Foto Lula Marques/Agência PT |
Como deputado, Bolsonaro propôs retirar direitos de familiares de médicos cubanos
Presidente eleito, que hoje oferece “asilo”, tentou impedir que parentes dos intercambistas trabalhassem no Brasil
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que na última quarta-feira
(14) ofereceu “asilo” a cidadãos cubanos, tentou dificultar a
permanência de familiares de médicos da ilha caribenha no Brasil durante
seu sétimo mandato como deputado federal.
Por meio de uma emenda, apresentada em 5 de maio de 2016, o então
parlamentar do Partido Social Cristão (PSC) propôs que os dependentes
legais dos médicos intercambistas fossem proibidos de “exercer
atividades remuneradas, com emissão de Carteira de Trabalho e
Previdência Social pelo Ministério do Trabalho e Emprego”.
Na justificativa da emenda, assinada em conjunto com o filho Eduardo
Bolsonaro (PSC, hoje PSL), o capitão reformado declarou que o intuito
era “limitar o estabelecimento de vínculos permanentes” no Brasil.
A proposta não foi acatada, e os familiares dos médicos cubanos
mantiveram o direito de trabalhar legalmente – conforme expresso no
quarto capítulo da Lei nº 12.871, de outubro de 2013, que institui o
Programa Mais Médicos.
O contexto de apresentação da emenda era a discussão da Medida
Provisória 723/2016, que prorrogou por três anos o prazo de atuação dos
profissionais do Programa Mais Médicos contratados por meio de
intercâmbio.
Das 28 emendas ao texto do relator Humberto Costa (PT) apresentadas, três eram de autoria da família Bolsonaro.
Além da proibição das atividades remuneradas, a dupla Jair e Eduardo
Bolsonaro propunha que os médicos estrangeiros só pudessem “receber
valores do Governo brasileiro em conta aberta em instituição bancária
nacional, sendo vedado o envio de recursos de qualquer natureza para
governos ou instituições oficiais no exterior”, e que o prazo de
dispensa da revalidação dos diplomas fosse estendido por um, e não três
anos.
A MP foi aprovada no plenário do Senado no dia 24 de agosto de 2016. A
única emenda acolhida pelo relator, de autoria do deputado Alan Rick
(PRB), estabeleceu que médicos brasileiros, formados no Brasil ou com
diploma revalidados em território nacional, deveriam ter prioridade no
preenchimento das vagas remanescentes dos processos de seleção.
“Mercenários”
Na última quarta-feira (14), o governo cubano anunciou a ruptura do
convênio com o governo brasileiro e sua retirada do Programa Mais
Médicos, após declarações “ameaçadoras e depreciativas” do presidente
eleito.
Os profissionais atuavam em 2.857 municípios, dos quais 1.575
contavam apenas com atendimentos de médicos cubanos – a maioria deles,
em regiões de difícil acesso.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) estima que 28 milhões de
pessoas, de todas as regiões, serão afetadas pela saída dos médicos
cubanos do país.
Conforme registrado no Diário da Câmara dos Deputados em 23 de agosto
de 2016 – véspera da aprovação da MP no plenário do Senado –, Jair
Bolsonaro fez uma série de críticas ao Mais Médicos e levantou suspeitas
sobre a intenção dos profissionais cubanos ao emigrar.
“Com este programa, V.Exas. [Vossas Excelências] estão botando dentro
da sua cozinha uma cascavel. Já foi levantado que há militares e
agentes cubanos neste programa. V.Exas. podem ser surpreendidos, mais
cedo ou mais tarde, com ações desta gente aqui no Brasil”, disse.
“V.Exas. estão entregando o Brasil para pouco mais de 12 mil agentes
cubanos. Que isso fique bem claro! A tradição de Cuba é exportar
mercenários”, completou Bolsonaro.
No texto da emenda, Jair e Eduardo Bolsonaro dizem discordar do programa “em sua totalidade”.
De acordo com a Organização Panamericana de Saúde (Opas), a maior
parte dos municípios brasileiros onde os cubanos atuam têm 20% ou mais
da população em condições de extrema pobreza. O Conselho Nacional de
Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e a Frente Nacional de
Prefeitos (FNP) apelaram para a manutenção dos profissionais cubanos no
Brasil sob risco de faltar atendimento à população.
Em Cuba, a Atenção Primária à Saúde (APS) cobre 100% do território.
No país socialista, um médico de família atende, no máximo, 1,5 mil
pessoas, que moram no mesmo bairro que o médico. No Brasil, esse número
chegava a 4 mil pessoas.
O orçamento previsto para rede pública de saúde no Brasil este ano
foi de R$ 131 bilhões. Jair Bolsonaro tomará posse como presidente da
República em 1º de janeiro de 2019 e não prevê ampliação de recursos
para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira
*Via Viomundo
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