Bolsonaro não pode dispensar-se de explicar repasse atípico à esposa
Por Janio de Freitas, na Folha de SP*
A falta de esclarecimento imediato por quem o devia aumentou a
aparência viciosa da presença de Michelle Bolsonaro nas incoerências
financeiras do motorista de Flávio Bolsonaro.
Se não por ética pessoal, como obrigação de presidente eleito não
podia Jair Bolsonaro dispensar-se de explicar o recebimento, por sua
mulher, de um valor financeiro “atípico”.
Nas circunstâncias especiais do momento, também o motorista Fabrício
de Queiroz devia pronta explicação do repasse feito e da sua
movimentação de R$ 1,2 milhão em 2016, ou R$ 100 mil por mês, em valores
da época.
O silêncio de todos equipara-se à atitude dos que precisam combinar suas explicações.
De Onyx Lorenzoni e Sergio Moro vieram duas contribuições para a estranheza do silêncio.
O primeiro protestou e interrompeu uma entrevista coletiva, ao se ver indagado sobre o assunto.
Como deputado, há mais de 15 anos Lorenzoni é um dos mais
intempestivos nas inquirições parlamentares. Não tem limites. Moro,
confrontado com o assunto, saiu em silêncio.
Para um grupo autoproclamado de moralizadores do país, convenhamos
que tanto o fato inicial como a fuga para o silêncio não saem da
vulgaridade.
Sem por isso surpreender, é verdade.
PM até o mês passado, o motorista financeiro é, além do mais, velho companheiro do Bolsonaro pai.
Dado no noticiário como ex-servidor do gabinete de Flávio Bolsonaro,
um verbo na nota do senador eleito expõe a permanência do vínculo, mesmo
fora do serviço público: “trabalha há mais de dez anos como motorista e
segurança do deputado Flávio Bolsonaro”.
Relação “de amizade e confiança”. Tipo para o que der e vier.
Não seria impossível, muito ao contrário, que o Bolsonaro pai
estivesse avisado da constatação, não recente, do Conselho de Controle
de Atividades Financeiras, Coaf, na conta do motorista cujo último
vencimento de servidor foi de R$ 8.500.
Doze meses desse valor atual equivaleriam a um só mês da movimentação financeira média do então PM em 2016.
Pode ser tudo legal, mas não considerável assim enquanto não demonstrada essa legalidade.
O mesmo quanto à destinação dos montantes destinados.
Informado ou não, Bolsonaro transfere o Coaf da área econômica para o Ministério da Justiça.
Futura sede da Doutrina Moro, segundo a qual, para alguns, a exemplo
do presenteado Onyx Lorenzoni, ilegalidade como caixa dois é anulável
com simples pedido de desculpas, só.
*Jornalista - via Viomundo
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