“Se me consideram um mito, o mérito é dos EUA”
Líder da primeira revolução que rompeu com o imperialismo e expropriou a burguesia na América Latina, morreu em 25 de novembro Fidel Castro Ruz.
Por JulioTurra*
Aos 90 anos de idade – afastado há 10 anos do exercício direto do poder em Cuba – Fidel já havia deixado seu nome marcado na História e, em particular, na memória dos povos oprimidos de todo o mundo, por haver desafiado o imperialismo mais poderoso com a revolução cubana de 1959 realizada a apenas 100 km dos EUA e a resistência ao seu cerco, embargo econômico e agressões sucessivas por décadas.
A revolução cubana rompeu, nos fatos, com a lógica da “coexistência pacífica” entre o imperialismo dos EUA e a burocracia dirigente na ex-URSS (União Soviética), liderada então por Khrouschov, de divisão do mundo em “zonas de influência” na chamada “guerra fria”. Afinal, Cuba, desde de sua independência da Espanha (1898), tornara-se uma virtual colônia dos EUA e jamais a burocracia soviética teve planos de romper o equilíbrio mundial (“não mexe no meu, que não mexo no teu”) numa ilha tão próxima de Miami.
O jovem Fidel não era socialista. O papel que veio a jogar na revolução cubana combina-se com o movimento próprio das massas no país. Como estudante, combatia a ditadura pró-EUA de Fulgêncio Batista com um ideário democrático, tendo sido preso após o “assalto ao quartel de Moncada” em 1953 e anistiado dois anos depois. Ao fundar, em 1955, o Movimento Revolucionário 26 de julho (M-26-7) – a organização política que dirigiu a revolução cubana – Fidel e seus companheiros de então afirmaram uma plataforma “democrática e humanista” ao mesmo tempo que organizaram a guerrilha que, entre 1956 ao início de 1959, vai derrubar Batista.
O partido cubano que seguia as ordens de Moscou – PSP à época – que já havia apoiado e participado com ministros de governos de Batista, foi hostil e denunciou o M-26-7 como aventureiro. E só veio somar-se aos guerrilheiros às vésperas da entrada triunfal de Che Guevara e Camilo Cienfuegos em Havana.
O processo que levou ao surgimento do Partido Comunista Cubano
Foi a própria dinâmica da revolução que provocou a adesão, anunciada apenas em 1961, de Fidel e seus companheiros ao socialismo. Para obter o apoio das massas camponesas e dos trabalhadores urbanos (Havana estava em greve geral quando o ditador Batista foge para Miami), os revolucionários aplicaram um programa democrático radical que se chocou com os interesses dos EUA na ilha. A reforma agrária implicava expropriar grandes empresas “gringas” que controlavam os latifúndios exportadores de cana de açúcar e tabaco. A reação de Washington às expropriações foi brutal: armou mercenários para a fracassada invasão da Baía dos Porcos e, depois, decretaram o embargo econômico a Cuba que perdura até hoje.
Assim, num país dominado pelo imperialismo, a realização de tarefas democráticas e de libertação nacional, se combinaram com tarefas socialistas de expropriação do grande capital para introduzir uma economia centralmente planificada e baseada na propriedade coletiva dos meios de produção.
Como o próprio Fidel disse no 1º congresso do Partido Comunista Cubano (1975): “O imperialismo não podia tolerar sequer uma revolução de libertação nacional em Cuba. (…) mas a nação cubana não tinha outra alternativa, o povo não podia e não queria mais retroceder. Nossa libertação nacional e social estavam indissoluvelmente ligadas. ”
O Partido Comunista Cubano (PCC) resultou da fusão do M-26-7 de Fidel, do Diretório (estudantes) e do PSP. Diante do embargo dos EUA, a URSS apresentou-se como parceira econômica de Cuba e aumentou sua pressão para alinhar Havana com sua política externa. O que provocou não poucas tensões e crises.
Fidel com Khroutschov: stalinismo joga com Cuba na “guerra fria” |
Na verdade, não foram os “homens de Moscou” que vieram a dirigir no início o PCC e o Estado cubano, mas sim os veteranos da guerrilha – Guevara, Raúl e o próprio Fidel – como ficou explícito no episódio da prisão de Aníbal Escalanteem 1962 (dirigente stalinista do PSP que manobrava para cavar posições no aparelho do estado cubano).
A direção cubana nunca foi um simples “apêndice de Moscou”, pois, como na Iugoslávia ou na China, ela havia feito uma verdadeira revolução que não estava nos planos da URSS. O que explica que, pelo menos até a morte do Che nas selvas da Bolívia em 1967, Havana tivesse uma política externa distinta dos partidos comunistas ligados a Moscou, de submissão do movimento operário e popular da América Latina à burguesia nacional e ao imperialismo.
Já a burocracia da URSS encarava Cuba como uma “peça” de seu jogo de “guerra fria” com os EUA, como ficou claro na “crise dos mísseis” de 1962. Khrouschov instalou mísseis na ilha para “defender Cuba”, provocando a reação de Kennedy que exigiu sua retirada, ameaçando uma guerra. Passando por cima de Fidel – que era contra ceder à ameaça dos EUA – a URSS retira os mísseis.
Mas a tentativa de extensão da revolução para outros países da América Latina via “focos guerrilheiros” encabeçada pela OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade) fracassou, pois, as condições particulares em que se deu a revolução cubana não existiam em outros países. Foi o que levou Cuba, isolada no continente, a depender da URSS para sua sobrevivência.
A partir daí ocorre um alinhamento com a política de Moscou por parte da direção cubana, que leva Fidel a apoiar a invasão da Tchecoslováquia pelos tanques russos em 1968 e depois a condenar a luta dos trabalhadores poloneses em 1981 e até a apoiar o massacre da praça da Paz Celestial pela burocracia chinesa em 1989.
Com a queda do Muro de Berlim e o desaparecimento da URSS (1989-91), Cuba vive o pior momento econômico de sua história, com o povo passando privações imensas. Inicia-se então, um processo de “reformas” que envolvem uma abertura a investimentos estrangeiros no setor de turismo e daí para outros setores econômicos em associação com o estado cubano. Um processo que continua com altos e baixos até hoje.
Esse processo de abertura ao mercado capitalista provoca divisões e hesitações entre os próprios dirigentes cubanos, pois ele ameaça as conquistas da revolução cubana no campo da saúde e educação, por exemplo. Ele começou com Fidel e nos últimos 10 anos foi assumido por Raul Castro.
Fidel Castro com Hugo Chávez |
Cuba obteve um respiro com o surgimento de governos na América Latina que foram fruto da resistência das massas à política do imperialismo dos EUA, como a Venezuela de Chávez. Mas hoje esses governos estão em crise ou foram derrubados, como no Brasil, por não terem levado até o fim uma política de ruptura com o imperialismo, tal como a própria Cuba fez nos primeiros anos da sua revolução.
Obama restabeleceu relações diplomáticas com Cuba, mas o embargo não foi rompido e agora Com Donald Trump presidente dos EUA, abre-se um período de incertezas.
Sobre a normalização das relações com os EUA, Fidel, já retirado da cena principal, comentou no ano passado: “Não confio na política dos EUA nem troquei nenhuma palavra com eles, sem que isso signifique tampouco, uma rejeição à solução pacífica dos conflitos ou perigos de guerra”.
A 4ª Internacional e a Revolução Cubana
A 4ª Internacional desde sempre, e independentemente das divergências que tem com o regime de partido único: a ausência de liberdade sindical e do modelo burocrático existente na ilha e, independentemente de divergências em relação à política externa da direção cubana, colocou-se, e sempre se colocará, na defesa intransigente das conquistas da revolução cubana contra as ameaças do imperialismo. Em 1998, na cidade do México, várias de suas seções no continente, no marco das ações do Acordo Internacional dos Trabalhadores e do Povos, contribuíram para realizar uma Conferência Continental em Defesa das Conquistas da Revolução Cubana.
Fidel Castro certamente passará para as gerações futuras como um líder que ousou desafiar o imperialismo mais poderoso, confiando na capacidade das massas de fazer a revolução. Um exemplo de luta, apesar das contradições que marcaram a sua trajetória política.
As conquistas da revolução cubana estão hoje ameaçadas por todo o desenvolvimento da situação mundial. Mas, ao mesmo tempo, elas serão defendidas pelas massas de Cuba e de outros países como pontos de apoio para a necessária contraofensiva à política de guerra e destruição do imperialismo.
A 4ª Internacional se faz e se fará presente neste combate decisivo para o futuro da humanidade.
*Julio Turra é membro da Direção Nacional da CUT, da corrente O Trabalho do PT e do Diálogo e Ação Petista - DAP.
Fonte: http://otrabalho.org.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário