Por Ricardo Kotscho*
Para mim e os leitores que me acompanham neste modesto Balaio, alguns
há mais de 10 anos, nada do que aconteceu nesta noite de segunda-feira
foi surpresa.
Escrevi logo cedo sobre o cenário político na fase decisiva do primeiro turno, baseado em conversas no final de semana:
“Nas atuais condições de tempo e temperatura, tudo ainda pode
acontecer, se Fernando Haddad continuar subindo nas pesquisas e a sua
vitória se tornar inevitável pelas atuais regras do jogo.
Afinal, não foi para devolver o poder ao PT que eles fizeram a Operação Lava Jato, deram o golpe e prenderam o Lula”.
À tarde, escrevi outra coluna com este título:
“Haddad, mire-se no exemplo de Lula em 1989: a última semana é guerra”.
As duas entidades e os dois personagens citados no título acima não estão reunidos ali por acaso.
Diante do fracasso das candidaturas reformistas de “centro”, o Grupo
Globo resolveu apoiar, na falta de outra opção mais confiável, o capitão
reformado Jair Bolsonaro, único candidato com chances de derrotar o PT,
o inimigo a ser abatido.
Com Haddad crescendo sem parar e Bolsonaro estacionado ou começando a cair, era preciso agir rápido.
No sábado, a cobertura torta e manipulada das magníficas
manifestações da mulherada do #EleNão pelo Brasil inteiro, as maiores
desde as Diretas Já, dando a elas o mesmo destaque das carreatas
pró-Bolsonaro, foi a primeira indicação de que o jogo agora era para
valer.
Variadas matérias sobre Bolsonaro, incluindo uma entrevista exclusiva
no avião que o levou ao Rio, e o depoimento da ex-mulher negando todas
as acusações que havia feito contra ele, publicadas pela revista Veja,
ocuparam a maior parte do tempo do Jornal Nacional.
Na segunda-feira, estava prevista a divulgação de uma nova pesquisa do Ibope.
Fontes bem informadas já me asseguravam que Bolsonaro iria subir na pesquisa e poderia até ganhar no primeiro turno.
Achei que era chute, bazófia de torcedor do capitão, mas me enganei.
No final da tarde, antes do Jornal Nacional, a Globo News já deitou e
rolou em cima de uma “delação premiada” do ex-ministro Antonio Palocci,
feita em abril à Polícia Federal, e liberada pelo juiz Sérgio Moro só
agora, a seis dias da eleição, depois de ser rejeitada pelo Ministério
Público Federal por falta de provas.
As acusações de Palocci contra Lula, Dilma e o PT foram dadas como fato consumado, transitado em julgado.
Tudo seguiu o script: o JN abriu com o crescimento de 4 pontos de
Bolsonaro no Ibope, chegando a 31%, e Haddad estacionado em 21%, vendo
sua rejeição disparar para 38% em poucos dias, a apenas 6 pontos abaixo
de Bolsonaro.
Para o segundo turno, em que Haddad levava ampla vantagem, foi apontado o empate em 42%.
Como é que o capitão conseguiu subir tanto no período em que choveram
denúncias contra ele e boa parte do Brasil foi às ruas protestar contra
a sua candidatura?
Os números podem ser todos verdadeiros, baseados em métodos científicos, mas é difícil de entender.
A seguir, logo depois dos comerciais, como se já estivesse tudo
planejado desde cedo, entrou o bombardeio contra o PT embrulhado no
pacote entregue por Moro com a delação de Palocci, que William Bonner
apresentou como a bala de prata tão aguardada.
Ali nada acontece de graça, e só têm o direito de surpreender os mais
jovens que não viveram a campanha presidencial de 1989, na primeira
eleição direta para presidente depois do golpe de 1964.
Naquela eleição, eu era assessor de imprensa de Lula e quando vi
entrar na sala em que se acertariam as regras para o segundo debate, um
assessor de Fernando Collor, conversando alegremente com Alberico Souza
Cruz, diretor da Globo, pensei comigo: estamos perdidos.
Por acaso, como me disseram, os dois pegaram o mesmo avião do Rio para São Paulo.
As baixarias de Collor na véspera, envolvendo a família de Lula, as
denúncias acusando o PT como autor do sequestro do empresário Abílio
Diniz (ainda não se falava em fake news) e a indecente edição do debate
decisivo para favorecer Collor no Jornal Nacional _ tudo me voltou à
lembrança nesta reta final da campanha de 2018 (ver dois posts
anteriores).
É justo reconhecer: eles são profissionais e não brincam em serviço.
Mas não podiam esperar que Lula, mesmo preso numa solitária em
Curitiba, há quase seis meses, transformasse Fernando Haddad no
candidato favorito, em apenas duas semanas, como apontavam as pesquisas
anteriores.
Era preciso virar este jogo que parecia perdido. E são tantos os
interesses daqui e de fora que estão em jogo nesse momento que os
eleitores nem podem imaginar.
Mesmo quebrado, humilhado e vilipendiado, o Brasil ainda é um país muito importante na geopolítica mundial.
“Fortes emoções ainda nos aguardam”, escrevi pela manhã, mas não podia imaginar que fossem tantas, e tão rápidas.
São emoções e informações demais para um velho repórter, que trabalha
sozinho em casa, e só tem um celular e um computador à mão, para tentar
entender e explicar o que está em jogo neste momento.
Já são 11 da noite, e amanhã tem mais.
Vida que segue.
*Jornalista. Via Balaio do Kotscho
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