Afaste de mim este cale-se
Querem impedir que o povo escolha em quem votar?
Por Luiz Inácio Lula da Silva, na Folha de SP*
Estou preso há mais de cem dias. Lá
fora o desemprego aumenta, mais pais e mães não têm como sustentar suas
famílias, e uma política absurda de preço dos combustíveis causou uma
greve de caminhoneiros que desabasteceu as cidades brasileiras. Aumenta o
número de pessoas queimadas ao cozinhar com álcool devido ao preço alto
do gás de cozinha para as famílias pobres. A pobreza cresce, e as
perspectivas econômicas do país pioram a cada dia.
Crianças brasileiras são presas
separadas de suas famílias nos EUA, enquanto nosso governo se humilha
para o vice-presidente americano. A Embraer, empresa de alta tecnologia
construída ao longo de décadas, é vendida por um valor tão baixo que
espanta até o mercado.
Um governo ilegítimo corre nos seus
últimos meses para liquidar o máximo possível do patrimônio e soberania
nacional que conseguir —reservas do pré-sal, gasodutos, distribuidoras
de energia, petroquímica—, além de abrir a Amazônia para tropas
estrangeiras. Enquanto a fome volta, a vacinação de crianças cai, parte
do Judiciário luta para manter seu auxílio-moradia e, quem sabe, ganhar
um aumento salarial.
Semana passada, a juíza Carolina
Lebbos decidiu que não posso dar entrevistas ou gravar vídeos como
pré-candidato do Partido dos Trabalhadores, o maior deste país, que me
indicou para ser seu candidato à Presidência. Parece que não bastou me
prender. Querem me calar.
Aqueles que não querem que eu fale, o
que vocês temem que eu diga? O que está acontecendo hoje com o povo?
Não querem que eu discuta soluções para este país? Depois de anos me
caluniando, não querem que eu tenha o direito de falar em minha defesa?
É para isso que vocês, os poderosos
sem votos e sem ideias, derrubaram uma presidente eleita, humilharam o
país internacionalmente e me prenderam com uma condenação sem provas, em
uma sentença que me envia para a prisão por “atos indeterminados”, após
quatro anos de investigação contra mim e minha família? Fizeram tudo
isso porque têm medo de eu dar entrevistas?
Lembro-me da presidente do Supremo
Tribunal Federal que dizia “cala boca já morreu”. Lembro-me do Grupo
Globo, que não está preocupado com esse impedimento à liberdade de
imprensa —ao contrário, o comemora.
Juristas, ex-chefes de Estado de
vários países do mundo e até adversários políticos reconhecem o absurdo
do processo que me condenou. Eu posso estar fisicamente em uma cela, mas
são os que me condenaram que estão presos à mentira que armaram.
Interesses poderosos querem transformar essa situação absurda em um fato
político consumado, me impedindo de disputar as eleições, contra a
recomendação do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Eu já perdi três disputas
presidenciais — em 1989, 1994 e 1998— e sempre respeitei os resultados,
me preparando para a próxima eleição.
Eu sou candidato porque não cometi
nenhum crime. Desafio os que me acusam a mostrar provas do que foi que
eu fiz para estar nesta cela. Por que falam em “atos de ofício
indeterminados” no lugar de apontar o que eu fiz de errado? Por que
falam em apartamento “atribuído” em vez de apresentar provas de
propriedade do apartamento de Guarujá, que era de uma empresa, dado como
garantia bancária? Vão impedir o curso da democracia no Brasil com
absurdos como esse?
Falo isso com a mesma seriedade com
que disse para Michel Temer que ele não deveria embarcar em uma aventura
para derrubar a presidente Dilma Rousseff, que ele iria se arrepender
disso. Os maiores interessados em que eu dispute as eleições deveriam
ser aqueles que não querem que eu seja presidente.
Querem me derrotar? Façam isso de
forma limpa, nas urnas. Discutam propostas para o país e tenham
responsabilidade, ainda mais neste momento em que as elites brasileiras
namoram propostas autoritárias de gente que defende a céu aberto
assassinato de seres humanos.
Todos sabem que, como presidente,
exerci o diálogo. Não busquei um terceiro mandato quando tinha de
rejeição só o que Temer tem hoje de aprovação. Trabalhei para que a
inclusão social fosse o motor da economia e para que todos os
brasileiros tivessem direito real, não só no papel, de comer, estudar e
ter moradia.
Querem que as pessoas se esqueçam de
que o Brasil já teve dias melhores? Querem impedir que o povo brasileiro
—de quem todo o poder emana, segundo a Constituição— possa escolher em
quem quer votar nas eleições de 7 de outubro?
O que temem? A volta do diálogo, do
desenvolvimento, do tempo em que menos teve conflito social neste país?
Quando a inclusão dos pobres fez as empresas brasileiras crescerem?
O Brasil precisa restaurar sua
democracia e se libertar dos ódios que plantaram para tirar o PT do
governo, implantar uma agenda de retirada dos direitos dos trabalhadores
e dos aposentados e trazer de volta a exploração desenfreada dos mais
pobres. O Brasil precisa se reencontrar consigo mesmo e ser feliz de
novo.
Podem me prender. Podem tentar me
calar. Mas eu não vou mudar esta minha fé nos brasileiros, na esperança
de milhões em um futuro melhor. E eu tenho certeza de que esta fé em nós
mesmos contra o complexo de vira-lata é a solução para a crise que
vivemos.
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