O candidato que prometia "mudar tudo o que está aí" cede às barganhas
fisiológicas dos partidos e entrega nacos do Estado a interesses
corporativos
Com Bolsonaro, nada de novo |
Por Guilherme Boulos*
Depois de quatro anos fazendo campanha e vendendo a ideia de que mudaria "tudo que está aí", Bolsonaro
foi eleito e já indicou metade dos seus ministros. Sempre que
perguntado se tinha nomes em mente, o então candidato era vago, fazia
questão de assegurar que seriam nomes exclusivamente "técnicos". Nada de
"negociatas políticas" ou "escolhas ideológicas". Ao ler o nome dos
indicados, notamos o completo oposto.
Um dos poucos nomes garantidos em ministério durante as eleições foi
Paulo Guedes. O "guru" econômico de Bolsonaro tem atuado como um
verdadeiro primeiro-ministro do Brasil. Sondou Sérgio Moro antes mesmo
do segundo turno. Depois das eleições, atacou parlamentares e está
montando sua equipe econômica como se tivesse sido ele próprio o
candidato mais votado.
Guedes é fundador do banco BTG Pactual. Escolheu para presidir o BNDES Joaquim Levy,
do Bradesco e ministro do desastroso ajuste de Dilma em 2015. Para o
Banco Central indicou Roberto Campos Neto, do Santander. Para a
Petrobras, nomeou seu amigo da Escola de Chicago, Roberto Castello
Branco, que defendeu publicamente neste ano privatizar a empresa. Dois
privatistas também foram nomeados para a presidência da Caixa e do Banco
do Brasil.
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Seguindo o discurso de Bolsonaro, parte da mídia trata esses nomes
como "economistas" técnicos. Nada mais falso. Os porta-vozes dos
principais órgãos públicos da nossa economia são umbilicalmente ligados
ao mercado financeiro, numa escandalosa porta giratória com visível
conflito de interesses. Com lucros recordes sucessivos, tanto no período
de crescimento quanto de recessão econômica, os bancos já vinham
ditando os rumos da economia do País nas últimas décadas. É inédito,
porém, o nível de controle que terão sobre a política econômica no
próximo período, aparentemente sem qualquer contrapeso.
De noite, montam sua plataforma de governo jantando com grandes
acionistas e nomes ligados ao capital estrangeiro, interessados na
compra de ativos públicos e de riquezas nacionais. De dia, utilizam a
crise econômica para justificar privatizações, reformas que retiram
direitos e a venda da soberania nacional a preço de banana. Não por
acaso o New York Times definiu Bolsonaro como "descaradamente pró-americano".
Na política, Bolsonaro nomeou Onyx Lorenzoni
como ministro da Casa Civil. O deputado é filiado ao DEM há 21 anos,
quando ainda chamava-se PFL e tinha como comandante Antônio Carlos
Magalhães. Foi, na hipocrisia própria aos udenistas, um dos principais
parlamentares a levantar a bandeira das dez medidas contra a corrupção,
articuladas pelo Ministério Público Federal. Uma das medidas é a
criminalização direta de quem receba recursos eleitorais via caixa 2.
Lorenzoni poderia ser seu próprio promotor: admitiu ter recebido 100
mil reais da JBS não declarados à Justiça Eleitoral para sua campanha de
2014. Declarou-se, porém, "arrependido" e foi perdoado pelo Deus Moro.
Outra indicação, também do DEM, é a nova ministra da Agricultura,
Tereza Cristina. Líder da bancada ruralista, foi uma das principais
articuladoras do avanço do projeto que quer flexibilizar ainda mais o
uso dos agrotóxicos no Brasil. Por conta disso, ganhou o apelido de "Musa do Veneno".
Durante período na gestão estadual do Mato Grosso do Sul, deu
incentivos fiscais à JBS, fechou parcerias pessoalmente com Joesley
Batista e recebeu doações eleitorais da empresa no mesmo ano. Não é
exatamente um nome técnico.
Nada mais absurdo que a nomeação do até então desconhecido dos
brasileiros Ernesto Araújo como chanceler. Diplomata que atua nos
Estados Unidos, fã incondicional de Trump, disse que o presidente
norte-americano é a salvação do Ocidente. Em blog pessoal, fez campanha
aberta para Bolsonaro e atacou partidos de esquerda.
Araújo vive em uma verdadeira realidade paralela, onde o "marxismo
cultural" pilota o movimento "globalista", a China segue um país maoísta
e o aquecimento global é um dogma esquerdista. Seus impropérios e
disparates sucessivos fazem corar só de lembrar que será essa a voz do
Brasil para o mundo.
Sigamos. O novo ministro da Saúde será Luiz Henrique Mandetta,
terceiro nome do DEM. Está sendo investigado por fraude em licitação,
tráfico de influência e caixa 2 na implementação de um sistema de
prontuário eletrônico quando era secretário municipal de saúde.
O médico já presidiu a Unimed e desde o início foi contra o Programa
Mais Médicos. Difícil crer que alguém com ligação direta ao sistema
privado de saúde terá algum compromisso com o SUS. As indicações da
última semana foram fechadas com chave de ouro com Ricardo Vélez Rodríguez
na Educação. É uma tragédia anunciada. O defensor feroz da dita escola
"sem partido" é visceralmente antiesquerda, exalta o golpe militar de
1964 e rasga elogios à monarquia. Um fundamentalista que parece
desconhecer a Revolução Francesa. Não é a Marx que questiona, mas a
Voltaire e o Iluminismo. Trevas à vista.
Um superministro banqueiro e com a agenda mais antipopular do período
democrático. Um político que assumiu ser corrupto na Casa Civil. Uma
ruralista que quer liberar geral o veneno na comida na Agricultura. Um
trumpista em cruzada contra o marxismo e o ambientalismo na diplomacia.
Um deputado investigado e contrário ao Mais Médicos na Saúde. Um
inquisidor da Idade Média na Educação. Esse é parte do time de quem
prometeu "varrer" o que havia de pior na política brasileira e montar
uma equipe "técnica", não "ideológica". O ministério de Bolsonaro é um
verdadeiro show de horrores.
*Via Carta Capital
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