Por Paulo Moreira Leite, jornalista*
Sabemos que não existem jornadas banais em tempos de tragédia.
Neste início de semana, nem parece que, há apenas dez dias, em
22 de março, foi possível obter uma dupla vitória no STF com decisões,
mesmo em caráter provisório, a favor de Lula.
Também parece difícil acreditar que, mesmo ameaçada por
manifestações fascistas que incluíram disparos de arma de fogo, a
caravana de Lula tenha sido capaz de festejar um final vitorioso em
Curitiba, ao lado de Guilherme Boulos e Manuela Davilla, depois de uma
selva de adversidades na qual até sua suspensão chegou a ser sugerida.
O fato é que um fato especialmente grave deve ser encarado:
dentro de 48 horas, o Brasil pode ter se transformado num país
irreconhecível quando comparado com a nação que temos hoje e que vem
sendo construída desde a democratização.
A reunião plenária que o STF realiza na quarta-feira, na qual irá
julgar o mérito do pedido de habeas corpus de Lula, será um evento
decisivo em nosso futuro.
Caso o pedido da defesa seja acolhido, Lula terá sua liberdade
assegurada como qualquer cidadão. Não terá, ainda, a garantia de
disputar a eleição presidencial, onde precisa do aval TSE cujo
presidente, Luiz Fux, já declarou, em alto, bom som -- e fora dos autos
-- que ele é "irregistrável".
Mas estará livre, até que sua sentença transite em julgado. Num
país que atravessa um cotidiano de incertezas e riscos permanentes, será
um momento de alívio.
Caso Lula seja vencido, a história do país entra num novo
capítulo, no qual o maior líder popular do país, candidato favorito à
presidência da República, será encaminhando para para a prisão, para
cumprir uma pena inicial de 12 anos e um mês, correndo o risco de
enfrentar outras condenações já a caminho. O cumprimento das sentença
não é automático. A prisão precisa ser decretada pela autoridade
responsável, o juiz de primeira instância Sérgio Moro.
Consultados por este blogueiro, quatro advogados de peso e
responsabilidade não têm dúvidas de que, na hipótese de uma derrota do
habeas corpus, Lula começará a cumprir sua pena imediatamente.
Na última vez em que ouvi Lula falar sobre a possibilidade de ser preso, ele se recusou a fazer qualquer comentário.
"Não quero banalizar a questão", disse. Lula está certo.
Vivemos num país que está banalizando o mal -- fenômeno
destrinchado de forma magistral pelos estudos de Hanna Arendt sobre o
nazismo e o fascismo. Quando situações atrozes e inaceitáveis se tornam
rotina, passamos a viver numa sociedade na qual atos injustos e cruéis
são tratados com naturalidade.
No país de hoje, no qual o limite da banalização do mal é a
prisão de Lula, convém reconhecer que suas chances dele conservar a
liberdade são teimosamente reais.
Para começar, a consciência de que o país está sendo conduzido a
um abismo irremediável tornou-se uma visão já aceita em vários círculos
influentes, configurando uma possível prisão como uma iniciativa
irresponsável, injustificável e temerária --capaz de gerar uma única
dúvida, típica do pensamento aventureiro, sobre o volume reação popular
diante de uma iniciativa abertamente desumana.
Por outro lado, ao utilizar o Roda Viva para tentar um
vergonhoso movimento de pressão sobre uma ministra vista como indecisa,
Moro deixou clara a fraqueza de seus aliados e protetores.
O país necessita de paz, o que não se obtém com ataques de ódio
nem juízes em estado de rebelião mas através do respeito à vontade da
maioria, a única força que pode impor-se como verdade num país com 210
milhões de almas.
O problema real nós sabemos qual é.
O poder hoje exercido a partir de um impeachment sem crime de
responsabilidade reluta em reconhecer os direitos que contrariam sua
própria natureza, que é, sempre foi e sempre será uma forma de ditadura,
disfarçada ou ostensiva conforme as conveniências, que incluem
manipular a própria Constituição ao sabor de interesses próprios.
As forças que mandam no país serviram-se de Temer enquanto ele
se mostrou útil para entregar as principais riquezas, da democracia à
soberania, passando pelo pré-sal e a legislação trabalhista. Perdeu o
encanto quando se viu que não teria forças para entregar a previdência e
tornou-se um risco quando sua permanência, como o pior presidente de
nossa história, se revelou o grande estímulo à unidade em torno de Lula,
o fator que restaurar o governo pelo voto.
Tornou-se urgente providenciar a substituição de Teme, sob o
silêncio compulsório das ações do Judiciário, cujo principal efeito é
impor o medo às massas -- jamais às elites.
A verdadeira esperança de quem trabalha noite de dia para
impedir a candidatura Lula consiste em convencer a maioria dos
brasileiros de que devem abandonar a esperança de toda restauração
democrática e conformar-se com as escolhas oferecidas no patamar onde
residem os monstros -- mesmo com rosto de bebê -- que operam a nova
ordem.
Os adversários da democracia sofreram uma derrota no Supremo, em
22 de março, quando Lula garantiu uma liminar que proíbe sua prisão até o
julgamento de um pedido de habeas corpus.
Tiveram de curvar-se a uma segunda vitória de Lula, no comício em Curitiba.
Planejam o 4 abril como sua revanche. Mas ainda não venceram.
**Fonte: Brasil247
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