Por Ricardo Kotscho*
Ao ser diplomado presidente da República no TSE, nesta segunda-feira,
Jair Bolsonaro foi recebido aos gritos de “Mito” pela seleta platéia de
seguidores.
De fato, a sua eleição está mais ligada à mitologia nativa que cria
tipos como João de Deus do que à escolha racional de um país civilizado
do século 21.
Num texto mais adequado ao Facebook do que à pomposa cerimônia da
diplomação de um presidente, a única coisa útil do seu discurso
mambembe, lido com dificuldade, foi revelar que pretende governar
exatamente como fez campanha, quer dizer, sem intermediários, sem
debates, sem dar muita satisfação aos insatisfeitos.
Disse o eleito: “O pode popular não precisa mais de intermediação. As
novas tecnologias permitiram nova ligação direta entre o eleitor e seus
representantes”.
Esta “ligação direta” é feita por meio de fake news
fartamente disseminadas nas redes sociais, sem nenhum compromisso com a
realidade, destinadas unicamente a fazer propaganda enganosa do eleito,
não a informar a população.
Em democracias normais, a intermediação é feita pela imprensa e pelo
Congresso, mas Bolsonaro nutre por essas duas instituições o mais
absoluto desprezo, como já demonstrou fartamente na montagem do seu
governo.
Na realidade virtual em que vive, o presidente eleito trata notícia
como fake news, como as denúncias do Coaf sobre “movimentações
financeiras atípicas” no gabinete do seu filho Eduardo.
Seus milicianos na internet fazem o mesmo. Só eles são os donos da
verdade, da luz e da salvação, o resto é coisa de “vermelhos”.
No trecho mais reproduzido do seu breve discurso na imprensa, em que
nada falou sobre criação de empregos e combate à pobreza cada vez mais
alarmante, os grandes dramas da tragédia brasileira, Bolsonaro produziu
mais uma grande fake news, ao dizer que pretende governar para todos.
“Serei presidente dos 210 milhões de brasileiros (na verdade, somos
208 milhões, segundo o último censo do IBGE), governarei em benefício de
todos, sem distinção de origem social, raça, sexo, cor, idade ou
religião”.
Pouco antes, em reunião reservada com ministros do TSE, fez todo
mundo orar com o pastor evangélico de um templo frequentado por sua
mulher, no Rio, para mostrar que seu governo poderá ser tudo, menos
laico. Só faltou dizer: ajoelhou, tem que rezar.
Se cumprir mesmo o que prometeu no discurso, fará o exatamente o
oposto do que pregou durante seus 27 anos de deputado, em que combateu
com furor todas as minorias identitárias e tratou a defesa dos direitos
humanos como coisa de viado, comunista ou petista.
Por ironia do destino, Bolsonaro foi diplomado no mesmo dia em que se
celebravam no mundo todo os 70 anos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU, o guia das nações civilizadas.
A data foi lembrada pela presidente do TSE, Rosa Weber, que por isso
foi criticada pela deputada eleita Joice Hasselmann (PSL-SP), expoente
da direta radical festiva:
“Achei que ficou um pouco chato, e até deselegante, desnecessário”.
Hasselmann falar em elegância é como Bolsonaro tratar de energia
nuclear de terceira geração, mas esse era o clima na cerimônia de
entronização da nova ordem.
Palavras e conceitos perdem o sentido quando eles falam como enviados
especiais de Deus, marchando feito um exército de ocupação.
É o que nos espera, a 18 dias da posse.
Vida que segue.
*Jornalista, Editor do Blog Balaio do Kotscho. (via DCM)
-Publicado originalmente no Balaio do Kotscho*
Nenhum comentário:
Postar um comentário