25 janeiro 2017

‘Governar na crise’


Por Céli Pinto*
A leitura do excelente livro “Governar na Crise”, de Marco  Weissheimer, sobre o governo Tarso Genro, nos obriga a perguntar: quando teremos novamente uma proposta de governo como aquela?
O livro traça uma radiografia muito completa sobre o governo de Tarso Genro, mostrando todas as propostas e realizações. Não se trata de um elogio fácil, certamente muitas das propostas não conseguiram ser realizadas completamente, outras talvez pudessem ter sido melhor formatadas, mas o que fica muito claro é que havia uma proposta de governo e ela  tinha uma concepção política ideológica precisa: era democrática, tinha uma preocupação central com o social, com as classes populares, com o funcionamento correto dos serviços públicos. Mas nada disto foi suficiente para impedir a derrota de Tarso e, em 2016, do PT  nas eleições  municipais de Porto Alegre.
No capítulo do livro que analisa esta derrota, Tarso Genro é entrevistado e afirma que  “perdemos pelos nossos acertos; perdemos porque perdemos a opinião pública.”  Concordo com o governador e a questão agora é saber porque, apesar  dos acertos,  perdemos a opinião pública.
A questão da mídia, tanto nacional como regional, cumprindo com grande eficiência a tarefa de desconstruir o PT, sempre deve ser considerada como um ator fundamental.Mas o que não podemos  esquecer é que esta mídia não mudou nos últimos três anos, os ataques aos governos petistas pela Globo e especialmente pela RBS, no Rio Grande do Sul, foram constantes deste a primeira vez que o PT assumiu a prefeitura de Porto Alegre com Olívio Dutra. O que aconteceu é que, em um certo momento, o massacre da mídia tornou-se o princípio da verdade.
Podemos refletir sobre esta questão, a partir da problemática da rearticulação do capitalismo internacional e nacional.  Podemos refletir a da crise política  e dos repetidos escândalos de corrupção.
Penso que estes fatores devem ser levados em consideração, mas temos de pensar analítica e politicamente e responder uma outra  questão: por que o eleitor vota agora na direita? Votou em massa em prefeitos conservadores, neoliberais em figuras que transitam nas margens da caricatura, como o atual prefeito de São Paulo.
Muitas críticas foram feitas ao PT, e uma das mais fortes é que o partido se afastou dos movimentos populares. Isto é verdade. Um partido no governo por muitos anos se deturpa, não por questões morais, por gosto pelo poder e outras quimeras desta natureza. Deturpa-se porque governar é o esforço do possível. Cada pequena vitória, que parece as vezes prosaica para o cidadão  comum, custa muitas vezes grandes acordos. Isto é da natureza do governar em regimes democráticos e nós vivíamos em um regime democrático com todas as mazelas que a democracia traz consigo.
Mas o afastamento dos movimentos sociais, discutido repetidamente dentro do próprio PT, não explica o voto na direita, pelo simples fato de que imensa maioria dos eleitores que votaram no PT nunca pertenceram a nenhum movimento social, não era esta a militância que fazia a maioria votar no PT. Quem votava no PT, e agora votou no Marchezan, no Doria, no Crivella e outros da mesma linha, são homens e mulheres trabalhadores, simples, que acreditavam no PT, que melhoraram de vida nos governos petistas, mas que viram o partido desmoronar. Não foram os governos petistas que desmoronaram, foi o partido. Tarso Genro fez um bom governo no Rio Grande do Sul. Haddad foi certamente o melhor prefeito do Brasil durante a sua gestão. Mas isto não resultou em ganhos para os candidatos em 2016.
Junto aos velhos eleitores petistas que abandonaram o partido está uma juventude, que possivelmente é a massa do eleitorado que não compareceu às urnas. É um eleitorado, muitas vezes de esquerda, mas não petista e não partidário. O PT, para quem tem 20 anos, é o velho. Desde que se deram conta da vida, o PT era o governo, era a autoridade a ser batida. E os jovens têm razão. O PT atualmente é um partido de pessoas velhas, na sua grande maioria.
Não  parece razoável pensar que o PT morreu, mas para que o partido possa se apresentar novamente com uma proposta vitoriosa eleitoralmente, para que possamos ter na disputa política as questões de desenvolvimento, de democracia, de igualdade como centrais, o partido tem de enfrentar suas mazelas. A renovação é urgente. O pacto democrático que possibilitou a viabilidade política do PT se esgotou. E o PT é parte deste pacto, superá-lo exige um esforço político hercúleo.
A história do surgimento do PT é a história do novo em um cenário de pacto político (não democrático, porém pacto) esgotado. O PT pode ser  um ator  importante na construção de um novo pacto  democrático no Brasil, mas não está escrito nas estrelas que será. E esta é a realidade a enfrentar. O PT tem de novamente dizer ao povo brasileiro a que veio, para rearticular sua bases e sair do imobilismo das discussões intra partidárias.
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Céli Pinto é Professora Titular do Departamento de História da UFRGS.
*Via Su21

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