Por Fernando Brito*
Não há um só da minha geração – gente que anda chegando ou se despedindo dos 60 – que não tenha sentido uma profunda emoção, ontem (28), ao ver o dueto Chico Buarque/Gilberto Gil cantar “Cálice” (ou Cale-se) no Festival Lula Livre.
Súbita consciência do tempo, da fugacidade da vida, mas também da perenidade dos sentimentos e de amores feito o do Jacó de Camões, que outros sete anos serviria, se a vida não fora tão curta para tanto amor. Sei lá…
Tristeza de ver a música fazer sentido como da última vez que os dois a cantaram juntos, em 1973, mas força ao sentir o olhar disciplinado de Gilberto Gil ao bater os dedos nas cordas do violão, um imaginário fuzil de balas floridas e as mãos de Chico crispadas como a carregar o cadáver miúdo, um “anjinho”, da nossa liberdade moribunda.
Claro. Desanima ter de voltar, como Sísifo, a empurrar morro acima a pedra que trabalhosamente rolamos morro acima quando jovens. Há músculos piores, stents, diabetes, filhos criados mas ainda “batendo cabeça” e netos, quem sabe, a olharem perplexos para os “vôs” e a nos disputarem com as causas que nos tinham por inteiro…
Mas, que diabo! Os dois ali estavam e nos mostravam que a voz não cala enquanto não se morre e que, portanto, a gente vive enquanto se afastam o cálice e o cale-se.
Então a gente se lembra que, em 1974, um ano depois, apenas, daquele “Cálice”, alguém falou e falou nas urnas.
Inesperado, imprevisível.
Para os que acham que nada muda, conto que a ditadura parecia se legitimar com as eleições capengas, sem liberdade.
Gente jovem, muito jovem, perdeu a esperança e jogou, literalmente, a própria vida na causa improvável. Alguns só estão vivos por terem nascido quatro ou cinco anos após os da idade fatal da juventude sacrificada.
Em 70, o partido da ditadura, a Arena, elegeu 41 de 46 senadores e, na Câmara, 223 das 310 cadeiras, deixando apenas 87 para a “geléia geral” do MDB, metade deles pró-regime.
Do nada, porém (e do tudo, para alguns), o mundo vira de ponta cabeça. Das 22 cadeiras do Senado, a Arena faz apenas seis. Da Câmara, aumentada com cadeiras criadas para sustentar o governismo, o MDB dobra sua bancada.
Havia acabado, com a “surra” eleitoral de 74, aquela ditadura que só seria sepultada formalmente dez anos depois.
Agora, ela nos ressurge como um zumbi.
Mas um zumbi é um morto, um morto que como aquela ditadura finada em 1974, apenas se recusa a deixar-se sepultar.
A verdade, a humanidade, a fraternidade, a liberdade, os sentimentos limpos e luminosos, estes são a nossa causa e a nossa vida, a nossa vela, a nos empurrar.
Vela que as vozes, como as milhares de ontem, enfunam e empurram numa nova viagem, que não há de terminar nunca, senão quando este país for livre e seu povo, feliz.
Se perdermos a fé no povo brasileiro, perderemos o Norte e o rumo…
*(Clique no link abaixo para assistir Chico & Gil no Festival Lula Livre, sábado passado, no RJ - via DCM)
https://youtu.be/lrndEsxHvrs
Não há um só da minha geração – gente que anda chegando ou se despedindo dos 60 – que não tenha sentido uma profunda emoção, ontem (28), ao ver o dueto Chico Buarque/Gilberto Gil cantar “Cálice” (ou Cale-se) no Festival Lula Livre.
Súbita consciência do tempo, da fugacidade da vida, mas também da perenidade dos sentimentos e de amores feito o do Jacó de Camões, que outros sete anos serviria, se a vida não fora tão curta para tanto amor. Sei lá…
Tristeza de ver a música fazer sentido como da última vez que os dois a cantaram juntos, em 1973, mas força ao sentir o olhar disciplinado de Gilberto Gil ao bater os dedos nas cordas do violão, um imaginário fuzil de balas floridas e as mãos de Chico crispadas como a carregar o cadáver miúdo, um “anjinho”, da nossa liberdade moribunda.
Claro. Desanima ter de voltar, como Sísifo, a empurrar morro acima a pedra que trabalhosamente rolamos morro acima quando jovens. Há músculos piores, stents, diabetes, filhos criados mas ainda “batendo cabeça” e netos, quem sabe, a olharem perplexos para os “vôs” e a nos disputarem com as causas que nos tinham por inteiro…
Mas, que diabo! Os dois ali estavam e nos mostravam que a voz não cala enquanto não se morre e que, portanto, a gente vive enquanto se afastam o cálice e o cale-se.
Então a gente se lembra que, em 1974, um ano depois, apenas, daquele “Cálice”, alguém falou e falou nas urnas.
Inesperado, imprevisível.
Para os que acham que nada muda, conto que a ditadura parecia se legitimar com as eleições capengas, sem liberdade.
Gente jovem, muito jovem, perdeu a esperança e jogou, literalmente, a própria vida na causa improvável. Alguns só estão vivos por terem nascido quatro ou cinco anos após os da idade fatal da juventude sacrificada.
Em 70, o partido da ditadura, a Arena, elegeu 41 de 46 senadores e, na Câmara, 223 das 310 cadeiras, deixando apenas 87 para a “geléia geral” do MDB, metade deles pró-regime.
Do nada, porém (e do tudo, para alguns), o mundo vira de ponta cabeça. Das 22 cadeiras do Senado, a Arena faz apenas seis. Da Câmara, aumentada com cadeiras criadas para sustentar o governismo, o MDB dobra sua bancada.
Havia acabado, com a “surra” eleitoral de 74, aquela ditadura que só seria sepultada formalmente dez anos depois.
Agora, ela nos ressurge como um zumbi.
Mas um zumbi é um morto, um morto que como aquela ditadura finada em 1974, apenas se recusa a deixar-se sepultar.
A verdade, a humanidade, a fraternidade, a liberdade, os sentimentos limpos e luminosos, estes são a nossa causa e a nossa vida, a nossa vela, a nos empurrar.
Vela que as vozes, como as milhares de ontem, enfunam e empurram numa nova viagem, que não há de terminar nunca, senão quando este país for livre e seu povo, feliz.
Se perdermos a fé no povo brasileiro, perderemos o Norte e o rumo…
*(Clique no link abaixo para assistir Chico & Gil no Festival Lula Livre, sábado passado, no RJ - via DCM)
https://youtu.be/lrndEsxHvrs
*Jornalista, Editor do Tijolaço
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