Por Rogerio Dultra dos Santos*
Nunca desconfiei que as intenções da “força tarefa” inconstitucional
criada para criminalizar setores da política e da economia produtiva no
Brasil pudessem ocultar interesses escusos, como vantagens pecuniárias
indevidas, tráfico de influência, peculato, etc.
Por outro lado, desde que a operação iniciou os seus trabalhos, eram
óbvios o enviesamento das investigações, a utilização política do
processo penal e a violação sistemática da legislação para alcançar as
finalidades persecutórias, de outra forma não viáveis.
O caráter proto-fascista da ação judicial e das manifestações de seus
responsáveis eram claros e foram denunciados em vários momentos, por
distintos veículos de comunicação no Brasil e fora dele.
Havia – e ainda há – uma clara articulação entre os grandes
conglomerados de comunicação de massa e os delegados, procuradores, juiz
e desembargadores. Seu objetivo é o de antecipar culpas, produzir
condenações na opinião pública e conduzir uma narrativa em que o
processo judicial funcione como uma corroboração das “sentenças
condenatórias” produzidas na televisão e nos jornais de circulação.
A estratégia é que uma comoção pública induzida chancele a priori
os desmandos processuais e constranja as instâncias judiciais
superiores a endossar de forma cega as decisões canhestras da Operação
(como escutas telefônicas ilegais, conduções coercitivas fora do limite
processual e acordos de delação ao arrepio da constituição e do devido
processo).
Até este momento, a noção de que parte do sistema de justiça tinha se
corrompido para a perseguição de inimigos políticos e não para a
aplicação da lei era que esta corrupção estava centrada sob uma ótica
política. Corrupção política do sistema, utilização distorcida de suas
instituições para o cumprimento de objetivos torpes, mas objetivos tão
somente político/econômicos (porque em conluio com o grande capital
especulativo). E isto na esteira do golpe de Estado comandado pelo
partido derrotado nas ultimas quatro eleições majoritárias, o PSDB, sob a
voz de Aécio Neves e sob a batuta de Eduardo Cunha.
Este desiderato alçou os componentes da Operação Lava-Jato ao
estatuto de heróis ou deuses para parte significativa dos brasileiros.
Até ontem.
Tudo muda de figura com o depoimento do ex-advogado das empreiteiras
Odebrecht e UCT Rodrigo Tacla Durán à CPI da JBS. As denúncias do
advogado lançam sobre os integrantes da Operação uma imensa sombra de
dúvida e suspeita de que os seus objetivos eram não exclusivamente
políticos, mas também voltados para a aquisição de vantagens pessoais da
mais variada espécie.
É preciso lembrar que se criou artificialmente no país, desde a
“redemocratização”, um caldo cultural onde a fome, a desigualdade, a
violência (em todas as suas matizes), o déficit de direitos, o arbítrio
das agências repressivas, tudo se torna menos importante que o combate à
corrupção.
A eleição do Presidente Fernando Collor de Mello em 1989 – e sua
“plataforma” de “caça aos marajás” do serviço público – foi talvez o
primeiro sintoma de que o lacerdismo não nos abandonaria facilmente.
Lacerdismo moralista como desculpa para o desmonte do Estado e para a
dilapidação do patrimônio público.
O bordão “ética na política”, bandeira compartilhada pela esquerda e
pela direita desde a ascensão de Lula no final dos anos 1970, adquiriu
lado, na passagem dos anos 1990 para os anos 2000. Em especial, o
moralismo raso desenvolveu-se à larga com a judicialização da política
advinda da derrota do PSDB em 2002.
O “mensalão”, com as inovações procedimentais e espetaculares, já
hoje de todos conhecida, foi o início de um ciclo punitivista de largo
espectro político que parece, desde ontem, pelo menos, começar a perder a
legitimidade dourada, personalizada nos cruzados castiços do MPF de
Curitiba.
O “mar de lama”, metáfora para a suposta corrupção das esquerdas e
das lideranças populares, de Getúlio Vargas a Lula, parece recair sem dó
sobre a Lava-Jato.
[Um parêntesis: registre-se que houve um esforço mensurável do
Ministério da Justiça, ainda sob o governo Dilma Rousseff, para que a
“força tarefa” Lava-Jato fosse preservada na sua santa missão. O PT dava
corda para o seu próprio enforcamento, a olhos vistos. Como ocorreu no
caso dos Deputados Estaduais cassados ilegal e inconstitucionalmente no
Rio de Janeiro, a esquerda brasileira, incluindo o PT, ainda é uma
esquerda punitiva, porque chancela a punição dos inimigos políticos
independentemente do devido processo.]
Assim como as boas intenções de Fernando Collor foram rapidamente
desmascaradas pelo seu próprio irmão, Pedro Collor, que denunciou um
enorme esquema de corrupção coordenado pelo tesoureiro PC Farias,
assistimos hoje as mesmas ilibadas intenções, agora sob a batuta da
Lava-Jato, começarem a ser questionadas no que respeita aos destemidos
“heróis” da Operação.
O depoimento de Tacla Durán, dado ontem, levanta um véu que até então
pairava sobre os arautos da moral alheia, aparentemente imbuídos na
exclusiva missão de “purificar” a política e “limpar o país da
corrupção”.
Segundo o depoimento do advogado Tacla Durán, residente hoje na
Espanha, existem provas – que devem ser verificadas na sua veracidade
pelas autoridades competentes – de que há em Curitiba um esquema de
venda de facilidades em torno das delações premiadas, no núcleo da
Operação Lava-Jato.
Este esquema atingiria Procuradores Federais e provavelmente o próprio juiz da Operação, Sérgio Moro.
Parece que se inaugura a tragédia dos deuses e heróis, como no quadro
de Chenavard, ilustrado acima. Quem sobreviverá se se comprovarem as
denúncias de Tacla Durán?
Essas denúncias são tão graves porque apontam para o núcleo
operacional da Lava-Jato. Em especial, para o padrinho de casamento,
ex-sócio da esposa do juiz Sérgio Moro, seu amigo e advogado Carlos
Zucolotto.
Zucolotto, além de já ter advogado para o próprio Sérgio Moro, também
já advogou para o Procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, outro
integrante da Operação de Curitiba.
Zucolotto seria responsável, segundo Durán, por negociar desconto de
U$ 10 milhões em multa determinada pelo MPF em delação a ser realizada
pelo espanhol. Parte do dinheiro seria – segundo conversas gravadas por
Durán num aplicativo de celular –, repassado a um membro da Lava-Jato
com iniciais DD.
Alguns indícios anteriores ao depoimento de Tacla Durán na CPI da JBS
já levantavam suspeitas sobre esquemas escusos no seio da Lava-Jato.
Ex-advogados de réus da Operação foram afastados por não concordarem
com os termos exigidos pelo MPF para as delações. Estes disseram, em
momentos variados, que um seleto grupo de advogados supostamente eram
escolhidos pelos próprios integrantes da Lava-Jato para representar réus
nos processos de delação, todas com algum tipo de cláusula ilegal.
Zucolotto seria, segundo Tacla Durán, um desses intermediários, a
prometer modificações nas cláusulas das delações em troca de dinheiro
“por fora” supostamente para pagar integrantes da Operação.
Outro movimento no mínimo estranho foi a contundente defesa que o
próprio Juiz Sérgio Moro fez de seu amigo e compadre Zucolotto em uma
nota “oficial” onde afirma categoricamente que não são verdadeiros os
fatos alegados contra Zucolotto.
Moro coloca a mão no fogo pelo advogado amigo e questiona a
declaração de Tacla Durán. Esta declaração, entretanto, se realizou em
moldes muito menos constrangedores que as delações obtidas na Lava-Jato,
utilizadas sem problema como meio de prova para incriminar políticos e
empresários a granel.
Para se ter ideia do tamanho da bomba que é este depoimento de Tacla
Durán, leia-se, por exemplo, o insuspeito artigo do jornalista Reinaldo Azevedo.
Azevedo fala, dentre outras coisas, que se Moro fosse submetido aos
seus próprios critérios de “investigação”, ele próprio já estaria em
maus lençóis com a justiça.
Respeitando o devido processo legal e as garantias constitucionais,
passou da hora de investigar a sério o que realmente se passa nos
gabinetes de uma operação judicial que manipula milhões de reais,
aparentemente sem qualquer controle ou supervisão. Ou a lei não é para
todos?
*Via O Cafezinho
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