30 novembro 2018

Se vencer o medo, Supremo pode libertar Lula



Por Ribamar Fonseca*

Na próxima terça-feira, dia 4 de dezembro, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal poderá, se vencer o medo, libertar Lula. Nesse dia será julgado o novo pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente, impetrado pela sua defesa. A expectativa é geral, dentro e fora do país, até porque a esta altura os ministros que integram aquela turma, além das manifestações de ódio nas redes sociais, já devem estar recebendo ameaças veladas das sombras. Acredita-se que desta vez dificilmente haverá ameaça escancarada, como aconteceu da última vez em que o general Villas Boas estacionou até tanques em frente da Corte, porque a sua atitude pegou mal, repercutindo intensamente na sociedade. Com o próximo governo coalhado de generais, porém – tem até um deles no cangote do presidente do STF, a pedido dele mesmo – é possível que os ministros que julgarão o novo HC recebam avisos discretos dos militares, longe dos olhares da mídia, advertindo-os sobre os riscos da sua decisão, ou seja, uma provável intervenção militar se o grande líder petista for libertado, conforme deixou claro o general Villas Boas em entrevista à "Folha".

A esta altura do campeonato, no entanto, ninguém acredita muito nessa possibilidade, porque uma intervenção agora criaria sérias dificuldades para o presidente eleito Jair Bolsonaro, prestes a assumir o poder. Ele teria de se posicionar, com graves prejuízos para o seu governo se aderisse à intervenção, porque perderia o comando do país ou, em outra hipótese, se reagisse. Além disso, seria uma grande burrada, primeiro porque Bolsonaro conseguiu trazer os militares de volta ao poder pelas vias democráticas, ou seja, através do voto popular, e, segundo, porque, conforme admitiu o general Villas Boas em sua entrevista, ninguém sabe como fazer para dar um golpe constitucional. Uma intervenção agora, por outro lado, escancararia para o mundo a idéia de que o Brasil viveria uma democracia de fachada, sob a tutela dos militares, o que seria desastroso para as suas relações diplomáticas e comerciais com o resto do mundo. De onde se conclui que qualquer tentativa de intimidação dos ministros do Supremo não passará de blefe. Se houver, portanto, um rasgo de coragem entre os ministros eles poderão pagar pra ver, libertando Lula.

Na verdade, o principal objetivo de toda a operação que culminou com a prisão do ex-presidente, mobilizando uma enorme máquina que contou com a participação da mídia, da Policia Federal, do Ministério Público e do Judiciário, já foi alcançado: impedi-lo de concorrer às últimas eleições presidenciais e facilitar a ascensão de Bolsonaro. Sua libertação, portanto, não oferece mais nenhum perigo para o projeto de poder da extrema direita. A esta altura mantê-lo no cárcere só servirá para aplacar o ódio dos que se deixaram envenenar pela mídia e redes sociais, que não escondem o seu desejo de vê-lo morto. Já é possível vislumbrar-se, porém, movimentos discretos no Congresso e no Supremo para libertar Lula, que todos sabem ter sido preso sem ter praticado nenhum dos crimes de que o acusam, com o objetivo apenas de retirá-lo do páreo sucessório e impedi-lo de voltar ao Palácio do Planalto. O mundo inteiro, que tem feito manifestações pela sua libertação, sabe que ele é um preso político, vitima de uma vergonhosa trama para eliminá-lo da vida pública do país.

Ao mesmo tempo em que cresce a expectativa sobre o julgamento do HC de Lula cresce, também, o temor quanto ao futuro do país. 

Por falta de um projeto de governo, ninguém conseguiu enxergar ainda uma imagem, mesmo enevoada, da nova administração sob o comando de Jair Bolsonaro. A única certeza é que o Brasil será submisso a Donald Trump, com graves prejuízos para a nossa soberania e economia. Pelos sinais emitidos até agora pelos novos ministros já escolhidos, com o anúncio apenas de medidas destrutivas, tornou-se possível a leitura da crônica de um desastre anunciado. E não apenas os auxiliares do próximo governo mas, também, os filhos do presidente eleito fazem declarações como se investidos de autoridade, ocupantes de cargos. O deputado Eduardo Bolsonaro, por exemplo, foi aos Estados Unidos como uma espécie de chanceler de fato, mantendo encontros com vários auxiliares de Trump, inclusive o seu genro, na Casa Branca, deixando humilhado o bizarro chanceler de direito, que ficou no Brasil. Ele chegou, até, a afirmar que o Brasil vai mesmo mudar a sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, agravando as nossas relações com os países árabes e desagradando o vice presidente eleito, general Hamilton Mourão.

Pelos sinais, tem-se a impressão de que o futuro governo será abalado por frequentes crises entre os auxiliares civis e os militares, porque as divergências quanto a determinadas medidas anunciadas tendem a ampliar os conflitos, especialmente quanto à política externa. Embora no momento quietos, os generais que integram a cúpula do novo governo, a começar pelo próprio vice-presidente, tradicionalmente nacionalistas, não parecem nada felizes com a vergonhosa subserviência aos Estados Unidos. Ninguém precisa ser profeta para prever uma queda de braço entre os dois grupos, com inevitáveis consequências no funcionamento da administração. E depois da declaração do vereador Carlos Bolsonaro, de que tem gente muito perto do pai que quer vê-lo morto, a situação interna pode ficar pior, pois a surpreendente insinuação do filho do presidente eleito parece que tem endereço certo.

*Jornalista e escritor. 

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