Por Luis Nassif*
A condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), pela não apuração das circunstâncias da morte de Vladimir
Herzog, é o capítulo mais relevante, até agora, na luta pela
responsabilização dos crimes da ditadura.
Herzog era jornalista e trabalhava na TV Cultura de São Paulo. Na
noite de 24 de outubro de 1975, agentes do DOI/CODI São Paulo
(Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de
Defesa Interna do II Exército) o procuraram nas dependências da
emissora, manifestando a intenção de detê-lo e conduzi-lo para prestar
esclarecimentos. A direção da TV solicitou aos agentes que não o
levassem, pois dependiam dele para manter a programação. Houve, então,
determinação para que Herzog se apresentasse no dia seguinte ao DOI/CODI
do II Exército.
No dia 25 de outubro de 1975, aproximadamente às 8 horas, Vladimir
Herzog atendeu à determinação e se apresentou no DOI/CODI, à Rua Tomás
Carvalhal, 1030, Capital, São Paulo. Sem qualquer formalidade ou ordem
judicial, foi mantido preso nas dependências do órgão militar. No final da tarde do mesmo dia, foi declarado morto pelo Comandante do DOI/CODI, tendo supostamente cometido suicídio. Na época, o caso foi julgado pela Justiça Militar, que acolheu a tese de suicídio.
A morte de Vladimir foi registrada no Inquérito Policial Militar de
número 1.153/75, finalizado em marco de 1976, com a versão de suicidio.
Essa versão, entretanto, foi desconstituída em ação proposta pela
família, de n. 136/76, perante a Justiça Federal.
Apesar da versão oficial de suicídio, a família conseguiu sepultar
Vladimir em área comum de um cemitério judeu, e não em área destinada a
suicidas. Portanto, nessa época, Vladimir obteve seu primeiro ato de
justiça, com o reconhecimento pela religião de que sua morte não ocorreu
por suicídio, mas por assassinato. Vale registrar, no episódio, o importante papel do Rabino Henry Sobel.
Em 25 de março de 1992, uma reportagem da Revista “Isto É, Senhor”
também deu conta de que sua morte decorreu de assassinato, sob comando
do Aldir Maciel, nas dependências do DOI/CODI de São Paulo, tendo como
um dos executores, Pedro Antonio Mira Grancieri (vulgo Capitão Ramiro). O
então promotor de justiça, Luiz Antonio Marrey, com base neste novo
fato, abriu inquérito policial (n. 704/92 – 1a Vara do Júri de São
Paulo), o qual, entretanto, foi trancado por força de Habeas Corpus
impetrado pelo Capitão Ramiro, perante a Quarta Câmara do Tribunal de
Justiça de São Paulo, com base na Lei de Anistia. Essa decisão foi
mantida pelo Superior Tribunal de Justiça.
Com base na lei 9.140, editada em 1995, a família pode finalmente pleitear o reconhecimento administrativo da responsabilidade União pela morte de Vladimir Herzog, o que ocorreu em 1996. A família foi indenizada, mas nenhum agente foi criminalmente punido.
Em 2007, membros do MPF em São Paulo passaram a representar
criminalmente e entrar com ações cíveis de responsabilização dos autores
dos crime da ditadura. Por não se tratar de um corpo desaparecido e por
ser um dos únicos a contar com alguma forma de pronunciamento judicial,
o caso Herzog foi eleito como um dos casos prioritários, ao lado de
Luiz Jose da Cunha e de Flavio Carvalho Molina, pelos procuradores
Marlon Weichert e Eugenia Gonzaga, do MPF, dos poucos a atuar sobre a
matéria.
Ambos defenderam que a competência para julgar o caso seria da
Justiça Federal, já que o crime foi praticado por agente público. O
crime contra Herzog, “além de desumano, se deu num contexto de ataque
generalizado e sistemático existente na época da ditadura militar
brasileira contra as pessoas que se opunham ao regime fazendo algum tipo
de militância de esquerda e, dessa forma, se caracteriza, da
perspectiva do Direito Internacional público, como crime contra a
humanidade”.
Mesmo
assim, o seu caso foi novamente arquivado, dessa vez perante a Justiça
Federal Criminal em São Paulo e sob o fundamento de prescrição e não
mais de anistia, conforme parecer do procurador Fábio Elizeu Gaspar.
Entendeu-se, então, que estavam esgotadas todas as instâncias internas sobre o caso. E, aí, abriu-se uma nova possibilidade.
Por esta época, o juiz espanhol Baltazar Garzon recorrera às cortes
internacionais e conseguira a prisão do ex-ditador chileno Augusto
Pinochet em um aeroporto de Londres. Pinochet só foi despachado para o
Chile depois que a Justiça chilena garantiu a manutenção de sua prisão.
Garzon acabou vindo ao Brasil a convite da Carta Capital. Em um
almoço, após sua apresentação, Marlon e Eugenia indagaram sobre os
instrumentos das cortes internacionais de direitos humanos. Foi-lhes
dito que o direito internacional era como um terno guardado no guarda
roupa. Poucos utilizam, mas o terno estava à disposição.
Com base nessa conversa, ambos procuraram a família de Herzog para
aconselhá-la a ingressar com denúncia na CIDH. A viúva Clarice deixou a
decisão para os filhos. Um deles recusou a sugestão, insinuando que os
procuradores procuravam se prevalecer da repercussão do nome do pai.
Dias depois, no entanto, a própria Clarice procurou o MPF para saber
como proceder para fazer a denúncia à CIDH. Graças a isso, o caso foi
para o CIDH. Agora, dez anos depois, há o julgamento com a União
condenada a aplicar o conceito de crime contra a humanidade, caso em que
não há prescrição nem anistia. É a segunda condenação definitiva. A
primeira foi em relação aos crimes do Araguaia.
Poucos dos torturadores estão vivos. Mas a decisão provavelmente
servirá como pressão para que o Ministro Luiz Fux desengavete os
recursos pedindo que se julgue a validade da Lei da Anistia à luz das
decisões da CIDH.
A decisão da corte é de 2010. Fux herdou a ação assim que assumiu o
cargo de Ministro do STF. Desde então, tem recorrido ao instrumento
vergonhoso de não colocar o caso em julgamento.
*Jornalista - via https://jornalggn.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário