Por Mauro Lopes*
A entrevista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ao jornal o Estado de S.Paulo (aqui)
é grave, gravíssima. É a volta da chantagem dos militares sobre o país.
O general sente que pode informar ao país "o que pode e o que não
pode", como os militares fizeram ao país depois do golpe de 1964. No
caso, "não pode" Lula. "Pode" Bolsonaro. "Não pode" ONU. "Pode" toda
sorte de ilegalidades contra Lula. Os pontos centrais da entrevista são
estarrecedores:
1. Próximo presidente poderá ser derrubado - ao falar sobre a
agressão a faca a Bolsonaro, o general indica claramente a possibilidade
de derrubada do próximo presidente eleito. Fala em "legitimidade
questionada" do eleito e já antecipa a narrativa que a direita colocará
em marcha em caso de vitória do PT: a campanha de Bolsonaro será
apresentada como prejudicada pelo "atentado". É importante que os
democratas fiquem atentos porque, enquanto o veio principal de
investigação aponta para uma ação isolada, que é evidente, de uma pessoa
desequilibrada emocionalmente, exatamente o jornal O Estado de S.Paulo,
para quem o general falou, tem buscado construir uma versão de "trama",
"atentado" que, no momento adequado para a direita, irá se voltar
contra a esquerda do país. O roteiro está sendo preparado. O general
apresenta, na mesma resposta, a ideia de uma instabilidade em caso de
eleição de Bolsonaro, "ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele
foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção", mas a sequência
da entrevista indica que foi apenas "pra inglês ver".
2. A entrevista chega a ser inacreditável. O general não apenas diz
que Bolsonaro "pode". Ele revela, de maneira ilegal e que afronta o
papel das Forças Armadas na Constituição, uma inequívoca simpatia pelo
candidato fascista, mal-disfarçada numa frase de aparência "analítica",
mas que é, na verdade, opinativa: "Obviamente, ele [Bolsonaro] tem apelo
no público militar, porque ele procura se identificar com as questões
que são caras às Forças, além de ter senso de oportunidade aguçada".
Ora, se um candidato identifica-se com questões que são "caras às
Forças" que o general lidera, a empatia é transparente. "Ele é um dos
nossos", está dizendo Villas Boas.
3. O general ameaça explicitamente o STF e o próximo governo a ser
eleito este ano, numa frase que parece ter endereço certo, o PT. Ao
comentar a liminar da ONU concedida a Lula, afirma: "É uma tentativa de
invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se
confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer
nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do
próximo governo." O que acontecerá? Com a possível (e provável) eleição
de Fernando Haddad diante do veto terminativo à candidatura Lula, o
próximo presidente deverá se curvar aos militares em vez de respeitar os
Tratados Internacionais de Direitos Humanos aos quais o Brasil aderiu? E
se atender aos tratados? Estará abrindo as portas do Brasil para uma
"invasão da soberania nacional"? A lógica do general é implacável: os
militares "jamais permitirão" a "invasão".
Como afirmou o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) no começo da
tarde deste domingo, as declarações de Villas Boas rompem com a
legalidade e ele deveria ser exonerado imadiatamente (aqui). Não será.
O general não será demitido porque suas declarações servem às elites e
inserem-se na dinâmica do golpe de Estado de 2015-16. O que aconteceu
com a derrubada de Dilma é que a lógica da institucionalidade,
inaugurada com o fim da ditadura e cujos limites foram estalecidos pela
Constituição de 1988, foi rompida. Vivemos num país sem lei desde então.
Rompidos o limites, as fronteiras de 1988, mais e mais os militares
voltam a se considerar "tutores" do país. A cada dia escorregamos um
degrau no rompimento do arcabouço legal que vigorou até o golpe. Os
militares (os milicos, como eram conhecidos no período da ditadura
militar) saíram da caserna com o golpe, que apoiaram mais ou menos
explicitamente e, desde então, operam na lógica dos "pronunciamentos"
que desgraçaram o Brasil e a América Latina.
Ou há um repúdio taxativo da sociedade à declarações do general ou
abre-se um caminho para o precipício. A reação da sociedade até o
momento serve como estímulo a que eles sigam em frente, rumo a não
sabemos ainda o quê. Até o fim da tarde deste domingo, apenas o PT havia
se manifestado em repúdio às declarações do general comandante do
Exército, numa nota contundente, firme (aqui).
O restante das forças democráticas permanecia em silêncio. É este
silêncio que encorajará os militares a seguir em frente, com apoio das
forças conservadoras.
*Fonte: https://www.brasil247.com
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