergentes. Também sou leitor assíduo do teu excelente blog. Precisamos conversar mais...
Grande abraço!

Alice disse...

Olá, sou super fã de Eduardo Galeano, e serei seguidora aqui. O blog está ótimo, parabéns.