Passeando com mais calma pelas imagens dos atos de ontem, mais
certeza tive do que escrevi antes: as mulheres e os jovens selaram ontem
o fim da liderança de Jair Bolsonaro nas intenções de voto para o
próximo domingo.
Havia lugar para nós, os “coroas”, claro. Mas a festa era delas e
deles, e festa de bom motivo para jovens e mulheres: a liberdade.
Estava demorando: era uma eleição sem ruas, quase, exceção feita ao
Nordeste, onde ainda se pôde ver bandeiras e marchas no domingo passado,
enchendo as avenidas e pontes do Recife.
A maré humana acabou vindo sem candidatos,sem televisão, sem organicidade. Mas veio.
Encheram-se as ruas de jovens e mulheres – aos quais, perdoem-me as
radicais, homens adultos sempre devem dar passagem cortês – da melhor
maneira que se pode juntar gente: todos diferentes, com candidatos,
partidos, escolhas, em suas próprias naturezas, para fazer a escolha
mais legítima e verdadeira: a do que não se quer, mais do que a que se
quer.
Porque não é, afinal, este o grande critério: o de ser capaz de aceitar tudo no outro, menos o inaceitável, que é o mal?
Talvez, de verdade, não haja entre as coisas que desejamos, nada que
saibamos tanto quanto aquelas que não queremos: ódio, morte, violência,
opressão, miséria, degradação, perda do respeito ao que cada um é e tem
o direito de ser.
Não foi assim que criamos nossos filhos, os seres mais queridos que
temos? O que cada um vai fazer da vida é problema deles, o nosso foi e é
zelar e prover para que possam fazer escolhas como quiserem. Cedo ou
tarde nos ouvem, se agimos assim, porque todo furor amaina, todo
inconvencional se ajusta às durezas da vida.
Quanto nos custa, sendo tão amados ensinar-lhes que não são especiais
senão para nós, que não são melhores que os outros ou que têm mais
direitos que eles, porque seres humanos produzem o que seria, nos
números, um paradoxo, no qual os diferentes são, essencialmente, iguais.
Inevitável que, à beira dos 60, voltem as imagens da juventude que
não se foi, quando enchemos as ruas para outra causa tão generosa
quanto a da democracia, a anistia política, em 1977/78.
Talvez não tivéssemos a clareza de expressar, mas queríamos que
estivessem ali nossos pais e avós, como muitos estavam ontem. Não
estavam, a maioria, porque a ditadura a muitos perseguiu, prendeu,
matou e a todos, muito ou pouco, amedrontou e fez descrer da
ressurreição da liberdade sepultada há tantos anos.
Mas nos prepararam para entender como se deveria viver. Romper o medo
era tarefa de nossa juventude, fase em que temos forte como nunca o
sentimento do mundo.
Escrevemos com tinta humana a história de um tempo e estamos vendo
outro tempo ter sua história escrita. E só os mesquinhos, os odientos
não têm prazer em ver a trajetória destas linhas, sinuosa e, por
vezes,de difícil decifração.O futuro não se escreve com ideias duras e
inflexíveis.
Elas não estão exorcizadas, estão fortes, ainda, capazes de ir às ruas conjurar seus demônios.
Ontem, porém, as ruas mostraram que há um Brasil disposto a se livrar do ódio.
De nada sabemos o fim, mas dos princípios podemos ter certeza.
Ditaduras, torturas, espancamentos, tiroteios, mortes, sangue, tiranias, eles não.
*Por Fernando Brito, Editor do Tijolaço, fonte desta postagem. (Este Editor assina embaixo! Júlio Garcia)
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