Por Ribamar Fonseca*
Na próxima terça-feira, dia 4 de dezembro, a Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal poderá, se vencer o medo, libertar Lula. Nesse dia
será julgado o novo pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente,
impetrado pela sua defesa. A expectativa é geral, dentro e fora do país,
até porque a esta altura os ministros que integram aquela turma, além
das manifestações de ódio nas redes sociais, já devem estar recebendo
ameaças veladas das sombras. Acredita-se que desta vez dificilmente
haverá ameaça escancarada, como aconteceu da última vez em que o general
Villas Boas estacionou até tanques em frente da Corte, porque a sua
atitude pegou mal, repercutindo intensamente na sociedade. Com o próximo
governo coalhado de generais, porém – tem até um deles no cangote do
presidente do STF, a pedido dele mesmo – é possível que os ministros que
julgarão o novo HC recebam avisos discretos dos militares, longe dos
olhares da mídia, advertindo-os sobre os riscos da sua decisão, ou seja,
uma provável intervenção militar se o grande líder petista for
libertado, conforme deixou claro o general Villas Boas em entrevista à
"Folha".
A esta altura do campeonato, no entanto, ninguém acredita muito nessa
possibilidade, porque uma intervenção agora criaria sérias dificuldades
para o presidente eleito Jair Bolsonaro, prestes a assumir o poder. Ele
teria de se posicionar, com graves prejuízos para o seu governo se
aderisse à intervenção, porque perderia o comando do país ou, em outra
hipótese, se reagisse. Além disso, seria uma grande burrada, primeiro
porque Bolsonaro conseguiu trazer os militares de volta ao poder pelas
vias democráticas, ou seja, através do voto popular, e, segundo, porque,
conforme admitiu o general Villas Boas em sua entrevista, ninguém sabe
como fazer para dar um golpe constitucional. Uma intervenção agora, por
outro lado, escancararia para o mundo a idéia de que o Brasil viveria
uma democracia de fachada, sob a tutela dos militares, o que seria
desastroso para as suas relações diplomáticas e comerciais com o resto
do mundo. De onde se conclui que qualquer tentativa de intimidação dos
ministros do Supremo não passará de blefe. Se houver, portanto, um rasgo
de coragem entre os ministros eles poderão pagar pra ver, libertando
Lula.
Na verdade, o principal objetivo de toda a operação que culminou com a
prisão do ex-presidente, mobilizando uma enorme máquina que contou com a
participação da mídia, da Policia Federal, do Ministério Público e do
Judiciário, já foi alcançado: impedi-lo de concorrer às últimas eleições
presidenciais e facilitar a ascensão de Bolsonaro. Sua libertação,
portanto, não oferece mais nenhum perigo para o projeto de poder da
extrema direita. A esta altura mantê-lo no cárcere só servirá para
aplacar o ódio dos que se deixaram envenenar pela mídia e redes sociais,
que não escondem o seu desejo de vê-lo morto. Já é possível
vislumbrar-se, porém, movimentos discretos no Congresso e no Supremo
para libertar Lula, que todos sabem ter sido preso sem ter praticado
nenhum dos crimes de que o acusam, com o objetivo apenas de retirá-lo do
páreo sucessório e impedi-lo de voltar ao Palácio do Planalto. O mundo
inteiro, que tem feito manifestações pela sua libertação, sabe que ele é
um preso político, vitima de uma vergonhosa trama para eliminá-lo da
vida pública do país.
Ao mesmo tempo em que cresce a expectativa sobre o julgamento do HC
de Lula cresce, também, o temor quanto ao futuro do país.
Por falta de
um projeto de governo, ninguém conseguiu enxergar ainda uma imagem,
mesmo enevoada, da nova administração sob o comando de Jair Bolsonaro. A
única certeza é que o Brasil será submisso a Donald Trump, com graves
prejuízos para a nossa soberania e economia. Pelos sinais emitidos até
agora pelos novos ministros já escolhidos, com o anúncio apenas de
medidas destrutivas, tornou-se possível a leitura da crônica de um
desastre anunciado. E não apenas os auxiliares do próximo governo mas,
também, os filhos do presidente eleito fazem declarações como se
investidos de autoridade, ocupantes de cargos. O deputado Eduardo
Bolsonaro, por exemplo, foi aos Estados Unidos como uma espécie de
chanceler de fato, mantendo encontros com vários auxiliares de Trump,
inclusive o seu genro, na Casa Branca, deixando humilhado o bizarro
chanceler de direito, que ficou no Brasil. Ele chegou, até, a afirmar
que o Brasil vai mesmo mudar a sua embaixada em Israel de Tel Aviv para
Jerusalém, agravando as nossas relações com os países árabes e
desagradando o vice presidente eleito, general Hamilton Mourão.
Pelos sinais, tem-se a impressão de que o futuro governo será abalado
por frequentes crises entre os auxiliares civis e os militares, porque
as divergências quanto a determinadas medidas anunciadas tendem a
ampliar os conflitos, especialmente quanto à política externa. Embora no
momento quietos, os generais que integram a cúpula do novo governo, a
começar pelo próprio vice-presidente, tradicionalmente nacionalistas,
não parecem nada felizes com a vergonhosa subserviência aos Estados
Unidos. Ninguém precisa ser profeta para prever uma queda de braço entre
os dois grupos, com inevitáveis consequências no funcionamento da
administração. E depois da declaração do vereador Carlos Bolsonaro, de
que tem gente muito perto do pai que quer vê-lo morto, a situação
interna pode ficar pior, pois a surpreendente insinuação do filho do
presidente eleito parece que tem endereço certo.
*Jornalista e escritor.
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